A herança das experiências socialistas do século XX e a luta de classes nos dias de hoje

A crise expôs ainda mais as feridas do neoliberalismo, do desemprego e da exclusão social, do desmonte dos Estados, dos sistemas públicos de Saúde, de Educação, de Previdência, da retirada de direitos dos trabalhadores, da precarização das condições de trabalho. Comprovou-se mais uma vez que o capitalismo não é capaz de oferecer boas condições de vida para a maioria da população, e a ameaça de débâcle ambiental deixa a cada dia mais claro que este sistema já ameaça a continuidade da própria vida no planeta.

Neste contexto, a questão da luta pelo socialismo voltou a ocupar um papel de destaque no bojo dos movimentos políticos e sociais da classe trabalhadora, nas agendas dos partidos e organizações políticas que lutam pela superação do capitalismo e nas formulações teóricas sobre o devir da sociedade contemporânea: passados mais de 20 anos do anúncio da demolição do Muro de Berlim, faz-se necessário um balanço das experiências histórico-concretas de construção do socialismo na URSS, no Leste europeu e nos países que, ainda hoje, se reivindicam socialistas, como a China, Cuba e o Vietnã, além, é claro, da análise das experiências de contraposição ao capitalismo e às políticas neoliberais em curso – a exemplo do que vem ocorrendo na Venezuela, Bolívia, Equador e outros países, e das diversas experiências de lutas sociais neste campo, em todos os países, para a elaboração de uma proposta de construção do Socialismo no século XXI, com a superação revolucionária do capitalismo, coerente com as condições históricas dos dias atuais.

As questões a responder são muitas: por que não se formou, naqueles países, naquele período histórico, uma hegemonia política e cultural socialista (e comunista) sólida capaz de desenvolver e aprofundar o ideário socialista e comunista e de sustentar a continuidade da construção socialista no momento da crise que levou o sistema à queda, na URSS e no Leste europeu? Houve avanços significativos, conquistas de fato da classe trabalhadora? Que elementos daquelas experiências podem ser utilizados como base teórica e prática para as próximas tentativas de superação revolucionária do capitalismo? Até que ponto as condições de origem, a trajetória histórica e o cerco ideológico, econômico e militar dos países capitalistas desenvolvidos – em especial no período da “Guerra Fria” – contribuíram para a derrota política daquelas construções socialistas? Como se pode analisar a experiência presente de países como Cuba, China e Vietnã, enquanto contribuições para a construção de novas experiências socialistas? A caracterização das experiências da URSS e dos países do Leste como socialistas pode ser afirmada pelo exercício do poder por representações da classe trabalhadora, pela inexistência da compra e venda da força de trabalho como produto privado, pelo fato de que a conquista do poder foi realizada por meio de revoluções ou por grandes mobilizações populares, pela predominância de estruturas de propriedade coletiva – cooperativa ou estatal – e de planejamento econômico centralizado e pela presença de fortes políticas sociais universalizantes e distributivistas.

Entre as dificuldades do processo estão as origens históricas e a herança do período anterior à Revolução Russa e à criação das democracias populares no Leste Europeu, a exemplo da Rússia, país eminentemente agrário e semifeudal à época da Revolução, com numerosos contingentes populacionais vivendo na miséria, após séculos de uma estrutura de poder autocrático de caráter religioso.

Além disso, o novo poder revolucionário teria que enfrentar logo de início a agressão armada de inimigos externos e internos, uma guerra deixaria parte significativa da capacidade produtiva destruída. Igualmente precárias e miseráveis eram as condições iniciais das populações do Leste Europeu.

O desenvolvimento da URSS passou por fases distintas: a introdução da Nova Política Econômica – a NEP, iniciada em 1923, como uma forma de facilitar a retomada da produção industrial, de reorganização da economia destroçada pela guerra, contando com quadros profissionais. Neste arranjo, empresas privadas, mistas e cooperativas industriais e agrícolas conviviam com empresas estatais – na indústria e no campo – e com a estrutura de Planejamento Central que se fortaleceria ao longo daquela década. Neste período, discussões e debates extremamente ricos permeariam todo o processo de definição e consolidação das estruturas do poder soviético, acompanhando passo a passo a reconstrução do país, a reorganização da economia e trazendo à tona, principalmente, as questões de fundo quanto aos rumos e características da construção do Socialismo, divididas estas, basicamente, entre a defesa do gradualismo na passagem de estruturas mistas de propriedade produtiva agrária e industrial para o modelo estatal / coletivo e a industrialização acelerada, com a respectiva adequação dos mecanismos de planejamento e de exercício do poder.

A definição da estratégia era o centro do debate sobre a possibilidade de construção do socialismo em um só país, mantida a perspectiva de expansão mundial da revolução socialista. Como pano de fundo havia o descenso do processo revolucionário no mundo, o potencial de desenvolvimento socialista da URSS e a necessidade de prover-se a defesa contra a ameaça nazifascista em ascensão na Europa.

O processo de industrialização acelerada, adotado em 1927/28, teve por base a transferência de renda da agricultura para a indústria – vista como a base para o desenvolvimento – e foi acompanhado pela coletivização “forçada” do campo, iniciada nos primeiros anos da década de 30. Este caminho, que se provaria exitoso na vitória sobre o nazifascismo e na realização do objetivo da base industrial para o desenvolvimento do país, deixaria marcas profundas, dada a violência presente nas ações e a “queima” de passos importantes na superação do conflito e das diferenças entre cidade e campo. A guerra deixaria pesadas cargas para a URSS, com destaque para a devastação do território e para os 20 milhões de soviéticos mortos, incluindo-se, neste número, praticamente, toda a juventude e grande parte dos melhores quadros do Partido Comunista. Com o fim da guerra, no entanto, vieram a afirmação do Socialismo, um grande prestígio internacional para a URSS e a expansão do campo socialista.

Ao Bloco Socialista se juntaria, após a Revolução de 1949, a China. O processo da Revolução Chinesa experimentou uma longa e intensa luta armada contra o invasor japonês e, logo após a vitória sobre o inimigo externo, uma guerra civil revolucionária travada entre os comunistas, liderados então por Mao Tsé-Tung e o movimento nacionalista (Kuomitang) de Chiang Kai Shek – dois grupamentos antes aliados na luta contra o inimigo externo – que culminaria com a vitória dos primeiros. A China apresentava, naquele momento, além da intensa penúria geral do povo, uma estrutura de produção basicamente agrária, uma imensa população, condições de desenvolvimento desigual entre o litoral e o interior, e contava com poucos quadros técnicos. Pesava sobremaneira, no país, a carga da longa dominação por potências colonialistas. Um processo de cooperação com a URSS logo se iniciaria, entretanto, no bojo da constituição do campo socialista.

Cuba (1959) e Vietnã (1975) seriam as vitórias seguintes do Socialismo (além da Coréia, em 1956). Sua construção, naqueles países, seria iniciada a partir, também, de condições de pobreza. O apoio político da URSS e dos demais países socialistas – já então com um alto grau de desenvolvimento econômico e social, no entanto, já se traduzia em possibilidades reais de ajuda material e logística de monta.

O desenvolvimento econômico da União Soviética e dos países do Leste europeu se daria, nas décadas imediatamente posteriores ao término da Segunda Guerra, de forma constante e intensa. Já em meados dos anos 50, a URSS e os demais países socialistas europeus estariam reconstruídos, com os problemas mais candentes de suas populações – como a fome, o desabrigo e o desemprego – resolvidos. Ao longo das décadas seguintes, o Bloco Socialista europeu atingiria patamares de desenvolvimento elevados, mesmo tendo partido de condições iniciais precárias, com níveis de educação e saúde – de acesso universal e gratuito – comparáveis ou mesmo superiores aos países capitalistas mais desenvolvidos, com sistemas de seguridade social extremamente avançados, provendo pensões, aposentadorias, seguros e garantias diversas para o conjunto da população. Havia ainda um padrão de consumo superior aos níveis encontrados nos países capitalistas em desenvolvimento, com o pleno emprego, intensa vida cultural (era extensa a rede de museus, cinemas, teatros e casas de cultura – sendo incentivadas todas as atividades correlatas), científica e esportiva.

Alguns números podem deixar mais evidente o caráter universalizante e distributivo, além do nível das garantias sociais: o desemprego foi eliminado, a diferença entre o maior e o menor salário era de no máximo 5 vezes, em geral; o número de aparelhos de rádios e tvs, geladeiras, fogões e outros bens de consumo duráveis equivalia, já nos anos 60, ao número de domicílios; eram garantidos, em média, 2 anos de licença maternidade e de 7 a 10% dos salários para a compra ou aluguel da casa própria, em condições dignas de habitação, assim como alimentos e transporte públicos a baixo preço, 9 anos de escolaridade mínima para todos, acesso universal ao esporte, à cultura organizada, ao lazer. Universidades e instituições de ensino superior se multiplicaram, oferecendo formação de alta qualidade e numerosos cursos de aperfeiçoamento e enriquecimento cultural; livrarias e editoras seguiriam o mesmo caminho, disponibilizando livros e materiais diversos a baixo preço para toda a população.

A participação dos trabalhadores era estendida aos sindicatos e organizações de massa, que discutiam e opinavam sobre os grandes temas a serem deliberados pelos Parlamentos. As eleições, em geral, se realizavam no sistema distrital, podendo ser apresentados candidatos lançados pelos partidos (Hungria, Polônia e Alemanha Oriental tinham mais de um partido), sindicatos e organizações de massa.

Muitos problemas e limitações quanto à produção e à distribuição de bens surgiriam, no entanto, em todo o sistema. É conhecido o problema da pouca variedade, baixas disponibilidade e qualidade dos bens de consumo duráveis e mesmo dos não duráveis à venda, da baixa qualidade de diversos setores de serviços, como restaurantes, lojas de varejo, serviços e outros. Também são reconhecidos os problemas advindos da estrutura de planejamento centralizado, em geral, como a tendência ao desperdício por parte das empresas, aos desequilíbrios entre oferta e demanda, à morosidade na introdução de novos produtos e processos na produção, à prática de realização de níveis elevados de investimento na produção em detrimento do consumo.

O contexto da Guerra Fria, de confronto com o bloco capitalista liderado pelos EUA, imporia à URSS e aos países socialistas elevados gastos militares para a construção, desenvolvimento e manutenção dos arsenais militares, para o treinamento e custeio das tropas. Gastar com armas significava não gastar com o consumo social, não investir na modernização da indústria e dos serviços.

Este contexto geraria pressões externas, exigiria o fechamento de fronteiras e o rigor na segurança interna, provocando descontentamentos e desgastes internos para os governos comunistas.

Ao mesmo tempo, entretanto, o poder militar da URSS e dos demais países do Bloco Socialista, aliado à sua grande dimensão econômica e à sua forte influência política, garantia para todo o mundo uma ordem econômica e política mais justa, mantinha protegidos diversos países que, assim, puderam desenvolver-se soberanamente. China, Cuba, Vietnã, Angola, Moçambique e muitos outros países foram beneficiários diretos deste poder; todo o terceiro mundo teria muito a ganhar pela presença da URSS no cenário mundial, com reflexos nos organismos multilaterais e mesmo nos países capitalistas desenvolvidos, cujos trabalhadores podiam melhor se organizar para exigir do patronato capitalista melhores pagamentos e condições de vida e trabalho, para conquistarem mais direitos e mais participação na vida política de seus países.

Com o tempo, o efeito do próprio desenvolvimento e a burocratização do exercício do poder passaram a ser elementos cada vez mais fortes na vida política dos países do bloco. A perda do dinamismo e queda na participação política dos trabalhadores naqueles países pode ser atribuída à rigidez das estruturas de poder – uma herança do esforço de guerra – e ao próprio processo de desenvolvimento que, ao superar debilidades e carências sociais, tende a arrefecer, por si mesmo, o ímpeto de participação na vida política.

Outras causas podem ser apontadas para a queda, como a visão e a teorização da dinâmica da luta de classes, do desenvolvimento do capitalismo e da construção do socialismo surgidas ainda nos anos 30, que se consolidariam nas décadas seguintes, através da codificação simplificadora, pelo PCUS, do marxismo e da teoria revolucionária, materializada em manuais de marxismo- leninismo.

No capítulo IV da História do PCUS, um trabalho realizado coletivamente e coordenado por Stálin, estão muitos dos elementos que delineariam esta codificação do pensamento marxista: a definição da necessidade de recrutamento de quadros com base no critério de confiança pessoal e da fé depositada no Partido e no socialismo; a definição do Partido como o centro condutor do processo de transformação social e a imbricação direta e necessária entre o Partido e o Estado; e a atribuição do papel de “correias de transmissão” do Partido aos sindicatos e organizações de massa. A simplificação grosseiramente mecanicista do Materialismo Histórico e Dialético pode ser exemplificada pela alusão à precisão e à previsibilidade dos processos sociais como comparáveis à biologia e às ciências exatas.

Estes elementos seriam a base da burocratização e do afastamento entre o Partido e a massa trabalhadora, com a perda progressiva do papel de sujeito político do Partido e sua transformação em máquina administrativa. Criaram-se então as bases, igualmente, para as enormes distorções no aparelho de Estado e para o aniquilamento da função combativa e reinvindicatória dos sindicatos, com a perda de sua autonomia, e para o estancamento do processo de fortalecimento do Poder Popular.

A opção pela industrialização extensiva, em grandes empresas, foi uma decisão historicamente correta. No entanto, a filosofia de gestão da produção, administrada com elementos do pensamento taylorista-fordista na versão local – com base na divisão do trabalho, na separação entre planejamento e execução das tarefas, em supervisores que detinham o poder de comando – está, certamente, entre as causas mais profundas da deterioração do sistema. A ausência de participação direta no processo decisório nas empresas, aliada ao próprio estilo tecnicista do planejamento soviético, que, em geral, não envolvia as representações regionais ou setoriais dos trabalhadores de forma efetiva, geraram, com certeza, condições de alheamento e distanciamento da classe trabalhadora do processo de construção socialista.

Nas experiências de construção do Socialismo em Cuba, na China, no Vietnã e na Coréia do Norte há elementos novos que devem ser considerados. No caso do Vietnã, a construção socialista se dá com políticas que incorporam estruturas privadas na produção, em grau bastante inferior ao da China, e dinâmicas de participação política fortes; no caso de Cuba, em que pese a discussão sobre a decisão de postergar-se a industrialização e a autonomia econômica em prol do alinhamento com a URSS, há que destacar-se a prioridade das políticas de bem- estar universalizantes, a estrutura dinâmica e participativa do Partido Comunista Cubano e das organizações de massa, o forte trabalho ideológico, a habilidade na gestão do planejamento econômico – por exemplo, com o uso simultâneo de estruturas distributivas para bens de consumo duráveis e não duráveis centralizadas, em regime de quotas, e sistemas de venda a preço livre (acima da quota mínima por pessoa), e no convívio atual com as pressões de mercado.

O caso da China, que da vitória dos comunistas na guerra civil até 1978 trilhou um caminho ziguezagueante – alternando-se, no poder, as vertentes “vermelha” ou ideológica e a vertente “pragmática” ou técnica – são elementos da construção do “Socialismo com características chinesas” que devem ser levados em conta: a experiência das comunas, das conferências consultivas, organismos que reúnem todos os partidos e organizações políticas nacionais para debater as grandes propostas políticas a serem enviadas ao Parlamento; o controle político direto sobre as unidades produtivas, pelas comunas ainda hoje existentes; a participação das regiões com mais destaque no sistema de planejamento (de caráter participativo, em geral); o planejamento em linha (vertical) por ramos de produção, com controle centralizado de variáveis-chave nacionais; a existência de microempresas e empresas individuais (como as chamadas empresas de rua) sob controle político direto, pelas comunas; as relações diretas entre empresas públicas produtoras e fornecedoras (nas chamadas conferências de harmonização) e mesmo a grande mobilização popular à época da Revolução Cultural.

As reformas de Deng Xiao Ping, iniciadas em 1978, introduziram elementos de capitalismo, como as Zonas Econômicas Especiais. São medidas que vêm sendo adotadas, em escala crescente, a atração de empresas privadas estrangeiras, a permissão para o estabelecimento de empresas particulares, a passagem do sistema de planejamento centralizado para o sistema de controle macroeconômico, o convívio entre diferentes formas de propriedade e a adoção de estruturas de mercado. Seus resultados são o crescimento econômico acelerado, com taxas de mais de 10% ao ano, desde 1987, e os muitos problemas existentes hoje, como a polarização (a diferença entre ricos e pobres), a corrupção e o avanço da ideologia burguesa.

Todo esse balanço crítico é essencial para quem deseja avançar na luta pela superação do capitalismo e em prol do socialismo. No mundo de hoje, reafirma- se categoricamente a contradição entre capital e trabalho como a contradição fundamental a exigir a organização da classe trabalhadora na luta contra o sistema capitalista. A luta central, pois, é entre classes, não entre países. Portanto, são impossibilidades históricas a chamada etapa socialdemocrata, a aliança de classes entre burguesia e proletariado, com base no equilíbrio entre capital e trabalho, assim como inviável é a proposição da chamada revolução ou etapa nacional-libertadora, uma aliança entre as burguesias nacionais e o respectivo proletariado para enfrentar o inimigo externo – o “capital estrangeiro”. A tendência à multipolaridade econômica, política e cultural e o declínio do poder estadunidense, nestes campos, em menor escala na esfera militar, é outro elemento das condições em que se dá a luta pelo Socialismo.

A perspectiva do esgotamento iminente dos principais recursos naturais do planeta e a deterioração acelerada do meio ambiente pautam a questão da necessidade de reversão, no curto prazo, dos padrões de consumo ditados pelos EUA e pelos países europeus desenvolvidos, que são acompanhados por parcelas crescentes de países como Japão, Índia, China e pelos extratos superiores da população de diversos outros países, como é o caso do Brasil. O redirecionamento da produção para a redução do consumo material em geral (acompanhado da dinamização da vida cultural), a diminuição do ritmo de introdução de novos produtos no mercado, o aumento do ciclo de vida dos produtos, a adoção de processos produtivos com base em insumos renováveis e não agressivos ao meio ambiente, alem, é claro, da proteção e recuperação dos sistemas ambientais, entre outras, são demandas de curto prazo, capazes de tensionar e ameaçar os lucros capitalistas, além de se imporem como ações permanentes e como eixo central no processo de construção do Socialismo.

Ainda é extremamente forte a presença do pensamento liberal, dos valores burgueses, do individualismo, da banalização da violência, da descrença nas estruturas participativas e coletivas, do descrédito nas possibilidades de superação das mazelas do capitalismo e na construção da sociedade socialista.

No entanto, conforme crescem as lutas de caráter anticapitalista no mundo, diminui a desconfiança na proposta socialista, e uma reavaliação positiva das experiências socialistas do século XX vem se tornando cada vez mais frequente nos países do Leste e em outros países.

Na América Latina, em países como Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai e Nicarágua, as experiências dos movimentos populares e de construção de governos populares, com elementos antioligárquicos, antiimperialistas e anticapitalistas, vêm trazendo importantes contribuições para a formulação da estratégia de superação revolucionária do capitalismo e, em certa medida, para a construção do Socialismo. A presença dos grupos indígenas nas frentes políticas, em países como Bolívia e Equador, a capacidade de combinar frentes eleitorais com grandes mobilizações de massa, a proposição de plataformas políticas claras, para toda a população, são contribuições claras para o processo de superação do capitalismo.

A estatização das grandes empresas industriais, a ênfase nas políticas sociais e emergenciais, a construção de estruturas de poder de participação direta, a promoção de grandes mobilizações de massa para o apoio aos governos, a combinação de eleições e consultas à população com a pressão popular também são elementos relevantes destas experiências, que demonstram, igualmente, a necessidade da existência de partidos comunistas e socialistas fortes. Também os movimentos sociais vêm ganhando dimensões continentais e mundiais.

A via eleitoral, isoladamente, não se apresenta como viável para a conquista do Socialismo, no Brasil. Além das limitações e distorções da democracia burguesa, experiências como as do Chile (o golpe contra Allende) e da Espanha (o golpe que levou Franco ao poder, após a guerra civil) mostram que, sem uma grande mobilização e organização popular, dificilmente se conseguirá, no contexto de um governo socialista eleito, realizar reformas de fundo que acumulem para a superação do capitalismo. Por outro lado, a combinação destes elementos mostrou sua eficácia, como nos casos descritos acima, relativos às experiências latinoamericanas recentes.

A configuração da luta pela superação revolucionária do capitalismo deverá incluir uma síntese dos elementos analisados acima. Como uma proposição inicial, entendemos que a luta política e ideológica a ser travada, neste processo, compreende os seguintes eixos: – A construção da democracia direta, em que o poder popular se expandirá e se fortalecerá, substituindo o sistema partidário-eleitoral burguês e instituindo novas formas de representação direta dos trabalhadores.

– A construção de um Estado de novo tipo, em que o Estado burguês deverá sofrer uma transformação profunda, com a criação de novas instituições, sob controle dos trabalhadores, acompanhada de um novo texto constitucional onde constarão, como primordiais, os direitos à vida, ao trabalho, à informação, à participação no processo decisório político, à educação plena e outros direitos sociais, assim como o direito à coletivização das propriedades produtivas.

– A substituição da propriedade industrial, comercial e agrária privadas pela propriedade estatal ou pública (cooperativada sem direito à venda). O caminho para este quadro será o controle progressivo de todas as grandes empresas pelo Estado, acompanhado do controle das demais empresas pelo Poder Popular local ou regional.

– A reordenação da produção acompanhada da reversão dos padrões de consumo, com apoio aos setores produtores de alimentos para consumo interno, de bens de consumo essenciais, concebidos e fabricados com ciclo de vida longo, em regime de ciclo industrial fechado e com materiais e processos produtivos ambientalmente amigáveis, até que todas as famílias os possuam. Materiais de construção, medicamentos, livros e todos os produtos essenciais para a vida deverão ser produzidos em larga escala e distribuídos a preço de custo ou subsidiados, ao passo que todos os produtos considerados supérfluos deverão ter sua produção redirecionada. Simultaneamente, as áreas científica, educacional e cultural, em geral, deverão ser fortemente dinamizadas.

– A implantação do sistema de planejamento centralizado, com uma estrutura participativa abrangente, com a redução progressiva dos espaços de mercado e a implementação de instâncias decisórias nas empresas e locais de trabalho com a participação direta dos trabalhadores. Para tal, será necessária a formulação de um projeto para a reordenação espacial do desenvolvimento econômico e social, com a criação de pólos no interior e planos diretores para as cidades visando à harmonização e equalização do processo.

– A questão ambiental deverá ter tratamento prioritário, tendo como eixos a recuperação de áreas degradadas, o reflorestamento, a reordenação da produção para a redução dos gastos com recursos naturais e de energia, com a retirada de todos os bens ambientais da categoria de bens econômicos e a substituição das fontes energéticas baseadas em recursos não renováveis – como carvão e petróleo – pelas alternativas renováveis – energias solar, eólica, biocombustíveis e outras.

– A luta pela hegemonia das idéias libertárias, socialistas e comunistas deve ser travada em todas as esferas, tendo como principais eixos a participação dos trabalhadores no processo decisório, a ação direta e constante dos partidos revolucionários, a ampla divulgação de informações, a livre circulação das ideias, políticas culturais e educacionais universalizantes e voltadas para a construção de um novo Homem, de um novo Ser Social.

*Eduardo Serra é Professor da UFRJ e membro do Comitê Central do PCB

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