Comuna Que Pariu 2023…voltamos!

Um olhar de dentro da bateria

Heitor Cesar, membro do CC do PCB e fundador do Comuna que Pariu – observações emocionadas sobre nosso desfile de 20 de fevereiro de 2023.

Na história da arte, quando representada em pinturas ou esculturas, a chegada de um personagem junto aos deuses era chamada de apoteose, geralmente se referindo aos heróis. Termo semelhante, na história antiga, era usado para descrever a elevação de alguém ao estatuto de divindade, como por exemplo na condução de alguém à condição de imperador em Roma.

No Rio de Janeiro temos uma praça ao final do sambódromo chamada de Praça da Apoteose, onde as Escolas de Samba, após os desfiles deveriam sambar junto com o público e também brincar e até inovar, coroando o desfile pela avenida do samba. Pelo menos era essa a ideia dos idealizadores do sambódromo, Darcy Ribeiro, Brizola e Oscar Niemeyer.

Em suma, a apoteose é algo grandioso, maravilhoso e supremo.

Não existe expressão ou termo melhor para descrever a volta do Comuna que Pariu neste carnaval da redenção de 2023 do que um desfile apoteótico.

Tocar na bateria do Comuna é ser parte de uma engrenagem. Eu sei que falar em engrenagem nos vem à cabeça a imagem de uma mecânica fechada onde cada um faz sua parte e a soma das partes compõem o todo, contudo, nossa mecânica, com o perdão da expressão, não é mecânica, é dialética: nela cada parte da engrenagem faz sua parte, sim, mas como uma célula integrante do todo, não como uma parte, mas permeada e permeando as outras partes.

Assim funciona nossa bateria: o chocalho está integrado aos tamborins e caixas, assim como integrados à totalidade desenhada pelos surdos e convocados pelos repiques. Ser parte de algo é mais que ser parte, é ter a essência da totalidade do algo. E nossa bateria, juntando poesia e filosofia, toca corações e mentes. Enquanto encanta quem ouve, modifica quem toca, que cada vez mais se sente membro do todo, não por perder sua individualidade, mas por ser potencializado em coletivo.

E nossa bateria teceu sambas e músicas deste e de outros carnavais. Trazemos em nosso peito um grito entalado desde 2020, quando tivemos nosso carro apreendido pelo Estado. E nosso grito entalado foi atravessado em 2021 e 2022 pelo medo e pela incerteza, pois atravessamos a pior crise sanitária dos últimos séculos, no Brasil agravada pela política de um governo de extrema direita e por décadas de sucateamento da saúde e pela precarização das condições de vida do povo trabalhador.

Muitos vão dizer que podemos comemorar, pois vencemos a pandemia e a extrema direita. Discordo, não estamos comemorando, estamos celebrando a vida, não por termos vencido a morte, mas por termos a compreensão de que a vida é para ser celebrada, sempre.

Nos recusamos a nos considerar vencedores, pois sabemos que as centenas de milhares de brasileiros que morreram não foram derrotados. Não se tratou de um jogo. Para muitos desses brasileiros não foi sequer dada a chance de disputar ou de tentar ganhar, foram levados a óbito por uma política genocida que deixou mortes e perdas que jamais serão esquecidas. Nós não vencemos, nós sobrevivemos para continuar lutando e vivendo.

Também sabemos que não derrotamos a extrema direita, muito embora a derrota nas urnas, por muitos ainda não reconhecida, os tenha tirado da presidência, mas eles estão ainda por aí, nas ruas, no congresso, no senado e nas instituições, e também estão em corações e mentes amalgamados pelo reacionarismo e pelo conservadorismo que tem raízes profundas em nossa sociedade e precisam ser derrotados não somente nas urnas e eleições, mas em todas as trincheiras em que estão.

Por isso não era uma comemoração, mas sim uma celebração e um grito de alerta em que dizíamos que o fascismo sabemos vencer, e a receita, ora, estava e está na auto organização do povo.

Cantamos a luta do nosso dia e a poesia que queremos para o futuro, cantamos nossos hinos e cantos e canções com os quais nos identificamos, semeando o mundo que queremos no mundo que temos.

Sim, acreditamos no amor, mas não no amor abstrato e sim naquele que nos une à nossa classe e ao futuro que queremos construir. E vamos construir. Acreditamos que a alegria e o amor em tempos de cólera é algo revolucionário, bem como sabemos que, enquanto a poesia for exceção, devemos ventilá-la em nosso cotidiano e em nossa luta. E assim, como artesãos de almas, como dizia o poeta, fizemos mais uma vez do Comuna uma arma da crítica a serviço do futuro e em defesa da alegria.

Juntamos mais de 10 mil pessoas, que vieram de vários estados e até países, para brincar, sambar e sonhar. Desfilamos pelas ruas do centro cantando que nas lutas nos encontramos e que o povo cansou, se organizou e os fascistas tremeram. Sim, eles tremeram.

Começamos homenageando Dinarquinho, nosso querido amigo e camarada que partiu e sempre era um dos primeiros a chegar e terminamos nos abraçando e beijando pela missão cumprida.

Obrigado Buchecha pela bateria, obrigado CGC com Raquel, Belle, Carol, Caiqui, obrigado ao povo da produção, da filmagem, do som, da segurança e a todos os ritmistas da bateria, Fabi e os Repiques, os nossos tamborins, as caixas, os surdos de primeira, de segunda e de terceira, as cuícas e os chocalhos com nossa comandante Raquel. Muitas pessoas foram parte dessa engrenagem, vistas ou não, mas que garantiram que o Comuna que Pariu em 2023 voltasse. E nessa volta afirmasse: vamos ficar, pois enquanto houver opressão ser comunistas é nossa decisão. Acreditamos na receita do poeta de que na luta de classes todas as armas são boas, pedras, noites e poemas.

Ainda precisamos nivelar o mundo em alto astral… e vamos. Afinal: oh mundo futuro, nós o construiremos, como dizia outro poeta…

Eu fico por aqui com meu chocalho… Esperando 2024, ou melhor, construindo 2024.