O que a revolução tem a ver com o pão de cada dia?

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Por Zenem, membro do Comitê Regional de SP e Secretário Político do PCB – São Carlos

Alguns conhecidos meus, inclusive comunistas, insistem em ficar falando “não se faz revolução de barriga vazia”. No fim, falam isso para falar que não temos que ficar falando de revolução, mas sim das pautas por “sobrevivência”. Acho que esse raciocínio nos leva a grandes erros.

Não há necessidade de separar a luta contra a fome da luta pela revolução. A resposta correta é, ao mesmo tempo que lutamos contra a fome, mostrar como estar de barriga vazia é consequência de uma sociedade em que um pequeno grupo de pessoas (burguesia) tem a propriedade dos meios de produção (terras, máquinas, sementes, ferramentas, indústrias, tecnologias, etc.), do que é necessário para nossa existência, e a grande maioria das pessoas não têm essas propriedades e por isso têm que ou vender sua capacidade de trabalhar em troca de um salário injusto ou acabar morrendo de fome. Ao mesmo tempo que lutamos contra a fome, é necessário mostrar como o lucro da burguesia vem exatamente da exploração, da miséria e da fome daquela maioria de pessoas que não tem a propriedade dos meios de produção.

Assim, o correto é interligarmos a luta imediata contra a fome (brigadas de solidariedade, pautas como programas de criação de emprego, restaurantes populares, auxílio emergencial, etc.) com pautas mais gerais (por exemplo a revogação das contrarreformas) e com nosso objetivo final (a revolução e a tomada dos meios de produção nas mãos da classe trabalhadora). Um dos motivos para se fazer revolução é exatamente grande parte da população estar de barriga vazia.

Mas essa concepção do “não se faz revolução de barriga vazia”, que busca separar a luta imediata e econômica da luta política e da luta pela revolução não é nenhuma novidade. Conhecidos como economicistas, tais grupos de militantes foram duramente criticados por Lênin e pelos bolcheviques durante o processo revolucionário russo. Um clássico exemplo de defensor da concepção economicista é Martinov, que defendia a teoria dos “estágios” da luta, ou seja, só se poderia realizar a luta imediata e econômica com os operários, pois eles não estavam prontos para o “estágio” da luta política. O inacreditável é que Martinov defende tal tese no momento em que revoltas operárias explodiam por toda a Rússia. No fim das contas, o economicismo, além de subestimar a capacidade dos operários de compreenderem a luta política, coloca os revolucionários sempre na rabeira do movimento espontâneo. Por isso Lênin retruca:

“A social-democracia dirige a luta da classe operária não só para obter condições vantajosas de venda da força de trabalho, mas para que seja destruído o regime social que obriga aos não proprietários a venderem sua força de trabalho aos ricos. A social-democracia representa a classe operária não só na sua relação com um grupo determinado de patrões, mas também na relação com todas as classes da sociedade contemporânea, com o Estado como força política organizada. Compreende-se portanto, que os social-democratas não só não podem circunscrever-se à luta econômica, como nem sequer podem admitir que a organização das denúncias econômicas constitua a sua atividade predominante. Devemos empreender ativamente o trabalho de educação política da classe operária, de desenvolvimento da sua consciência política.” (LÊNIN, 2015, p.110)

E é por isso que para Lênin, quando um propagandista revolucionário vai tratar “por exemplo da questão do desemprego, deve explicar a natureza capitalista das crises, assinalar a causa da inevitabilidade das mesmas na sociedade atual, indicar a necessidade de transformar a sociedade capitalista em socialista, etc.” (LÊNIN, 2015, p.121)  “Tratando da mesma questão, o agitador tomará o fato mais conhecido de seus ouvintes, e o mais palpitante, por exemplo uma família de desempregados morta de fome, a indigência crescente etc., e apoiando-se sobre esse fato conhecido de todos, fará todo o esforço para dar à massa uma única ideia: a da contradição absurda entre o aumento da riqueza e o aumento da miséria; esforçar-se-á para suscitar o descontentamento, a indignação da massa contra essa injustiça gritante, deixando ao propagandista o cuidado de dar uma explicação completa dessa contradição.”

Portanto, paremos de repetir fraseologias que rebaixam nossa atividade política. Que avance a luta contra a fome e avance a luta pela revolução socialista!

LÊNIN, Vladimir Ilitch. Que fazer: Problemas candentes de nosso movimento. Expressão Popular, 2015.