“A voz dos trabalhadores do Cazaquistão deve ser ouvida, apesar dos provocadores!”

imagem

Declaração do Secretário Geral do Comitê Central do Partido Comunista da Federação Russa, Guennadi Andreievitch Ziuganov.

O Cazaquistão está passando por dias difíceis. O descontentamento popular, o qual vinha se acumulando já algum tempo, transformou-se em surtos formidáveis ​​de indignação e em protestos massivos. [Assessoria de imprensa do Comitê Central do Partido Comunista da Federação da Rússia
08/01/2022, às 14:22]

Cada movimento de massas contém diferentes componentes. Os eventos no Cazaquistão absorveram o descontentamento social, as atividades da ‘quinta coluna’ [1] e as ações de grupos terroristas. Ao mesmo tempo, a ‘quinta coluna’ inclui aqui extremistas comprometidos com o islamismo radical, além de inúmeras organizações alimentadas pelo Ocidente, mercenários que buscavam benefícios nas tormentas que atingem o país e grupos oligárquicos, dispostos a protestar em massa na luta pela redistribuição do poder.

Os povos irmãos da Rússia e do Cazaquistão estão intimamente ligados entre si por séculos de história. Juntos, criamos a União Soviética, construímos e vencemos, orgulhamo-nos de realizações econômicas e sociais notáveis. Juntos, revivemos os processos de integração, criando a CEE [2], OCX [3] e CSTO [4].

Hoje nossos camaradas e amigos estão passando por um período de difíceis provações. Protestos massivos varreram o Cazaquistão. Na capital do sul, Almaty, sangrentos tumultos ocorreram, causando um grande número de vítimas e de destruição.

Uma análise precisa e abrangente destes eventos deve ser considerada. É claro que a situação no Cazaquistão foi uma consequência direta da tragédia que aconteceu a todos nós há trinta anos. A destruição da URSS, a rejeição do sistema socialista e do poder soviético colocaram várias minas sob os novos Estados “independentes e democráticos”. O capitalismo primitivo em que mergulharam as repúblicas pós-soviéticas, condenou inevitavelmente os trabalhadores à pobreza e à falta de direitos, dando origem a uma desigualdade gritante. Ao mesmo tempo, nossos povos mostraram-se extremamente vulneráveis ​​às ameaças externas.

Ao contrário das promessas liberais, os novos estados não se tornaram membros do pleno direito do “mundo civilizado”. O capital global preparou para eles o papel de apêndices de matérias-primas e mercados de vendas, fontes de trabalho barato e peões nas aventuras geopolíticas das potências imperialistas.

O Cazaquistão obviamente seguiu um caminho instável. Os ramos avançados de produção desapareceram no redemoinho das privatizações. O setor de matérias-primas foi terceirizado com capital estrangeiro. No setor de petróleo e gás, as corporações como Chevron e ExxonMobil (EUA), Total (França), Royal Dutch Shell (Grã-Bretanha e Holanda) se firmaram. A transnacional ArcelorMittal transformou-se na nova chefe da indústria do aço.

Em uma estreita ligação com o capital estrangeiro, a jovem burguesia do Cazaquistão também lucrou com a exploração da mão de obra e das matérias-primas. Assim como na Rússia ou na Ucrânia, ela não desprezou nada no processo de “acumulação inicial de capital”. Muitas das pessoas mais ricas basicamente se fundiram ao poder. Como em quase todo o espaço pós-soviético, no Cazaquistão foi criado um sistema oligárquico-comprador típico do capitalismo selvagem.

A desigualdade crescia constantemente na república. Apenas migalhas caíram da renda nacional para o povo. A divisão de classes e as tensões sociais aumentaram. Em 2011, uma greve de um mês dos petroleiros em Zhanaozen terminou em confrontos e a morte de 16 pessoas. As autoridades mostraram claramente a sua atitude para com o povo ao aumentar a idade de aposentadoria para 63 anos, tanto para homens, quanto para mulheres.

A pandemia do coronavírus finalmente destruiu o mito da “paz social” no país. Até a taxa oficial de pobreza aumentou. Se levarmos em consideração o padrão mundial de exigências mínimas de 5,5 dólares por dia, então um sétimo dos habitantes cazaques estão na linha da pobreza.

De acordo com as pesquisas, a proporção daqueles que não têm comida suficiente aumentou de 3% para 13%. Outros 44% admitem que só possuem dinheiro para a alimentação, nada mais. Ao mesmo tempo, o número de bilionários em dólares no primeiro ano da pandemia aumentou de quatro para sete por cento, e suas fortunas combinadas quase dobraram.

Nos últimos dois anos, as greves não pararam nas empresas cazaques. As manifestações mais massivas ocorreram nas regiões ocidentais. O petróleo e o gás, como principal fonte de exportação, também lideram no nível de desigualdade de bens do país. Milhares de pessoas ficaram indignadas com o atraso nos salários e demissões, exigindo um aumento dos pagamentos em um cenário de aumento de preços ininterruptos. De acordo com dados oficiais, a inflação do preço dos alimentos no país aumentou 20% em dois anos.

As autoridades ignoraram as justas demandas dos já descontentes cidadãos. A assistência social durante a pandemia foi claramente insuficiente. A insatisfação da população também foi causada por medidas de quarentena rígidas. Como a Rússia, o Cazaquistão experimentou uma ‘otimização’ devastadora dos cuidados da saúde, que afetou diretamente seu preparo para a pandemia.

As pessoas perceberam algumas das medidas tomadas pelas autoridades como uma zombaria. Então, no outono, o presidente do país prometeu aos cidadãos que eles poderiam usar parte de sua poupança de aposentadoria. Poucos dias antes do ano novo, porém, o ‘limite de suficiência’ foi drasticamente elevado — o valor mínimo acumulado estaria acima dos saques possíveis [5]. Para residentes de 59 a 62 anos, seria de mais de 9 milhões de tengues [6], ou 1,5 milhão de rublos. Mas o número de proprietários dessas ‘ricas reservas’ no Cazaquistão é escasso.

Em vez de resolver os problemas sociais, a classe dominante preferiu dividir a sociedade, provocando a russofobia e a inimizade interétnica. Nos livros escolares, os jovens cazaques aprendem sobre o ‘colonialismo russo’ e o ‘totalitarismo soviético sangrento’. A nível oficial, foi lançada uma campanha pela reabilitação total de todas as “vítimas da repressão”, incluindo os colaboradores que passaram para o lado de Hitler. Monumentos foram erguidos homenageando figuras como Mustafa Shokay, que colaborou com os nazistas. Ruas e escolas receberam o nome deles. As autoridades especularam cada vez mais ativamente sobre o tema do ‘Holodomor do Cazaquistão’, distorcendo grosseiramente os fatos históricos. Forças nacionalistas próximas ao governo exigiram diretamente o reconhecimento da fome como ‘genocídio’ e a implementação do termo ‘descomunização final’.

Sob um clamor destrutivo no país, os últimos monumentos a Lênin estão sendo demolidos e ruas, bairros, vilas e cidades inteiras — renomeadas. Uma nova onda dessa sujeira política varreu a república no final do ano passado. Dezenas de ruas foram renomeadas em Uralsk, Semey (anteriormente Semipalatinsk) e outras cidades. Em Karaganda, o distrito de Oktyabrsky recebeu o nome de Alikhan Bukeikhanov, o líder do partido burguês “Alash”, que, em aliança com Koltchak e o hétman Dutov, lutou contra o poder soviético.

Apesar da amizade oficialmente proclamada entre os povos, o governo do Cazaquistão tem consistentemente se distanciado da língua russa, discriminando os cidadãos russófonos. No final do ano passado, o parlamento aprovou um projeto de lei que permite a veiculação de propagandas exclusivamente na língua cazaque. Em 2025, uma tradução completa do alfabeto cazaque do cirílico para o latim já está planejada.

Esse tipo de política resultou em uma emigração maciça da população. A participação dos russos na república diminuiu durante o período pós-soviético de 38% para 18%. Assim, em 2019, 45 mil pessoas deixaram o país, 85% das quais são russos, ucranianos e alemães. No Cazaquistão, existe um programa estatal para o reassentamento de cidadãos da nacionalidade titular nas regiões do norte, predominantemente de língua russa.

Esta política foi muito bem recebida, de todas as maneiras possíveis, pelas numerosas ONGs pró-Ocidente que se entrincheiraram no país. As próprias autoridades, embora apoiassem a integração eurasiana, flertaram simultaneamente com as capitais ocidentais. As relações com os Estados Unidos alcançaram o nível de ‘parceria estratégica ampliada’. Todos os anos, a república realiza exercícios militares conjuntos com a “Águia das Estepes” da OTAN. Com a participação dos americanos, foram construídos vários laboratórios biológicos, cujas pesquisas suscitam muitas dúvidas de especialistas locais e estrangeiros.

Na verdade, ao agradar os nacionalistas, o governo do Cazaquistão está destruindo metodicamente a oposição de esquerda. Tanto os comunistas, quanto os sindicatos independentes foram submetidos a fortes repressões.

Nesse contexto caótico, ocorreu uma explosão social no país. A faísca foi — por duas vezes ao mesmo tempo! — o aumento do custo do gás liquefeito de petróleo (GLP). Antes disso, as autoridades anunciaram a transição para “preços de mercado” e a rejeição total dos subsídios. O oeste do Cazaquistão se tornou um viveiro de aborrecimento. Em primeiro lugar, o gás liquefeito é usado especialmente aqui, servindo para aquecer casas e abastecer carros. Em segundo lugar, o combustível é produzido nesta região, com o esforço de muitos de seus habitantes, mas as pessoas foram ‘convidadas’ a abandoná-lo, ‘submetendo-se ao livre mercado’. E, em terceiro lugar, as ondas anteriores da crise desferiram o golpe mais tangível no oeste do Cazaquistão, transformando-o em um centro de atividades de protesto.

Em questão de dias, a indignação se espalhou para outras regiões do país. Os protestos apresentaram-se pacíficos inicialmente. Os manifestantes exigiam preços mais baixos, salários e benefícios maiores, insistiam no retorno à idade de aposentadoria anterior. Em solidariedade aos manifestantes, trabalhadores em vários campos de petróleo entraram em greve.
No entanto, a situação rapidamente saiu do controle. Os primeiros atos de terror e vandalismo foram cometidos nas cidades de Zhanaozen e Aktau, na região de Mangistau, no sudoeste do Cazaquistão. Então, a agitação se transformou em confrontos violentos em Almaty e em outras cidades. Em particular, os aeroportos de Aktobe, Aktau e Almaty foram paralisados. Havia uma ameaça à segurança do cosmódromo de Baikonur. Grupos de delinquentes armados atacaram as forças de segurança, apreenderam e destruíram edifícios, atacaram médicos, bombeiros e civis. Uma onda de saques varreu as cidades.

É claro que as ações destrutivas foram cometidas por aqueles que não são parte da maioria dos manifestantes. Grupos criminosos estão usando as manifestações populares no Cazaquistão para alcançar seus próprios objetivos. Em primeiro lugar, parte delas são células islâmicas radicais. Sua atividade é indicada pela crueldade demonstrativa para com as forças de segurança. Passaram a cortar cabeças de pessoas uniformizadas. Os agentes de forças externas também se tornaram mais ativos. Em primeiro lugar, a cidade de Almaty é tradicionalmente considerada um reduto de influência liberal. É aqui que estão localizados os escritórios de um número significativo das ONGs pró-Ocidente. Finalmente, os criminosos associados a grupos nacionalistas se soltaram. Isso é: apoiados por ataques direcionados aos edifícios de promotores e serviços especiais, seus incêndios criminosos, apreensão de armas, pogroms em lojas e outros locais públicos.

Não se pode descartar que as ações de todas essas forças foram coordenadas a partir de um centro, ansioso por desestabilizar o Cazaquistão. Mas é impossível retirar da liderança da república a responsabilidade pelo fato de que os funcionários toleraram as atividades das forças pró-Ocidente e tomaram uma posição conciliatória em relação aos radicais islâmicos. O Comitê de Segurança Nacional do país rejeitou vários pedidos para banir o salafismo (wahhabismo) [7]. Havia pregadores no Cazaquistão que foram treinados tanto na Arábia Saudita, quanto em outros países árabes.

Nosso país tem a obrigação de ver toda a trajetória dos eventos em um amplo contexto internacional. Nos últimos meses, a situação político-militar perto das fronteiras ocidentais da Rússia se deteriorou claramente. A pressão econômica, informativa, diplomática e militar sobre nosso Estado só se intensificou. A mídia ocidental, diplomatas, políticos e representantes da OTAN mais de uma vez expressaram em voz alta ‘preocupação’ ostensiva com os planos de um ‘ataque à Ucrânia’ e ameaçaram Moscou com ‘medidas preventivas abrangentes’.

Em relação ao agravamento da situação em nosso país, recebemos um golpe nas fronteiras do sul. Com o início do novo ano, os adversários da Rússia no cenário mundial aumentaram drasticamente suas apostas no ‘grande tabuleiro de xadrez’. Em 2 de janeiro, a população do Cazaquistão estarreceu-se com o ‘presente de ano novo’ do governo – um salto nos preços do gás. O surto de indignação foi imediatamente aproveitado pela resistência terrorista, cuja liderança conta com a experiência de combate de jihadistas na Síria e no Iraque. Ações em larga escala foram organizadas para desestabilizar a situação. Os representantes da clandestinidade conseguiram, por um lado, fundir-se com as massas de manifestantes, por outro, contar com elementos deslegitimadores e criminosos.

No momento, milhares de pessoas sofreram destas ações criminosas. Centenas de pessoas foram hospitalizadas, dezenas estão em tratamento intensivo, além das centenas de mortos. Os bandidos interferiram no trabalho de ambulâncias e instituições médicas, metralhando e intimidando a população, roubando lojas e saqueando. A natureza de suas ações atesta as etapas planejadas, coordenadas e financiadas do exterior.

O Presidente do Cazaquistão declarou estado de emergência no país e renunciou ao governo. Dada a escala dos acontecimentos e a intervenção de forças externas, as autoridades da república recorreram a parceiros em busca de ajuda. O Conselho da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO) decidiu fornecer essa assistência para estabilizar a situação no Cazaquistão.

De acordo com o Partido Comunista da Federação da Rússia, a introdução dos soldados de paz do CSTO é uma medida forçada, mas adequada e oportuna destinada a extinguir as chamas do próximo ‘golpe colorido’. O Partido Comunista da Rússia condena veementemente as ações da reação internacional e dos criminosos. Consideramos a interferência totalmente inaceitável nos assuntos internos do Cazaquistão e as tentativas de desestabilizar a Ásia Central, que representa uma ameaça direta ao nosso país.

O Partido Comunista da Federação da Rússia é favorável ao retorno do Cazaquistão a um curso pacífico. Consideramos que a principal tarefa do contingente de manutenção da paz é a proteção de instalações estratégicas destinadas a garantir a vida normal dos cidadãos. A população da república deve ser protegida de ataques terroristas jihadistas que recorreram a ‘táticas de intimidação’.

Estamos confiantes de que a missão de paz da Organização do Tratado de Segurança Coletiva ajudará a estabilizar a situação na região da Ásia Central. Ao mesmo tempo, acreditamos que o contingente de manutenção da paz deve ser usado apenas para os fins declarados e nada mais. O envolvimento de mantenedores da paz em disputas internas dos oligarcas e demais agrupamentos do poder é inaceitável.

Seria um erro a liderança do Cazaquistão seguir o caminho de perseguir manifestantes pacíficos, registrando todos como ‘terroristas’ e ‘bandidos’. Acreditamos que o governo deve iniciar imediatamente um diálogo com os trabalhadores e políticos de autoridade. Cumprir imediatamente suas demandas para melhorar a situação socioeconômica do país.

O Partido Comunista da Federação da Rússia observa que é chegado o momento de pôr fim às manifestações políticas russofóbicas e anti-soviéticas na República do Cazaquistão. Uma análise completa das atividades das organizações pró-Ocidente e da mídia é imprescindível. Durante anos, tudo isso transformou o Cazaquistão em uma arena para as atividades das forças anti-russas, incitando a população contra a amizade com nosso país.

Chegou a hora de uma discussão honesta sobre a eliminação das causas fundamentais da divisão social destrutiva, não apenas no Cazaquistão, mas também na Rússia. Para nosso país, outro sinal formidável soou, indicando quais são as políticas que geram divisão, desigualdade e pobreza e como inevitavelmente sobrecarregam a paciência do povo. Trabalhando pelos interesses dos oligarcas, jogando ‘migalhas ao povo’, qualquer governo certamente enfrentará a obrigação de responder por seus atos. Então, nem a repressão dura, nem a embriaguez do nacionalismo, nem as mentiras dos adeptos do anti-sovietismo e da russofobia ajudarão.

A conclusão mais importante dos eventos do Cazaquistão é que as tentativas da burguesia nacional de integrar seus povos ao mundo do capitalismo global os tornam fantoches da oligarquia mundial. Os objetivos fundamentais dos povos da Rússia, do Cazaquistão e de todas as outras nações são abandonar esta política voraz. Hoje, como nunca antes visto, nosso programa ‘Dez Passos para uma Vida Digna’ e a experiência única de empreendimentos populares estão em alta. Se o capital estrangeiro ou ‘local’, os trabalhadores devem se tornar os donos de seus próprios países!”

Secretário Geral do Comitê Central do PCFR.

G.A. Zyuganov

Notas:

[1] “Quinta-coluna” é o termo utilizado para se referir a grupos clandestinos que atuam em um país prestes a entrar em um conflito.

[2] Comunidade Econômica Euroasiática.

[3] Organização para Cooperação de Xangai.

[4] Organização do Tratado de Segurança Coletiva.

[5] O “limite de suficiência” é um valor de segurança estabelecido para que se possa sacar uma determinada quantia, de acordo com a legislação cazaque. Com um limite de suficiência altíssimo, somente uma pequena parcela da população pôde sacar seu dinheiro.

[6] 1 tengue cazaque = 0,17 rublos russos.

[7] Movimento extremista internacional ultraconservador dentro do islamismo sunita que apoia a aplicação de leis fundamentalistas.

Traduzido por Matheus Gusev, militante da UJC