O caminho dos comunistas do PCB nas eleições

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Por Giovani Damico, via Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

O ano de 2022 bateu em nossa porta, entrou, e finalmente serviu à mesa um menu repleto de contradições, embates, reviravoltas e crises. Ainda que o ano ainda esteja no início, começa com um sentimento de déjà-vu, uma vez que o xadrez eleitoral já vinha movimentando suas peças, queimando largada desde o final de 2018. Afinal de contas, a maior parte das forças políticas no país enxergam na institucionalidade e nas disputas eleitorais o cerne do movimento da história. Os comunistas, por sua vez, já de longa data, vêm apontando uma centralidade diferente, para a qual reside nas ruas o verdadeiro nó que embaraça as contradições sociais e a luta de classes. Para os comunistas, em especial para o centenário PCB, o momento eleitoral se trata exatamente de um momento, uma parte da política com um potencial limitado para conduzir as transformações sociais. As eleições seriam, assim, a expressão institucional do atual estado das coisas e deveriam ser pensadas como uma brecha para alavancar aquilo que se espera de mudanças substanciais na sociedade.

O PCB, popularmente conhecido como Partidão, marca neste ano o seu centenário, completado no dia 25 de março de 2022. Além disso, o partido completa, também, um segundo aniversário: os 30 anos de seu movimento de refundação, conhecido como a “Reconstrução Revolucionária”. Neste ano, com dois aniversários importantes e em um cenário no qual as eleições assumem papel de grande relevância, se faz mister revisitar o papel histórico do PCB nas eleições, mas sobretudo olhar para a intervenção atual que os comunistas vêm pautando no processo eleitoral. O partido marcou os anais da história do Brasil, elegendo 14 deputados constituintes em 1946, além de Luíz Carlos Prestes para o Senado, e tendo, também, lançado o primeiro candidato negro à presidência da República. O PCB chega em 2022 renovado, e com uma política eleitoral alinhada às suas mediações táticas, ou seja, parte dos esforços que pavimentam caminho para seu programa máximo na construção do Poder Popular.

Nos anos da ditadura o PCB teve um papel de enorme importância na organização das lutas em torno da pauta democrática, na resistência popular e nos processos que culminaram na reabertura da democracia. Tendo sido alvo número um em perseguições políticas, o PCB terminou os anos 80 sofrendo com as mazelas dos anos de ilegalidade, baixas políticas e perda de quadros importantes, criando uma situação emblemática, na qual um fundamental operador político das lutas no Brasil terminou se submetendo a uma deriva política de caráter taticista, a partir da qual se esvaziou pouco a pouco o teor revolucionário do Partido, o que culminou no trágico processo de liquidação do PCB que sucedeu o final da década de 80 e início dos anos 90.

Com a virada política ocasionada pela reconstrução revolucionária, se abriu um novo capítulo na história do Partidão, que por um lado tem renovado seu ímpeto e firmeza em suas formulações, mas por outro lado sentiu o peso da queda do bloco socialista e da URSS, além das perdas políticas geradas pelas tentativas de liquidação. Veio, assim, um período complexo, no entanto riquíssimo de novos aprendizados. É neste cenário em que a questão eleitoral se vê reposicionada na linha política do partido, que, ao mesmo tempo em que abandona qualquer ilusão de caráter reformista, social-democrata ou eurocomunista, com uma crença cega na institucionalidade, o partido está promovendo uma linha que foge de um sectarismo esquerdista, e localiza no processo eleitoral um terreno fértil para disputa ideológica, para o fortalecimento das bases sociais, e quando possível, para adentrar as brechas da institucionalidade, reforçando o trabalho político no seu sentido amplo e no seus objetivos centrais em torno da luta de massas a ser constituída nas ruas e no campo.

Nesta perspectiva das eleições enquanto “trampolim” para organização geral do Partido e da classe trabalhadora, o PCB vem construindo lentamente uma trajetória de disputa eleitoral associada a movimentos de massas, à inserção direta e concreta na classe, seja nas lutas populares, nos bairros, nos sindicatos, no campo, na organização da juventude, ou nos movimentos de lutas contra as opressões de gênero, raça e sexualidade. As eleições figuram assim como expressão institucional daquilo que o Partido coloca em prática em suas bases sociais. Desde os idos dos anos 2000 se intensificam paulatinamente as construções autônomas de candidaturas do PCB, que não se exime de construções conjuntas, analisando as diferentes situações e conjunturas. Com a guinada à direita promovida pelo Partido dos Trabalhadores, sobretudo a partir de 2005, o PCB rompe com o PT, reforçando a construção de um programa eleitoral próprio, que virá a compor algumas alianças táticas com partidos da esquerda nos anos seguintes.

Na atual conjuntura, marcada pela crise em partes expressivas da esquerda que transitam aceleradamente de um programa social-democrata já tímido, para o neoliberalismo com um verniz suave de preocupações sociais, se cria um cenário de composições entre esta esquerda moderada e setores da direita. Alianças como estas se expressam em candidaturas como Lula-Alckmin, ou nas vacilações do PSOL, que para além da perda de quadros para setores ainda mais recuados, tem promovido um giro em direção ao PT, apostando na composição ministerial com o Partido dos Trabalhadores, abrindo mão de candidaturas próprias para presidência da república, e para o governo de diversos estados, como no caso de Guilherme Boulos em São Paulo. A política de federações anuncia agora como farsa aquilo que já se apresentara como tragédia, confirmando associações cada vez mais duvidosas pautadas em um suposto pragmatismo, que coloca no balcão de negócios os ideários políticos, rifados em projetos de conciliação com representantes do capital.

Neste cenário o PCB tem apostado cada vez mais em suas candidaturas próprias e alianças pontuais com segmentos mais avançados. Em 2014 o Partido lançou sua pré-candidatura para a presidência da República na chapa Mauro Iasi e Sofia Manzano, e embora tenha optado por apoiar Guilherme Boulos em 2018 para presidência, vem revendo a política de alianças, uma vez constatadas as vacilações de setores outrora aliados. Em 2020 o PCB optou por um programa político mais voltado para sua autoconstrução, contando com importantes candidaturas para vereança em diversas capitais, mas é em 2022 que o PCB firma efetivamente uma política eleitoral coesa, coerente com sua linha, colocando em marcha diversas pré-campanhas próprias seja nas pré-candidaturas proporcionais, seja nas pré-candidaturas majoritárias Brasil afora.

A tática eleitoral do PCB em 2022 aposta, assim, na pré-candidatura da Professora e Economista Sofia Manzano para presidência da república, como ponta de lança de um projeto radicalmente popular, orientado tanto para medidas imediatas para retirada do Brasil da crise, como, ao mesmo tempo, para reestruturação das relações de poder, tirando da institucionalidade o eixo das lutas e da política, trazendo à tona a pauta das ruas, bem como o papel do proletariado e da luta de classes como articulador e equalizador da política em geral. Junto à candidatura de Sofia Manzano, emergem candidaturas proporcionais nos estados, que já foram anunciadas nos principais estados brasileiros, como no caso da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

No estado da Bahia o PCB optou por disputar as eleições com uma pré-candidatura própria para o Governo do Estado, anunciada no último dia 11 de março e prepara para os próximos dias o lançamento de suas pré-candidaturas proporcionais para Deputados Federais. Emerge assim uma plataforma política com um programa local, pautado nas demandas regionais com suas especificidades, mas ao mesmo tempo, associada a um programa geral que dê conta de dar início a algumas das transformações urgentes da realidade brasileira. O PCB chega em 2022, portanto, com uma agenda eleitoral viva, robusta, e que promete disputar o terreno político nesta via, tensionando por um programa de esquerda e abraçando as bandeiras históricas deste campo político que foram abandonadas por diversos de seus outrora signatários.

O programa político apresentado pelo PCB – ainda em caráter parcial – aponta alguns elementos centrais: a revogação imediata do teto de gastos, rompendo com a agenda neoliberal sob o mantra da “responsabilidade fiscal”, reconduzindo o Estado para o papel de ator central na economia do país, direcionando assim investimentos público não apenas para infraestrutura, mas para a inserção estratégica do estado como ator econômico, criando e consolidando empresas públicas, reforçando o serviço público, investindo em carreiras e concursos, promovendo um processo de nacionalização e reestatização das empresas públicas, bancos e todos setores estratégicos, criando condições para uma política de pleno emprego. Ao lado disso vem uma política de investimento na saúde e educação de caráter público, gratuito e de qualidade, rompendo com as transferências de recursos públicos para a iniciativa privada, bem como com os projetos de precarização dos serviços públicos e da seguridade social. O PCB almeja, ainda, um projeto que contemple as questões ambientais, incorporando novas matrizes energéticas, em associação às preocupações das comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas. Por fim é pautada uma nova política de segurança pública, pondo fim à guerra às drogas. Tal proposta traz a desmilitarização da polícia como uma de suas bandeiras centrais para pôr fim ao genocídio da população negra e das periferias do Brasil.

A quadra histórica baiana carrega ainda alguns elementos extras, como as disputas palacianas no interior do bloco petista com seus aliados internos e externos, gerando cada vez mais fraturas. O Carlismo, por sua vez, busca retomar o centro da política baiana em um cenário no qual o legado petista, marcado pelos governos Wagner e Rui Costa, pouquíssimo se diferenciaram das práticas carlistas e da agenda neoliberal. Tal cena cultiva um fermento extra para a mobilização de alternativas, e o PCB promete não perder a oportunidade de mostrar a que veio.

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