Chega de Violência, por uma política de Vida!

Giovani Damico – membro do Comitê Central do PCB

O Brasil acaba de assistir a mais um assustador caso de violência brutal contra crianças desprotegidas em uma creche na cidade de Blumenau-SC. Este episódio configura mais um massacre em um intervalo de tempo cada vez menor. Mal terminamos de engolir a seco os ataques na Cidade de São Paulo na Escola Thomazia Montoro, nos deparamos com mais um episódio de violência, na esteira de uma série de ataques violentos à unidades educacionais que só no último ano foram mais de 20.

O ciclo político aberto no Brasil deu vazão às formas mais abjetas de violência de classe, desde a violência genocida orquestrada pelos aparelhos de repressão do Estado contra as juventudes periféricas, sobretudo negras, chegando à violência no campo contra os movimentos sociais organizados na luta pela terra, populações Indígenas, Quilombolas e Ribeirinhas, que se veem alvo de ataques quotidianos perpetrados por jagunços e milícias para-militares, com anuência dos órgãos de Estado.

Em tal cenário a desumanização de nossa classe é a constante, não à toa o Brasil ostenta outros recordes lastimáveis, como na violência LGBTfóbica e feminicídios, transformando nossa população trans naquela com a menor expectativa de vida. Os ataques às escolas e creches aparecem como a ponta de um fenômeno social de violências sistêmicas, onde a própria classe se vê consumida pela violência de Estado, quando não consumida por violências entre a própria classe trabalhadora. Tal fenômeno foi observado por Fanon, que localizou como a sociabilidade colonial desumanizante, naturaliza o uso da violência contra o outro, o indesejável, como uma resposta quotidiana óbvia, não contra os opressores, mas contra outros grupos oprimidos, agredido ,assim, o mesmo “outro” que ele também é.

O movimento comunista vem localizando uma outra constante histórica no desenrolar do Capitalismo, que para além de seu “ciclo natural” do que Marx chamava de Fetichismo da Mercadoria, em que não apenas eram escondidas as ferramentas de exploração do capital, encobertas em uma áurea fantasmagórica, onde os produtos convertidos em mercadoria parecem se tratar eles próprios de terem valor, escondendo a verdade histórica de que é o trabalho humano criativo, com seu suor e suas dores que produz toda riqueza que nossa sociedade conhece. Tal processo, nas palavras de Marx, coisifica o mundo dos seres humanos e humaniza o mundo das coisas, e na mesma medida em que cresce a valorização do mundo das coisas, cresce a desumanização do mundo humano. Tal movimento é o fluxo da mercadoria, é o fluxo da sociabilidade capitalista, que nos tempos de crise vê crescer vertiginosamente a violência de classe e os mecanismos de exploração.

Reforma trabalhista, desmonte da previdência, destruição da Educação e Saúde, ausência de fruição e tempo livre são diversos dos aspectos mais evidentes da resposta à crise. O capital recrudesce a exploração e com isso reforça um ciclo de violência. Tal movimento vem assumindo a forma política do neofascismo, onde a militarização da vida quotidiana se torna a resposta para garantir a elevação da taxa de lucros, onde nichos de para-militares, milícias, jagunços, se associam à igrejas para elegerem seus inimigos externos, criando uma coesão dentro da classe dominante, apoiada por uma base social de massas. Uma amarração ideológica muito clara é costurada, e sua reprodução no microcosmos do dia-a-dia das pessoas. A violência que é percebida, ou que passa despercebida por cada um, mas que é sentida ainda que de maneira inconsciente, passa a encontrar refúgio sendo exteriorizada em violência de classe.

Vemos assim práticas quotidianas de violência física ou psicológica reproduzidas em espaços diversos de sociabilidade, como em determinadas igrejas que assumem uma forma violenta de recrutamento religioso e disputa ideológica. Estas terminam por criar alvos ou até inimigos externos, interpelados de maneira violenta. Casos emblemáticos como as Comunidades Terapêuticas, que “abduzem” pessoas em situação de rua, com anuência jurídica do Estado, sob justificativas de “internação compulsória”, tornando tais pessoas alvo de torturas diversas.

No interior das famílias assistimos outros modos de reprodução sistêmica da violência como nos casos de filhos/as LGBTs expulsos/as de suas casas, muitas vezes após ciclos de espancamentos ou violência psicológica. Casos de violência contra a mulher aparecem com cada vez mais frequência, temos assim esposas que têm suas vidas ceifadas por seus companheiros, numa reprodução de um esquema patriarcal, onde seu autor é tanto agressor quanto vítima.

Os comunistas entendem que a violência não deve continuar figurando como a única resposta para nossas agruras sociais. As políticas armamentistas vêm tirando o foco da luta de classes e reforçando um ciclo de violências internas que em nada interessam a classe trabalhadora. Para os comunistas, o único contexto em que a violência deve ser uma ferramenta é no contexto da superação das violências estruturais. A violência revolucionária é, portanto, uma resposta de superação da ordem vigente, quebrando os ciclos de exploração e opressão. Entendemos que nossa busca é por uma política de vida, que crie mecanismos de proteção da juventude, acolhimento da população LGBT, encerramento das violências no interior das famílias, que resvalam sobretudo nas mulheres. Como revolucionários apontamos para a necessidade urgente de garantias sociais, superação das situações de penúria e carestia. Distensionar o tecido social no interior de nossa classe, significa por um lado lutarmos por condições de vida dignas, por acesso à saúde, inclusive saúde mental, e por outro lado colocarmos o foco de nossa luta em nossos verdadeiros agentes de desumanização, pondo fim à ordem de dominação e exploração de nosso povo.

Declaramos assim nossa solidariedade com as famílias das vítimas e nosso firme compromisso com a superação das violências contra nosso povo!