Entrevista do Momento: Antonio Carlos Mazzeo

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Por Milton Pinheiro, via Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

Antonio Carlos Mazzeo é doutor em história econômica pela Universidade de São Paulo, pós-doutor em filosofia política pela Università Degli Studi Roma-Tre e Livre-Docente em ciência política pela Universidade Estadual Paulista. É professor dos programas de pós-graduação em história econômica (USP) e serviço social (PUC-SP). É membro do Comitê Central do PCB.

O Momento – Você é um importante intelectual marxista brasileiro com uma longeva militância comunista. Como analisa o quadro político atual?

Mazzeo – O quadro político brasileiro está tensionado pelas pressões sociais e políticas postas por uma sociedade em crise. O governo Bolsonaro, desde seu início, privilegiou segmentos do empresariado, notadamente o agronegócio e setores do capital financeiro, em detrimento do povo trabalhador, deixando de lado qualquer perspectiva de se constituir políticas nacionais e de grande porte, como desenvolvimento econômico vinculado ao setor de bens de produção e de consumo popular; políticas de emprego, auxílios sociais robustos para combater a fome, sem contar o abandono da Ciência e Tecnologia e a determinação de subsumir as políticas ambientais aos interesses econômicos mais destrutivos.

A política de Bolsonaro, através das medidas implementadas por Paulo Guedes visou apenas atender as demandas dos dois segmentos produtivos arrolados acima, além de procurar atender, também, às demandas de setores da pequena-burguesia comercial e da burocracia estatal, notadamente, os membros das forças armadas e os policiais militares, com ênfase, no oficialato. De modo que o governo Bolsonaro não conseguiu costurar um bloco político sólido no empresariado industrial e dos setores de insumos e aqueles vinculados com o desenvolvimento de tecnologias. É por esse motivo que Bolsonaro, sem nenhuma proposta que atenda às reais demandas nacionais, para continuar no poder, age através de factóides que envolvem conflitos com o judiciário, contando com apoio de grupos fisiológicos no Congresso Nacional, e de sua tropa de choque neofascista, que garantem seu comportamento autocrático que permanentemente ameaça golpear as instituições do Estado democrático de direito instituído, sugerindo, inclusive a possibilidade de transcender a legalidade institucional. O Fato é que o Brasil vive uma das crises econômicas mais graves dos últimos 40 anos, beirando a estagflação, com desemprego em massa e carestia, agravadas por uma condição que ainda reverbera as consequências da crise sanitária provocada pelo desdém com a saúde da população brasileira.

O Momento – Como examina o processo eleitoral brasileiro e quais as questões centrais desse processo para os comunistas brasileiros?

Mazzeo – O quadro político que se desdobra no processo eleitoral é bastante complexo. Para os comunistas brasileiros, a “polarização” que vemos no Brasil reflete as próprias alternativas que os governos que se constituíram após a ditadura civil-militar, buscaram para desenvolver a economia brasileira. O Elemento central foi a opção por políticas liberais que atualizaram e deram continuidade à inserção-subordinada no conserto da economia internacional, reafirmando o caminho colonial de uma economia que se constituiu como complementar dos pólos centrais do capitalismo. Essa opção, ratificada pelos governos petistas, não somente reestruturou e direcionou a economia brasileira para a produção de commodities, como acelerou a desindustrialização do país, provocando uma reestruturação produtiva que lançou milhões de trabalhadores à precarização e ao subemprego. O governo Bolsonaro, com sua ausência de propostas para a nação e sua opção preferencial pelo agronegócio e pelo capital financeiro, veio agravar intensamente a situação econômica do país e, nesse sentido, os comunistas brasileiros se colocam radicalmente na oposição às políticas destrutivas da nação, implementadas por Bolsonaro. Ao mesmo tempo, os comunistas do PCB rejeitam a conciliação de classe e com o imperialismo proposta pelo reformismo capitaneado pelo PT, porque no âmbito central da economia brasileira, não somente mantém a inserção-subordinada do Brasil na economia mundial, como para a aplicação de uma política de conciliação com os interesses dos monopólios nacionais e internacionais, atrela a classe trabalhadora em seu conjunto, aos interesses da burguesia brasileira e a seus sócios imperialistas, desmobilizando a luta e rebaixando a intervenção protagonista do proletariado brasileiro que passa a conviver subalternizada a projetos alheios a seus interesses de classe.

O Momento – O marxismo mostra-se, cada dia mais, capaz de responder às contradições da ordem capitalista. Que leitura faria da aderência explicativa dessa teoria social ao cenário das lutas de classes em curso no Brasil?

Mazzeo – Exatamente por utilizar o marxismo como instrumento de análise e de compreensão da realidade brasileira, os comunistas entendemos que a alternativa para o desenvolvimento do país não pode mais estar calcada no capitalismo. Em nossa visão da dinâmica societal brasileira é que a crise sistêmico-estrutural do capitalismo como um todo, não oferece nenhuma alternativa para o desenvolvimento dos povos do mundo. Nesse sentido, há que se construir alternativas que comecem a apontar perspectivas que visem a superação das relações econômicas baseadas nas relações sociais do capital, ampliando desde já, um leque de opções que centrem tanto as decisões de políticas econômicas e sociais, no atendimento das necessidades da maioria da população brasileira, que deverão ser decididas coletivamente pela maioria da sociedade. Daí nossa proposta de construção do Poder Popular, como uma transição para uma economia socialista com ampla participação, comandada pelos trabalhadores.

O Momento – O confronto da Ucrânia evidencia a ampla validade do que Lênin qualificou como imperialismo. Como avalia essa quadra histórica?

Mazzeo – A evidência de que se vive uma crise de grande porte nas relações econômicas do capitalismo contemporâneo, com reflexos no cenário geopolítico mundial, é o que ocorre na Ucrânia. Ali disputa-se a construção de uma nova hegemonia econômica em que os protagonistas emergentes estão centrados no Oriente. Nesse cenário, a economia em destaque é a da China, que além de ser uma economia de grande envergadura e que já disputa espaços econômicos com os Estados Unidos da América, é também, uma potência militar. Isso significa dizer que a guerra da Ucrânia é resultante da própria expansão da aliança militar ocidental, a OTAN, em direção ao leste europeu, particularmente ao território russo. Mas essa ofensiva visa de fato, cercar a China e seus aliados que formam o que podemos chamar de Eurásia, composta também pela Rússia, Índia e, mais adiante, a Turquia, que ensaiam concretamente a construção de um bloco econômico-militar para se contrapor à hegemonia ocidental. O imperialismo do Ocidente, composto pelos Estados Unidos e seus aliados europeus apostaram na desestabilização da região em que situa-se a Rússia, para indiretamente, atacar a China, pois esse movimento desestabilizador evidencia-se claramente nas articulações dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, no Oriente, especialmente através de alianças militares e econômicas com Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia. De modo que tanto a Rússia como a Ucrânia fazem parte da atual disputa geopolítica mundial. Obviamente, os comunistas do PCB entendem que a única solução positiva para o conflito no Leste europeu é o fim das agressões e a saída das tropas russas da Ucrânia, assim como da OTAN, dos Estados Unidos e da União Europeia das fronteiras da Rússia. Para nós a perspectiva de uma paz duradoura e a unidade dos trabalhadores ucranianos e russos e oposição ferrenha às pretensões subimperialistas russas, ucranianas e do imperialismo ocidental.

O Momento – Você lançou mais uma edição de seu livro Sinfonia Inacabada (Boitempo, São Paulo, 2022), quais são os novos aspectos apresentados nesta edição diante das anteriores?

Mazzeo – A nova edição do meu livro Sinfonia Inacabada – a política dos comunistas no Brasil, tem um apêndice que analisa de divisão do PCB na década de 1990 e o longo processo do que ficou conhecido como Reconstrução Revolucionária, que inicia-se em 1993, com a realização do X Congresso do partido e vem até os dias de hoje, quando o Partido se reinsere nas lutas populares e dos trabalhadores, e que vem constituindo um progressivo protagonismo na luta de classes do país, através da organização da classe e dos movimentos sociais populares e de trabalhadores, fazendo, ao mesmo tempo, a crítica à conciliação de classes efetuada pela social-democracia-tardia, o PT, e a dura oposição ao neofascismo. De modo que uma das novidades do livro é a reafirmação a possibilidade da construção da alternativa socialista para o Brasil.

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