Sofia Manzano 21: “Agro, a indústria da pobreza do Brasil”

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Por Leopoldo Neto (roteiro e condução), Vitória Regina (roteiro e condução) e Norberto Liberator (roteiro e arte)
Colaborou Guilherme Correia

Revista Badaró entrevista Sofia Manzano, candidata à Presidência da República

Nenhuma outra legenda no Brasil possui tanta longevidade quanto o PCB (Partido Comunista Brasileiro). Entre períodos na clandestinidade, rupturas (conhecidas como “rachas”), sabotagens externas e internas, mas também participações decisivas em mobilizações e conquistas sociais no Brasil, o Partidão chegou, em 2022, a seu centenário.

Em 1917, mesmo ano da primeira revolução socialista vitoriosa na história da humanidade, o Brasil também passou por um marco na agitação política de esquerda: a greve geral que resultou, entre outras conquistas, no teto de oito horas de trabalho diário – à época, as jornadas costumavam ir de nove a 12 horas. Embora naquele momento o anarquismo, sobretudo a vertente anarcossindicalista, predominasse entre as organizações de trabalhadores, a paralisação foi um embrião para a formação de um partido de vanguarda. É o que diz Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partidão, em artigo publicado em 1952 na revista Problemas.

A fundação do PCB em 1922, mesmo ano da Semana de Arte Moderna, traz relações diretas com o evento. Ali estavam Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Patrícia Galvão (Pagu), futuros representantes de um braço histórico do partido, o dos artistas e intelectuais. Deste também fariam parte Jorge Amado – que, como deputado federal, foi autor da lei que criminalizou a intolerância religiosa –, Cândido Portinari, Ana Montenegro, Graciliano Ramos, Dias Gomes, Oscar Niemeyer, Mário Schenberg, entre outros. Dentre figuras de destaque, há ainda atletas, como o boxeador Waldemar Zumbano, o jogador de futebol Leônidas da Silva e o ex-jogador, jornalista e treinador João Saldanha.

Durante estes 100 anos, fez-se impossível falar sobre história da política brasileira de forma séria sem citar o PCB, o que se torna uma ironia quando se pensa na visibilidade dada hoje, nos grandes veículos de comunicação, às candidaturas do Partidão. O pavor da burguesia se mantém, mas de outra forma. Se Yedo Fiuza, prefeito de Petrópolis e terceiro colocado na eleição presidencial de 1946 (quando obteve 10% dos votos), enfrentou uma intensa campanha de difamação, a economista e professora Sofia Manzano enfrenta a falta de espaço. Na contramão da grande mídia, a Badaró conversou com Sofia (sem interrompê-la). O material bruto pode ser conferido também em nosso canal do YouTube.

Revista Badaró: Você iniciou sua militância no PCB, em 1989, período que foi marcado pelo colapso da União Soviética. O partido, naquele ano, lançou candidatura de Roberto Freire (Cidadania), que hoje é um político de direita. Três anos mais tarde, a partir de um golpe interno, a legenda mudou de nome e hoje, ainda mais descaracterizada, ele compõe a chapa da ruralista Simone Tebet (MDB). Como se deu a disputa interna dentro do partido naquele momento e como se deu a reorganização do PCB enquanto uma legenda marxista-leninista?

Sofia Manzano: É interessante, principalmente para quem é mais jovem e só tem o conhecimento da década de 1980, do colapso da União Soviética e da implantação do neoliberalismo no Brasil nos anos 1990 através da escola, dos livros, e agora da internet, dos meios de comunicação, é importante dizer que naquele momento a gente vivia um verdadeiro turbilhão de acontecimentos, no Brasil especialmente, por diversos motivos.

O PCB, partido que agora, em 2022, completou seu centenário, já era um partido muito antigo no Brasil, mas que passou o período da ditadura sendo duramente perseguido e grande parte ou a totalidade do seu comitê central, sua direção máxima, que sobreviveu, foi exilada. E nesse exílio, na Europa, mas também na União Soviética, uma parte desse comitê central começou a abandonar, já nos anos 1970, a perspectiva revolucionária.

E quando voltam para o Brasil, a partir de 1979, com a saída de Luís Carlos Prestes, inclusive, que estava em contradição com esse – digamos assim – abandono, pela maioria do comitê central, da perspectiva revolucionária, há uma hegemonia dentro do PCB das posições reformistas, inclusive já com práticas de direita mesmo, mesmo ainda no PCB.

Para se ter uma ideia, nos anos 1980, na retomada da democracia no Brasil, o PCB apoiou candidatos como Antônio Ermírio de Moraes, em São Paulo, ou Moreira Franco, no Rio de Janeiro, nas eleições estaduais. Então, já havia um processo de degeneração ideológica e política por parte da direção nacional do partido.

Ao mesmo tempo, os anos 1980 no Brasil eram anos de ascenso da luta de classes, com a reorganização da classe trabalhadora, mesmo que fora das diretrizes “revolucionárias”, mas é um momento de ascenso da luta de classes com as greves do ABC, os movimentos das Diretas Já, com a consolidação do Partido dos Trabalhadores (PT) ou da Central Única dos Trabalhadores (CUT), como uma central sindical que se contrapunha às práticas burocráticas e pelegas das outras centrais que existiam.

Todo um movimento de euforia com relação à extensão de direitos – tanto é que esse movimento que vai crescer nos anos 1990 – é que impulsiona a Constituição de 1988 ter sido tão progressista, tendo em vista que, no restante do mundo, o que estava havendo era o contrário. Já era um processo de regressão tanto por conta do colapso que já vinha ocorrendo nos países socialistas, na União Soviética e no Leste Europeu, mas também nos países capitalistas, com a implantação do neoliberalismo e da destruição do mínimo que existia de programas sociais-democráticos clássicos dos partidos sociais-democratas clássicos, como o Partido Trabalhista na Inglaterra ou os partidos comunistas e sociais-democratas europeus em geral.

Por um lado, a direção do PCB vem com uma ideia reformista e abandona a perspectiva revolucionária; e já passa a apoiar posturas eleitoreiras e de direita, e por outro lado, o movimento da classe trabalhadora está em ascensão e é capitaneado pelo PT, pela CUT e o MST, por exemplo, que foi fundado em 1984. E, ao mesmo tempo, o grande capital está impondo um retrocesso generalizado das políticas e da luta de classes em nível mundial.

Tudo isso vai culminar em 1988, com a Constituição no Brasil, para a composição da própria Assembleia Nacional Constituinte, que não era nada progressista e mesmo assim foi obrigada pelo movimento de massas a se constituir, a ser instituída como uma constituinte progressista; nas eleições de 1989 e 1990, e, no interior do partido, o abandono completo da perspectiva comunista, marxista-leninista e revolucionária. O PCB, então, naqueles moldes, dirigidos por aquela direção traidora que abandonou a perspectiva revolucionária, sofre um colapso junto com o colapso dos países do Leste Europeu. No entanto, há uma base no PCB que não vê dessa forma. Que participa, inclusive, desse ascenso da luta de classes.

São pessoas que não estão nas cúpulas do movimento sindical e do próprio partido e nem dos gabinetes de deputados e vereadores que o PCB tinha naquele momento, que estão nos sindicatos, pessoas que estão participando da luta cotidiana da classe trabalhadora que está em ascensão no Brasil. E essas pessoas vão questionar: “O que essa direção está fazendo? Isso não corresponde à verdade, a luta de classes não acabou, não é o fim da história”. Mas não é porque houve um processo de derrocada no Leste Europeu que o socialismo não é uma perspectiva. Então, essa base do partido se propõe a resistir e a reorganizar o PCB.

A gente tem que lembrar que, ao contrário de hoje, que nós temos várias formas de comunicação muito rápidas, hoje é muito fácil achar qualquer pessoa em qualquer lugar, naquele tempo não era. Não só porque como o PCB tinha vindo de um processo de clandestinidade muito duro, pouca gente conhecia o conjunto do partido no Brasil todo. Então, a nós que resistimos à liquidação do PCB, no começo, foi muito difícil reorganizar o partido, porque a gente não sabia quem militava e quem queria continuar militando em outros lugares, por conta da característica do nosso partido, de ter sido muito perseguido e ter um esquema de clandestinidade muito forte, e, por outro lado, também que os próprios meios de comunicação não eram tão “modernos” quanto hoje e eram muito caros. O máximo que a gente conseguia era fazer uma ligação telefônica de um estado para o outro e uma ligação interurbana era caríssima – e a gente não tinha dinheiro.

Nós não ficamos com estrutura, com dinheiro, com recursos, com nada. Mesmo assim, nós conseguimos fazer essa reconstrução revolucionária que tem significado não só a manutenção do PCB como partido e como legenda, legalmente constituída, que hoje pode disputar eleição inclusive, mas principalmente por reconstruir o programa político revolucionário para a classe trabalhadora, a partir de uma leitura, uma análise da realidade concreta, da realidade brasileira, das frações de classe, das contradições internas, enfim, do que é o Brasil e como e por que nós precisamos fazer a revolução no Brasil. Foi isso que nós fizemos nesses últimos 30 anos e continuamos fazendo, até a gente conseguir fazer a revolução.

Revista Badaró: O que você acha sobre a utilização do termo “colapso da União Soviética”? Você concorda que foi, de fato, um colapso, ou foi uma série de acontecimentos? Além disso, durante esses 30 anos, do fim da União Soviética até hoje, você avalia que nos últimos cinco, sete anos, há um crescente interesse no marxismo, no socialismo e nessa ideia da revolução, mais do que houve nas duas décadas anteriores?

Na verdade, essa análise sobre os acontecimentos da União Soviética, nós não temos uma posição fechada sobre isso. É um processo sempre de estudo, de verificação. Eu particularmente não vejo como um colapso momentâneo, vejo como um processo que vem de longa data, de não avançar com o que a gente acredita ser a construção do socialismo, que é a organização coletiva cada vez mais coletiva dos processos produtivos, sociais, culturais, econômicos e etc.

Então, a partir do momento em que, por diversas razões – não estou nem julgando aqui se isso aquilo era necessário ou não – passa a ter uma centralização muito forte sobre as decisões econômicas, políticas, etc. e um descolamento com relação a classe trabalhadora, quem está produzindo e a falta de correspondência entre essas duas instâncias, isso já começa a abrir fissuras na construção do socialismo e é próprio do capitalismo ter esse processo de alienação entre o processo de decisão e de execução no trabalho, por exemplo.

Então, qual é a diferença em ter um capitalismo instituído, em que a classe trabalhadora simplesmente tem que trabalhar de forma alienada, e o que ocorreu na União Soviética? Então, eu acho que é um processo longo, que merece uma análise, estudo bastante aprofundado, mas resumidamente, essa é a questão que eu coloco.

Com relação ao interesse não só ao marxismo, eu vejo sim, uma retomada do interesse do marxismo, mas acima de tudo, a retomada do interesse e da reação com relação ao comunismo. Porque muita gente logo que, aqui no Brasil, que a direita vai tomando forma e começa a bater de forma muito acentuada no comunismo, muita gente passou a falar com a gente assim: “Nossa, cuidado agora, vocês vão ser extintos, vocês vão ser mortos”. Não, isso é uma possibilidade, a gente é sempre bastante perseguido e morto quando o fascismo se instaura, mas por outro lado, eu já dizia isso há alguns anos.

A dialética nos ensina uma coisa: quando se fala muito de forma equivocada e até mentirosa sobre o comunismo, faz também surgir a curiosidade de muitos do que é o comunismo. Isso traz para a gente a oportunidade de dizer, de maneira clara, de maneira honesta, qual é a proposta comunista, o que é comunismo. É até mais fácil, às vezes – não que eu queira nenhuma situação de radicalidade – do que quando, por exemplo, a gente tem uma hegemonia reformista no pensamento, porque aí você não consegue brechas para colocar uma visão crítica radical porque o reformismo é como se desse conta, ou quisesse dar conta, de todas as questões e não desse espaço para nenhum questionamento.

Esse é um primeiro elemento. O segundo elemento da ascensão do interesse pelo comunismo, pelo marxismo e pela própria revolução, é o próprio colapso do capitalismo. É a realidade concreta . Então, hoje, quando sou entrevistada por diversos meios de comunicação de massa que perguntam e falam: “Ah, mas o comunismo não deu certo,o socialismo não deu certo”, eu falo: “Peraí, de onde nós estamos falando? Nós estamos falando de um modo de produção capitalista que absolutamente não deu certo mesmo”.

O que não deu certo é o capitalismo e, como está cada vez mais evidente que o capitalismo não deu certo, basta a gente assistir, por exemplo, ficção científica. Qualquer coisa de ficção científica. É sempre um futuro distópico catastrófico em que haja uma acentuação da diferenciação de classes sociais. É sempre uma classe que está totalmente submetida à mais terrível barbárie e uma classe dominante que é ali a plutocracia, a concentração brutal de todos os privilégios. Por que estou falando de ficção científica? Porque a arte, às vezes, é a capacidade de a gente imaginar o futuro. E o capitalismo é tão brutal que, na própria arte, ele está incapacitando os artistas de imaginar o futuro.

Todo futuro que os artistas conseguem imaginar é o passado. Tudo que se pode imaginar em termos de ficção científica para o futuro é uma reprodução piorada do passado. E tem aquela famosa frase: “Hoje a humanidade consegue imaginar o fim do mundo, o apocalipse, mas não o fim do capitalismo”. Então eu acho que isso, essa situação trágica em que nós vivemos, que é colocada pelo capitalismo, isso está evidente e surge ou faz com que um conjunto grande, principalmente da juventude, comece a observar algumas coisas que foram produzidas lá no século XIX que estavam dizendo: “olha, nós somos capazes de mudar isso e de produzir uma coisa diferente”. A gente não precisa só imaginar o fim do mundo ou um futuro distópico e terrível. A gente pode imaginar uma coisa boa, a gente pode pensar e imaginar coisas que sejam emancipadoras. Então eu acho que isso também faz com que o interesse pelo marxismo, pela revolução e pelo comunismo tenha ressurgido nos últimos anos. São esses dois elementos, talvez.

Um fator marcante nas eleições deste ano é essa aglutinação de diversos setores da política em torno do Lula. Como você avalia a necessidade de uma candidatura própria que apresenta pautas de mudanças estruturais em um momento em que grande parte da esquerda, até alguns setores mais radicais, considera apoio pragmático à chapa Lula-Alckmin logo no primeiro turno?

Eu até entendo, mas não posso concordar. Primeiro pelo seguinte: nós temos um processo eleitoral que é em dois turnos. Ele é em dois turnos justamente para permitir que as mais diversas posições políticas e programas político-eleitorais ou programas pro país possam ser debatidos e disputados na sociedade. Quando a gente resume o processo eleitoral a um turno só, tem que ganhar no primeiro turno a qualquer custo, nós eliminamos o debate programático. Então, por mais que cada candidato ou cada bloco de chapas façam as alianças que quiserem – porque cada um tem o direito de fazer as alianças e apoiar quem quiser – a grande questão que nós estamos fazendo nesse processo de campanha eleitoral é o seguinte: nós vamos votar para presidente em qual programa? O que você propõe? O seu candidato, a sua candidata, vai fazer o quê pelo Brasil? Esse debate está praticamente interrompido neste momento.

Nós sabemos que temos que derrotar Bolsonaro, estamos nesta luta muito antes, inclusive, do que setores que estão com a chapa do Lula… aliás, grandes parte dos setores da chapa do Lula ajudaram a eleger Bolsonaro e estavam apoiando Bolsonaro até ontem, mas alguns setores, por exemplo, o próprio PT e a CUT não saíram, não jogaram peso nas ruas para derrotar Bolsonaro quando a gente podia muito antes. Teria evitado inclusive muita morte e muita fome no Brasil, mas nós estávamos lá, nessa luta. Agora, nesse momento em que nós temos que pensar e colocar pra sociedade um debate político sobre um programa para o futuro, essa posição de resumir o processo eleitoral em apenas derrotar o Bolsonaro nas eleições é muito preocupante, porque não é só uma carta branca, um cheque em branco, para quem derrotar o Bolsonaro nesse processo eleitoral; é a própria não derrota do Bolsonaro ou do bolsonarismo, porque grande parte das forças que compunham esse bloco bolsonarista estão apoiando o presidente Lula.

Então nós vemos com muita tranquilidade a necessidade de fazermos essa disputa eleitoral, colocando um programa, criticando a despolitização desse processo, chamando inclusive as forças políticas para virem com a gente debater programa e pautando, isto que eu acho importante: pautando lutas concretas que não sejam só defensivas, sejam lutas ofensivas pra classe trabalhadora. Nós temos que sair daquele local em que nós estamos eternamente falando: “não à reforma previdenciária, não à reforma trabalhista, não à PEC do teto de gastos, não à reforma do ensino médio” e tudo isso tá vindo pra cima da gente. Quer dizer, nós estamos na defensiva, nós estamos numa posição que é muito confortável para a classe dominante, para a burguesia. É deixar a gente sempre encostado nas cordas e apanhando o tempo todo, sendo derrotado o tempo todo. O que nós estamos propondo agora é ir pra ofensiva. É lógico que nós pretendemos revogar a reforma trabalhista, as reformas previdenciárias, as privatizações, a Lei do Teto de Gastos, a Lei do Ensino Médio.

Tudo isso faz parte do nosso programa político-eleitoral, mas nós queremos outra coisa, nós queremos redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução salarial, nós queremos acabar com a terceirização no serviço público e concurso público, já! Ampliação dos concursos públicos. Nós queremos o fim da política de austeridade fiscal, colocar estas questões é colocar a burguesia nas cordas, porque agora é ela que vai ter que dizer não, é ela que vai ter que se proteger, é ela que tem que ficar na defensiva. E o mais interessante de tudo é que, quando a gente coloca essas pautas no debate, nós mobilizamos um conjunto da classe trabalhadora que não está organizada, que foi apassivada, que está desacreditada e que eventualmente até votou no Bolsonaro, mas que vê ali um motivo pelo qual eu tenho que sair às ruas. Eu tenho que sair às ruas não por uma defesa abstrata da democracia, não por uma defesa abstrata de um Estado de Direito, eu tenho que sair às ruas porque eu preciso viver, e pra viver eu tenho que reduzir a minha jornada de trabalho. Eu preciso sair às ruas porque eu preciso de um SUS, e para ter o SUS, tem que ter concurso público para os profissionais do SUS. Então, esse momento é importante por isso.

Dentro do pacto de conciliação de classes, uma das críticas existentes tanto aos governos Lula quanto aos governos Dilma, vem justamente no sentido de um presidencialismo de coalizão e muitas vezes a retórica de que não conseguiu governar, não pôde aprovar tal pauta… E quando você propõe uma série de pautas radicais, no sentido de ir à raiz de certos problemas estruturais, como você vê essa questão de em uma eventual vitória, de bater com um legislativo que é composto por camadas reacionárias? Por exemplo, a gente vê em outros casos – obviamente que cada realidade histórico-concreta tem as suas determinações –, quando o Allende ganhou, ele governava por decreto e conseguia passar certas pautas, mas existem possibilidades de chamar as pessoas para a rua. Eu gostaria que você comentasse um pouco das táticas e das estratégias, que eu sei que o programa apresenta, que busca fugir dessa retórica de “não aprovou, não deu”.

Certo, veja bem, quando você encabeça um programa político de uma classe especificamente, você não pode jogar o jogo no terreno do inimigo. Fazer o jogo no terreno da conciliação com o legislativo, ou como eu digo, no balcão de negócios do Congresso Nacional, é perder a partida de saída. De saída, você já perdeu a partida. Então, ou você não está comprometido com os interesses da classe trabalhadora de fato, ou você tá completamente enganado e não aprendeu com a própria história que não é aí que a gente ganha o jogo. Não tô nem dizendo ganhar, né. Eu tô dizendo avançar as nossas peças no tabuleiro. E por que que eu tô dizendo isso? Porque aquele ascenso da luta de classes que eu falei nos anos 1980, que inclusive deu origem ao PT e à CUT, foi esse ascenso que obrigou o Congresso Nacional e a Assembleia Nacional Constituinte a colocar, na Constituição, o SUS como uma política universal de saúde.

Foi aquele ascenso que obrigou a colocar na Constituição uma série de direitos econômicos, sociais, políticos e não foi numa negociação no Congresso. Porque o Congresso na época tinha no máximo, eu não me lembro direito, mas uns seis ou sete deputados constituintes do PT, acho que uns três do PCB e mais quatro ou cinco tradicionais trabalhistas, brizolistas, de fato de esquerda. O resto era de centro-direita, era mais ou menos a mesma coisa que a gente tem hoje. Na verdade, hoje a gente teria até mais força porque a gente tem talvez uns 100 e poderíamos contar com eles, porque se dizem comprometidos com a classe trabalhadora.

Então, veja, se nós estávamos pensando em ter uma constituição com a representação na Assembleia Nacional Constituinte, era mais fácil esperar uma constituição fascista e não essa, chamada de Constituição Cidadã. Então a história nos ensina que se nós temos uma classe trabalhadora organizada, consciente dos seus interesses, mobilizada e independente, com independência e autonomia de governos, a gente consegue ampliar os direitos e consegue avançar nessa luta política por um programa que nós estamos colocando, que é um programa tático. Agora, é evidente que isso não é um programa estratégico e nem a estratégia da revolução.

Aí, a gente precisa ter não só uma classe trabalhadora organizada, mobilizada e pressionando as mobilizações, como a gente tem que constituir o que nós chamamos de poder popular, que é uma estrutura de poder paralelo, pra se conformar uma dualidade de poder que coloque em xeque o poder da burguesia sobre o Estado. Você falou do processo do Allende. Por mais que tenha governado por decreto, ele tinha uma mobilização da classe trabalhadora, ele tinha uma organização da classe trabalhadora. Tanto que ele não foi derrotado no Congresso chileno, não foi derrotado nas eleições. Ele sofreu um golpe militar financiado pelos Estados Unidos, patrocinado pelos Estados Unidos.

Então, eu penso que a gente não pode colocar o governo chileno como exemplo de por que temos que ceder espaço no Congresso Nacional. O Allende não foi derrotado pelo Congresso, ele avançou tanto naquilo que se propôs – e com uma classe trabalhadora organizada – que eles tiveram que sofrer uma derrota militar, que custou as vidas de mais de 30 mil pessoas. Aquilo foi uma guerra civil, num processo revolucionário, em que nós perdemos. Mas faz parte da história, às vezes a gente ganha, às vezes perde. É como se os bolcheviques tivessem perdido a guerra civil que ocorreu logo após a tomada do poder, em 1917. Por sorte, os bolcheviques venceram a guerra civil. Na Comuna de Paris, os communards perderam também, foram milhares de mortos.

Quando a social-democracia rebaixada ou esse projeto de conciliação de classes coloca, para a classe trabalhadora, que a única arena possível de se fazer a disputa é a do inimigo, ela já está derrotada. E não é nessa arena que nós nos estamos propondo a governar. E estamos disputando para ganhar a eleição. Não é que estamos disputando aqui por proselitismo ou por propaganda política, porque na nossa arena, a gente tem vitórias também. Por exemplo, neste ano mesmo, os povos indígenas conseguiram frear o julgamento do Marco Temporal. E não foi uma negociação no Congresso Nacional, nem no Judiciário. Foi com uma imensa mobilização de indígenas armados, na Esplanada dos Ministérios, dizendo: “não vamos admitir Marco Temporal, nem que precisemos ir para guerra”. E eles estavam ali armados e pintados para guerra.

O Marco Temporal, então, não foi aprovado. Então, nós temos que nos inspirar nessas práticas e mostrar como é que vai ser nosso governo. Essas pautas que estamos colocando agora, como parte do nosso programa, vão ser aprovadas com a classe trabalhadora armada e preparada para a guerra, para que isso seja implementado.

Muitos grupos de centro-esquerda, até jovens, ficam muito nesse discurso de que a gente não consegue governar, então pensar na força da mobilização dos movimentos sociais da classe trabalhadora é extremamente interessante para pensar na democratização do Estado. A possível superação, mas antes pensar em instâncias mais democráticas. Além da sua candidatura, há outra que também é marxista, a da Unidade Popular. Gostaria que você pontuasse as principais diferenças no programa, e que comentasse se houve um diálogo sobre uma candidatura conjunta ou se isso nunca foi um debate.

Houve sim, temos muita proximidade, nossos programas têm muita similaridade. Temos muito apreço, muita amizade pelas candidaturas da UP. Pelo Léo Péricles, estivemos juntos nos lançamentos mútuos das nossas pré-candidaturas e candidaturas, mas avaliamos, de nossa parte, que neste momento histórico seria mais interessante nós termos duas candidaturas, que falem com muito mais gente, que possam organizar muito mais trabalhadoras e trabalhadores, do que centralizar isso numa figura só.

Porque o momento eleitoral é o momento em que a classe trabalhadora está mais aberta a discutir política. Tanto nós como a UP não temos recursos, não temos dinheiro, temos um bloqueio da mídia hegemônica, não temos tempo de televisão. Portanto, nós temos uma dificuldade muito grande de acessar um conjunto mais amplo da classe trabalhadora. E por isso, nós não vemos problema em fazer isso com duas candidaturas, que têm programas muito parecidos, porque nós estamos falando com mais gente.

Muita gente cobra: “ah, por que a esquerda não se une?”. Gente, a esquerda está unida! A esquerda revolucionária está unida, nós estamos nas ruas e nas brigas juntos, o tempo todo. Nós disputamos os sindicatos muitas vezes nas mesmas chapas, os DCEs nas mesmas chapas, construímos as mobilizações em conjunto. Agora, neste momento, não é uma contradição, ou uma questão de divergências profundas – como temos com outras forças políticas – estarmos separados. Muito pelo contrário, acreditamos que, dessa forma, falamos com mais gente. Se fosse só eu a candidata, com apoio da UP, ou só o Léo com apoio do PCB, teríamos menos espaço ainda do que nós já temos.

Vamos ler uma pergunta enviada pelos militantes do PCB aqui do MS: No discurso hegemônico, o agronegócio é vendido como pilar fundamental e indiscutível da economia, enquanto se oculta os danos causados por esse modelo. Em Mato Grosso do Sul, estado símbolo do poder político e econômico do agronegócio, o debate da terra para quem realmente trabalha nela se faz central. Qual sua concepção sobre os caminhos para enfrentar a concentração fundiária e a especialização produtiva?

Se eu puder fazer uma propagandinha, no lançamento da nossa candidatura na USP, eu fiz uma intervenção bastante longa sobre o papel do agronegócio, começando por dizer o seguinte: “agro, a indústria da pobreza do Brasil”. Eu acho que é essa a frase que a gente tem que estampar em nossas camisetas.

O agronegócio não é só danoso pro meio ambiente e para as relações de trabalho, mas em todos os sentidos: ele é o responsável pela desindustrialização do país, pela política macroeconômica do país; ele pouco contribui ou contribui quase nada com a tributação, porque o ITR (Imposto Territorial Rural), pago por todas as propriedades rurais do país inteiro, corresponde ao IPTU da cidade de São Paulo; então o agro não é taxado, não paga ICMS para exportar, e isso faz com que os estados que são muito fortes no agro têm baixa arrecadação fiscal por causa disso – na verdade eles só não têm uma menor porque o governo federal compensa com transferência de recursos – e mais, o agro é danoso pra política, porque ele domina o Congresso Nacional; a ciência e tecnologia, em vez de estarmos pesquisando o sistema de agroflorestas, orgânicos, a gente está pesquisando venenos, transgênicos, herbicidas, esses produtos tóxicos.

O agro é responsável pelo crime, porque quando se mata um indígena em Amambai, ou quando se assassina ou se tenta expulsar de suas terras originárias os pataxó, no Sul da Bahia, quem promove isso é o agro. Não é o pistoleiro que está ali na ponta. O agro é responsável pela destruição cultural. O que nós temos hoje dessa produção cultural, dessa mercadoria de baixíssima qualidade, é responsabilidade financiada pelo agronegócio, que impede inclusive que as expressões genuínas e autênticas de nosso povo na música seja incentivada, produzida e disseminada no país.

Então o agronegócio é um dos setores centrais da nossa campanha e nós defendemos que qualquer tipo de política macroeconômica, de ciência e tecnologia, cultural ou mesmo de combate à violência, tem que passar pelo enfrentamento radical ao agronegócio. Por isso, nós defendemos uma série de medidas. Desde uma reforma agrária popular que tome as terras do agronegócio, que foram terras griladas, invadidas, todas essas terras que não os pertencem e que estão sendo expandidas dessa forma.

Mas mais do que isso, a demarcação imediata das terras indígenas reivindicadas como originárias e não somente a partir do Marco Temporal; a instituição de parques de preservação nacional em regiões necessárias para preservação de nascentes de água, de recuperação de regiões, não necessariamente no bioma amazônico, mas em todos os biomas que estão sendo devastados pelo agronegócio.

Nomeadamente o Cerrado, mas também a Caatinga, a Mata de Cocais no norte do Maranhão, a Mata Atlântica, mas além disso, uma reversão da política econômica para que o agronegócio pague imposto, seja tributado, para que haja uma diversificação na produção de alimentos, com o estado comprando alimentos da produção da agricultura familiar, para a produção de alimentos para o sistema hospitalar, escolar e para a construção de restaurantes populares que retirem, das tarefas femininas, a tarefa reprodutiva de fazer comida todos os dias. Então, nós temos um programa bem estruturado que não é só de mudar a matriz econômica ou de reindustrializar o país, mas de mudar o papel desta classe, desse setor da classe dominante – que é o setor do agronegócio – e colocá-lo em posição defensiva.

E aí, puxando um gancho sobre a questão da cultura, há uma fala do Gilberto Gil, que até se popularizou nesses tempos na internet, em que ele fala sobre como a cultura deveria ser uma necessidade básica, assim como o feijão e arroz. O Ministério da Cultura, após 33 anos de existência, foi extinto no primeiro dia do governo de Jair Bolsonaro. Qual a sua proposta para o incentivo e democratização da cultura?

Primeiro, dizer que todo governo fascista precisa matar aquilo que é a expressão mais humana de todos nós, que é a arte, a cultura. Porque o fascismo precisa nos animalizar, ele precisa nos desumanizar para nos governar. Então ele tem que matar nossa cultura, nossa ciência, o saber, e nos colocar na situação de seres irracionais, seguidores – como manadas – de seitas e coisas desse tipo.

Então é muito fácil entender por que Bolsonaro extingue não só o Ministério da Cultura, mas por exemplo, retira tanto recurso da ciência e tecnologia, das universidades, da educação em geral. Por outro lado, nosso programa prevê um financiamento público com recursos suficientes na ordem de 1% do orçamento – porque hoje a cultura é 0,001% – para a cultura, no entanto, com uma estrutura de democratização como você diz, para que esses recursos públicos não sejam direcionados apenas à indústria cultural como eram os moldes da Lei Rouanet. Porque para um projeto cultural autêntico, comunitário, da classe trabalhadora acessar o recurso da Lei Rouanet, era uma dificuldade tão grande que só grandes escritórios especializados – e que já faziam parte da indústria cultural – conseguiam acessar esses recursos.

Então, como é que se faz isso, né? Com políticas públicas que identifiquem nos territórios as manifestações culturais próprias da classe trabalhadora, da juventude trabalhadora, e incentiva a partir dali essa produção cultural, e não como muitas vezes foi feito, inclusive em governo petista, ao nível municipal, que é pegar o recurso, por exemplo, de uma secretária de cultura municipal e dar esse recurso… entender que incentivar a cultura é dar à população pobre dinheiro para consumir cultura.

Isso foi muito triste, por exemplo, em São Paulo, quando se viu que se pegou dinheiro da Secretaria Municipal de Cultura e ao invés de fomentar a produção cultural na periferia, transferia esse dinheiro para ONGs ou determinadas organizações – muitas vezes não estatais, de direito privado – para que essas ONGs organizassem excursões da periferia para os shoppings centers, para que as crianças pudessem assistir blockbuster hollywoodianos de baixíssima qualidade. Isso não é uma política cultural. Isso é uma política de consumo de uma mercadoria de baixo nível, de baixa qualidade.

Então, o nosso programa é um programa que coloque recursos na produção autêntica das populações, da juventude trabalhadora, para produzir cultura. A forma como essa cultura será disseminada, massificada, também é papel do Estado para que ela não seja mercantilizada. Para que ela tenha um acesso universal de todas e todos, que ela possa ouvir um hip-hop em um determinado lugar; uma música produzida por uma comunidade indígena de Amambai; um frevo produzido por uma comunidade pernambucana. Enfim, as formas autênticas próprias deste momento histórico na produção cultural com um financiamento público adequado.

Sofia, a gente estava falando de cultura; e os aparatos estéticos e comunicacionais no capitalismo estão na mão da burguesia. Isso é um fato. Um dos debates que sempre entra em questão quando falamos disso, ainda mais contemporaneamente, com a questão da “plataformização” – e a gente está sempre buscando operar em plataformas que não são nossas, como Google e YouTube –, mas também pensando nos grandes conglomerados de mídia, qual é a visão que o seu programa tem em relação à democratização dos meios de comunicação e essa conglomeração midiática?

Essa é uma questão histórica das forças democráticas, principalmente quando estamos falando de rádio e televisão e também podemos estender isso para a internet. São concessões públicas, são espaços públicos concedidos à iniciativa privada e que, portanto, devem ter uma função social.

Neste sentido, o nosso programa – como é um programa que já é bastante antigo na esquerda, não só na esquerda revolucionária, mas também na esquerda democrática – o processo de democratização da mídia é importantíssimo e vital para desbloquear, inclusive, o próprio debate político, bloqueado pelo capital e pela grande mídia. E isso não é censura ou restrição à liberdade de imprensa. Muito pelo contrário, quem censura e faz restrição à liberdade são, hoje, os grandes conglomerados de mídia. Então, no nosso governo, nós iremos operar um programa de democratização com o controle dos trabalhadores. E a partir do Estado, das concessões públicas de rádio, TV e dos espaços digitais, que também fazem parte do espaço público.

Recentemente, temos visto mobilizações em resposta ao discurso golpista de Bolsonaro que não vão além da defesa do chamado Estado democrático de Direito e incluem também setores à direita, como o caso da Carta aos Brasileiros, que chama de “mestre de todos nós” o integralista Goffredo Telles da Silva. Gostaria que você comentasse sobre os limites desses movimentos e os caminhos para superar a defesa da democracia burguesa.

Veja só, superar a democracia burguesa é construir a democracia popular, a democracia da classe. É reorganizar a classe trabalhadora no poder popular. É assim que a gente de fato supera a democracia burguesa. No entanto, vivemos um momento em que nós estamos com amplas possibilidades de futuro imediato. Nós podemos ver um processo de rápida ascensão da organização da classe trabalhadora e ao ascenso do movimento de massas, nós podemos ver uma reedição da conciliação de classe no molde ainda mais rebaixado que tivemos de 2003 a 2014 ou nós podemos ter um processo de golpe. Então, temos que trabalhar também com três cenários possíveis e nos proteger dentro dos limites máximos que conseguimos de extensão, inclusive da democracia burguesa. Não é interesse da classe trabalhadora e de quem quer que seja, que esteja politicamente lutando por ela, um fechamento democrático no país. Não pode ser interesse, porque qualquer golpe ou qualquer restrição às liberdades democráticas burguesas no país é uma derrota de décadas para o pequeno avanço que a classe trabalhadora pode ter. Portanto, nós não somos aliados de setores liberais burgueses na defesa da democracia institucional, mas nós na defesa desse espaço, temos que aceitar que eles sejam nossos aliados. E não nós sermos os aliados deles.

Muito se fala sobre superar o Bolsonaro como se essa vitória nas urnas bastasse. Eu queria entender qual a sua visão, para além do que já foi dito, de como superar o bolsonarismo. Reconhecendo que não será uma tarefa fácil, considerando o estrago brutal feito durante seu mandato. E entender, também, esse estrago como uma consequência do neoliberalismo que não se inicia no governo de Jair Bolsonaro – às vezes falam como se os governos petistas tivessem sido um paraíso na terra. Às vezes parecem esquecer que os mandatos do PT foram mandatos de conciliação de classe. O Lula, em diversos momentos, se vende como o presidente que mais agradou os banqueiros e período em que os bancos mais lucraram. Para além de superar Jair Bolsonaro nas urnas, como superar o bolsonarismo política e economicamente?

O bolsonarismo e o Bolsonaro não é um raio em céu azul. Ele é uma construção, que vem de antes. O neoliberalismo está no Brasil desde a década de 1990 e não foi interrompido durante o governo Lula. Pelo contrário, foram implementadas diversas políticas que contribuíram ainda mais para a consolidação do neoliberalismo. Para superar o Bolsonaro e o bolsonarismo, é necessário entender quais são as frações burguesas que sustentam tanto o neoliberalismo quanto Bolsonaro e o bolsonarismo.

São duas as frações burguesas: uma é o agronegócio e a outra é o mercado financeiro. Então, para superarmos Bolsonaro e o bolsonarismo teremos que enfrentar essas duas frações. Qualquer candidato que não abrir mão do apoio e adesão do agronegócio e do mercado financeiro, ele não terá condições de enfrentar o fascismo que se instala no Brasil. Ele irá trabalhar apenas para ter um presidente ou um corpo de ministro que sabe comer com garfo e faca, e que não envergonhe tanto o país internacionalmente.

Contudo, irá no máximo fazer alguns anteparos marginais naquilo que é muito horroroso no nosso país, mas não irá estancar o problema de fundo. Além disso, um governo desse molde também serve para apaziguar a própria luta de classes. A continuidade de um governo bolsonarista pode levar a uma explosão social descontrolada. Sem controle, sem comando. O que se faz então? Coloca-se um governo que consiga frear esse descontrole, mas que não mude estrategicamente de direção na condução dos interesses das frações de classe dominante. Como se faz, então, para superar isso? Enfrentando essas frações e colocando para a classe trabalhadora quais são as bandeiras de luta imediata para enfrentar.

Como se enfrenta o desemprego no Brasil? Com a redução da jornada de trabalhadora para 30 horas semanais sem a redução salarial. Como se enfrenta a fome no Brasil? Com reforma agrária. Como enfrentaremos a precarização do SUS e da educação no país? Com concurso público. Agora se a gente não coloca essas questões na boca do povo e faça o povo se empolgar e se organizar, e fica com medo de desagradar, ou melhor, escolhe a arena de luta – que é a arena de luta da classe dominante, nós vamos produzir um novo bolsonarismo mais rápido do que a gente imagina.

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