Haiti: uma cifra ou uma realidade histórica?

Aqueles que já percorreram o território do Haiti sabem que o vodu (woudou) é uma prática religiosa encontrada na maior parte da população. Especialmente entre os camponeses, a cultura é muito forte. Como se trata de uma cultura religiosa, são grandes os mistérios sobre o que realmente acontece nas cerimônias e celebrações. No entanto, após um ano e meio naquelas terras, pude verificar que, como uma religião, o vodu tem suas vantagens e desvantagens no que diz respeito à libertação e à formação da consciência dos haitianos. Vodu, ou qualquer outra religião, não necessariamente utilizam a mentira como sua prática. É o povo que de bom grado que acredita no que dizem ou no que você faz.

Os números apresentados na reunião em Nova York como base do Plano de Reconstrução do Haiti não são mentirosos. Anunciou-se um valor de 5,3 bilhões de dólares. Os Estados Unidos e a União Européia são apresentados como os doadores mais importantes. O presidente haitiano Rene Preval Garcia, ouvia os números desconfiado. Ele sabe que os números não mentem, mas enganam.

Os números apresentados por Ban Ki-Moon são verdadeiros e reais. A maioria dos presentes na reunião ficou em silêncio frente às belas cifras e as perspectivas para a reconstrução de um país em ruínas por muitos anos antes do terremoto de 12 de Janeiro. Apresentaram-se o Banco Mundial e o FMI como grandes coordenadores do gigantesco orçamento que levarão a cabo com a contribuição principal de Bill Clinton e George Bush.

O valor de 5,3 bilhões de dólares não mente, mas esconde uma cifra tão importante no que diz respeito a ela. Na verdade, a maioria dos participantes na reunião em Nova York se esqueceu de que a ocupação militar no Haiti foi criada depois de 2004, e necessitou mais de 3,6 bilhões de dólares para apoio. Ao mesmo tempo, os bonitos números apresentados não revelam o cálculo completo. Os treze mil soldados norte-americanos enviados ao Haiti após o terremoto consomem um orçamento de mais de 468 milhões dólares por ano somente na renda pessoal, enquanto o aumento de 3.500 pessoas no corpo da MINUSTAH após o terremoto, aumenta seu orçamento em 126 milhões de dólares por ano só em salários.

Além disso, os apresentadores do plano de reconstrução não comentaram que o Haiti tem uma dívida externa de mais de 1,3 bilhões de dólares contraídos em décadas e recolhidos mensalmente pelas mesmas entidades que ajudarão a coordenar o plano de ajuda.

O custo de um soldado de baixa patente mobilizado para o serviço militar no Haiti, de acordo com os soldados, chega a 3 mil dólares por mês de salário. Enquanto o salário mínimo do Haiti é de US $ 60 por mês. Um soldado que vem de qualquer lugar do mundo recebe mensalmente o equivalente a 4 anos de trabalho de um haitiano que vive com um salário mínimo. Isso significa que o salário pago a um soldado por um ano, US $ 36.000, é de 50 anos de trabalho de um haitiano.

O pequeno cálculo realizado no parágrafo anterior comprova que os números podem ser enganadores. A maioria dos participantes na reunião em Nova York não quis comentar sobre a forma de pagamento do novo empréstimo que beneficiará o Haiti. Nem mesmo o próprio René Préval. Quem vai pagar às muitas empresas dos EUA articuladas por George Bush que já estão contratadas e nomeadas para atuar em diferentes partes do país destruído? Não existe uma empresa que trabalhe sem ser bem remunerada. Empréstimo é empréstimo e o Haiti terá que pagar, apesar de estar a muito tempo pagando uma dívida que não é sua.

Os organismos responsáveis pela reconstrução do Haiti são os mesmos que impuseram os maiores ajustes à economia do Haiti nos últimos anos, golpeando duramente todos os serviços públicos como a saúde e a construção de estradas e escolas. As mesmas pessoas que quebraram a economia agrícola onde 70% da população convive com os acordos de livre comércio. As mesmas autoridades que mensalmente cobram uma dívida vergonhosa, agora estão voltando ao palco do mundo como heróis de uma batalha contra a pobreza. Mas foram eles que levaram a pobreza ao Haiti.

A reunião em Nova York apresentou alguns números para o mundo como se fosse um cálculo matemático preciso, sem risco de erros: 5,3 bilhões de dólares. Cuba e Venezuela têm sido as vozes contra a arbitrariedade dos números matemáticos reais, porém enganosos. Cinco bilhões e trezentos milhões de dólares é uma mentira disfarçada como a obviedade da ciência exata. Estão golpeando o Haiti com a cruel espada financeira. Eles estão atingindo o mundo, dizendo que os números são precisos.

Que os espíritos dos Capóis La Mort, Trussaint Louverture, Alexandre Petion, Henri Kristophe e Jean Jacques Dessalines despertem a consciência internacional e, sobretudo, o povo haitiano, a se levantar contra tal crueldade e mentira.

Os números não mentem, mas às vezes enganam.

– José Luis Patrola é professor de História, membro do MST e coordenador da brigada de cooperação entre a Via Campesina/Brasil e organizações camponesas do Haiti

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