SUPERAR O ANTICOMUNISMO

Rematando essa perseguição midiática, uma profusão legislativa de textos europeus e/ou franceses pretende criminalizar a história do comunismo, a misturar o III Reich de Krupp e Thyssen com a União Soviética operária e camponesa, juntar Franco com as Brigadas Internacionais, amalgamar a Wehrmacht dos Einsatzgruppen e o Exército dos libertadores de Estalingrado, unir os fuzileiros fascistas aos «terroristas vermelhos» de Chateaubriant e da Cidadela de Arras, que caíram por nós, com a Marselhesa nos lábios, sob as balas alemãs. A meta destes textos absurdos é proporcionar uma base jurídica ao euromacartismo que se espalha por toda a União Europeia; numa União Europeia cujos dirigentes querem, por meio do anticomunismo e do antissovietismo retardatário, tentar escapar da rejeição popular profunda que assombra a «construção europeia» capitalista(4) de Lisboa a Bucareste.

“CNR (Conselho Nacional da Resistência), não conheço”

Além disso, quantos alunos do ensino médio, acostumados desde a infância a confundir num mesmo opróbrio «antitotalitário» a Alemanha nazista e a União

Soviética de Estalingrado, a confundir Mussolini e Lênin? Quantos conhecem a frase pronunciada por Charlles de Gaulle em Moscou no ano de 1966: «os franceses sabem(5) que a Rússia soviética desempenhou o papel principal em sua libertação»?

E quantos livros de história recordam aos jovens leitores que as principais conquistas sociais de nosso país – essas mesmas pelas quais o Sr. Denis Kessler felicitou cinicamente Sarkozy por «desmantelar o programa do CNR»(6) – , foram levadas a cabo de 1945 a 1947 no marco do governo com participação comunista presidido pelo General De Gaulle? Naquele governo de unidade patriótica, o ex-deportado comunista Marcel Paul nacionalizara a EDF [Eletricidade da França] e a Renault; Maurice Thorez dera os últimos retoques ao estatuto dos servidores e ao dos mineiros; Henri Wallon e Jolliot-Curie reconstruíram a Educação Nacional, o CNRS [Centro Nacional de Pesquisa Científica] e o CEA [Comissariado da Energia Atômica] sobre bases democráticas; Ambroise Croizat (do PCF) instituía – pouca coisa! – as pensões de aposentadoria por ramo, os convênios coletivos, os comitês de empresa… e a Seguridade Social: em suma, todas essas conquistas de civilização que a «ruptura sarkozista», aclamada pela UE e pelo MEDEF [Movimento dos Empresários da França], esforça-se em aniquilar, impondo a nosso país um plano suicida de alinhamento estrutural.

Fora isso, por que motivos a oligarquia capitalista vacilaria em, finalmente, fazer a sua revanche contra a «França vermelha», agora que a vitória da contrarrevolução de Berlim a Vladivostok voltou a mundializar a exploração capitalista, agora que a Europa socialista e a RDA [República Democrática Alemã ou Alemanha Oriental] foram novamente colonizadas pela Europa do capital dirigida desde Berlim, e agora que, no que se refere à França, a mutação-renegação do PCF e a euro-formatação do Estado Maior CGT [Confederação Geral do Trabalho] deixam os assalariados a mercê de uma«french’telecomisation(7)» geral de suas condições de vida? Com efeito, os novos Metternich da Europa contrarrevolucionária têm pouco o que temer de uma crítica pela metade como a que é feita pelos «alterocapitalistas» e «altero-europeístas»(8) que no fundo comungam de fundamentos do pensamento único como o anticomunismo, o antissovietismo, o antimarxismo e seus subprodutos franceses, o antijacobinismo primário e a sórdida autofobia nacional que caracterizam a oligarquia financeira «francesa» dirigida por «Sarko, o estadunidense»…

Os heróis no banco dos acusados, e os herdeiros dos carrascos fazendo o papel de inquisidores!

No atual clima neovichysta(9) já não se estranha que os combatentes comunistas da França, que dos bosques de Corrèze à guerrilha urbana dos FTP-MOI [grupo armado comunista formado por imigrantes], passando pela insurreição de Paris de 1944, ou seja, justamente aqueles que foram os mais ousados e avançados da nossa resistência armada(10), sejam odiosamente postos no banco dos réus.

Enquanto isso, os herdeiros dos partidos que referendaram o governo colaboracionista de Pétain, entregando os judeus e os patriotas à Alemanha nazista, atualmente acusam aos combatentes comunistas de não terem arriscado a vida mais cedo! O que importa a estes falsários que, desde a heróica manifestação comunista da Praça Etoile organizada em 11 de novembro de 1940 pela União dos Estudantes Comunistas(11) (proibida desde 1939 pelo governo francês!) até as primeiras sabotagens levadas a cabo no Var [região francesa] desde 1940 pelos irmãos Landini, passando pela greve mineira de Pas-de-Calais dirigida em maio e junho de 1941 por Michel Brûlé e pelo bolchevique ucraniano Vasil Porik, os comunistas e os militantes da CGT tenham assumido o cerne da luta armada e do combate antifascista de massas(12)? O que lhes importa que tenham caído em grande número sob os fuzilamentos nazistas, nos bosques da Córsega e nas paredes de execução do Mont Valérien, gritando Viva a França! e Viva o comunismo! ?

O anticomunismo, sombra projetada da crise capitalista

No entanto, seria ingênuo acreditar que a meta principal dos inquisidores seja somente queimar o passado comunista para fragilizar a ancoragem revolucionária do movimento operário. Se é verdade que o espectro do anticomunismo está muito próximo do horizonte da Europa de Maastricht, é porque, embora se tenha tornado mundialmente hegemônico, o capitalismo, em crise, está na defensiva. Não cessa de precarizar a classe trabalhadora e de arruinar os camponeses, de intensificar ao mesmo a miséria mais repugnante e as fortunas mais escandalosas, de multiplicar as guerras neocoloniais (ontem o Iraque, amanhã o Irã?), enquanto o comércio de armas e de drogas reina sobre o «mercado livre mundial» organizado pela OMC e pelo FMI dos Lamy (Partido Socialista) e outros Strauss-Kahn (idem) na base de privatizações, deslocamentos e crise alimentares organizadas. Enquanto isso, ritmada pelo duplo roubo da Bolsa e das demissões, a «saída da crise» anunciada promete de ser tão insuportável como a própria crise. Desde então, as pessoas honestas se perguntam: sobreviverá a humanidade a este sistema desenfreado, no qual o lucro privado de uns poucos elimina todo o sentido humano da história dos povos e da vida dos indivíduos, enquanto sob a máscara «liberal» perfila – se uma ditadura euroatlântica portadora de um pensamento, de uma economia, de

uma língua e de uma política únicas, cujos piores déspotas de ontem jamais se atreveram a formar um projeto igual – o projeto «globalitário»?!

Renascimento da ideia comunista

Eis então que a ideia comunista refaz o seu caminho: transmitida a nós por Cuba, que resistiu quando Gorbatchov e Yeltsin acreditavam tê-la oferecido fresquinha ao Tio Sam, a aspiração por um «socialismo do século XXI» renasce sob diversas formas, especialmente na América Latina. Esta aspiração se articula com o princípio anti-imperialista do direito dos povos a criarem eles mesmos o seu próprio destino. Pois, enfim, não é irracional que algumas nações, línguas, culturas seculares sejam aniquiladas pelos incultos mercadores do MacDonalds e da Eurodisney? Não é suicida que em nossa época de socialização planetária dos intercâmbios, a anacrônica propriedade privada dos grandes meios de produção outorgue «democraticamente» a alguns multimilionários um direito de vida e de morte sobre a vida dos povos? Por outro lado, não é vital que, planificando sua cooperação internacional em respeito a sua soberania, os povos assegurem o domínio público dos grandes meios de produção e que o mundo do trabalho ocupe por fim na, vida política, o lugar central que deve corresponder aos produtores de riquezas? Por certo, urge que a solidariedade internacional dos novos proletários de gravata se una ao patriotismo republicano para resistir à bárbara mundialização capitalista assim como aos seus sangrentos cúmplices, o racismo, o integrismo e o comunitarismo. Pois se é verdade que a exploração do homem pelo homem perdeu historicamente toda a força propulsora, se está claro que o destrutivismo capitalista levará a humanidade à morte por desagregação social, depredação ecológica ou extermínio nuclear, então a construção de um comunismo de segunda geração, no qual o «desenvolvimento de cada um será a chave do desenvolvimento de todos» (Marx), torna-se objetivamente uma questão de vida ou morte para todos os seres humanos que querem administrar racionalmente as suas relações com os demais seres humanos… e com a natureza.

Para una assimilação crítica da herança comunista

Não é necessário de modo algum que se idealize a primeira experiência socialista da história. A experiência socialista resultante de outubro de 1917 não teria conhecido a derrota se, por razões que o aparato teórico marxista permite esclarecer, os trabalhadores destes países tivessem sempre, como em Cuba, percebendo-se como os donos efetivos de seu país. Essa autocrítica, que exclui toda a autoflagelação, os revolucionários devem a exercer sem ceder à demonização da sua história por um sistema capitalista cujos crimes não mereceriam um «livro negro» e sim… dezenas de bibliotecas fascistas!

Não há que beber a água suja dos desvios políticos do passado feitos sob o pretexto de salvar a criança socialista. Como não há porque renegar a criança socialista sob pretexto de jogar fora a água do banho. Há isto sim que partir do atraso inicial no qual essa experiência historicamente inédita teve que construir-se subtraindo uma parte considerável de seus recursos para enfrentar a corrida armamentista, a guerra ideológica e as invasões exterminadoras ininterruptas vindas do Ocidente. Convém, em uma palavra, compreender as condições profundamente contraditórias nas quais se edificou aquele primeiro esforço da humanidade trabalhadora para edificar durante décadas uma sociedade livre da Bolsa e do capital. Também importa rechaçar categoricamente a desonrosa equação comunismo = nazismo, que criminaliza a revolução social banalizando o fascismo.

Os povos do Leste viveram uma experiência histórica de massas: escutemo-los!

Primeiro, consultemos aos povos do Leste; não a esses anticomunistas profissionais que se atrevem a falar em nome de seus respectivos povos depois de tê-los devorado e arruinado, mas sim aos operários, camponeses, aposentados da Rússia, da RDA, da Hungria, da Romênia, etc., que viveram e avaliaram na sua vivência cotidiana a restauração capitalista travestida de «democratização». Com efeito, com tal exercício levado a cabo e sem esquecer de modo algum das repressões arbitrárias e dos aspectos burocráticos da época precedente, os povos fazem as suas contas; comparam os «méritos» do eurocapitalismo (empobrecimento galopante das massas, enriquecimento fabuloso das máfias) com estas conquistas bem reais do socialismo como o pleno emprego, a educação de bom nível, a cultura, o esporte, as férias e os cuidados médicos para todos, habitação assegurada, baixa criminalidade, segurança da existência, espírito de solidariedade na vida cotidiana.

É essa volta refletida do socialismo na memória do povo o que atestam todas as sondagens feitas na RDA, na Hungria e na Rússia, e mais ainda, na grande sondagem continental a qual recentemente os povos do Leste boicotaram de modo ainda mais massivo que os povos do Oeste europeu: as eleições europeias nas quais o Partido Único de Maastricht ordena periodicamente às classes dominadas que «escolham livremente» entre a versão direitista e a versão «de esquerda» do destroçamento social e da decadência nacional…

Superar o anticomunismo para empreender uma ruptura progressista!

Superar o anticomunismo permitiria enfim aos progressistas pensar de maneira consequente a ruptura revolucionária imprescindível para triunfar sobre a sarko – «ruptura» thatchero-fascistóide. Liberados do complexo contrarrevolucionário que entorpece o seu pensamento, freia a sua ação e dificulta a sua reorganização, os verdadeiros progressistas poderiam por fim compreender e difundir que é preciso tirar a França do triturador europeu que a mata e a desnaturaliza, que é preciso salvar a 100% da humanidade de um sistema capitalista que não cria a riqueza «senão esgotando a Terra e o trabalhador» (Marx). Para toda a humanidade trabalhadora, está em jogo emergir a tempo deste «fim da história universal» que a mundialização contrarrevolucionária pode constantemente transformar, se não for impedida a tempo por novas revoluções, numa história universal do fim.

«1989!» clama a reação celebrando a contrarrevolução anticomunista e antijacobina que ela crê eterna; «17 e 89!», responderão os herdeiros de Gavroche e de Guy Moquet, bem decididos a triunfar juntos sobre a Noite de Walpurgis dos Brancos e sobre os fascistas de todos os países, coligados em vão para sepultar as Luzes!

(tradução de Rodrigo Oliveira Fonseca. Original em www.legrandsoir.info/Sortir-de-l-anticommunisme.html)

Notas:

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1. Filósofo, militante francamente comunista [dirigente do Polo de Renascimento Comunista Francês]. Autor entre outras obras de Mondialisation capitaliste et projet communiste (Temps des cerises, 1997), Sur la dialectique de la nature (número especial de Etincelles), Ressources d’économie marxiste (número especial de Etincelles), Lettre ouverte aux bons Français qui assassinent la France (Temps des cerises, 2005), Sagesse de la révolution (Temps des cerises, 2009), Essai sur la renaissance communiste.

2. [Nota do Tradutor: referência aos defensores do Tratado de Maastricht, de 1992, que marcou a criação

da União Europeia enquanto entidade política, com diversas prerrogativas e organismos, o que resultou num dos mecanismos de implementação da agenda neoliberal na Europa].

3 [N.T.: azul, liberal; rosa, socialista/social-democrata ; e castanha, fascista]

4. Estes textos maldosos provêm dos regimes anticomunistas desacreditados dos países do Leste, dos ultras da UMP [União para um Movimento Popular, partido de Sarkozy], do grupo neomussoliniano Fini/Berlusconi, de um cartel de eurodeputados que reúne desde V. Perillon até Cohn-Bendit passando por … Gollnisch…

5. Sabiam, melhor dizendo, visto o tanto que a história oficial censura o heroismo de massas sofrido pela União Soviética, com os bolcheviques no front, para derrotar Hitler.

6. Challenges, novembro de 2007, editorial de Denis Kessler presidente geral e conselheiro do MEDEF, Movimento dos Empresários da França. [N.T.: o CNR foi formado em 1943 reunindo os maiores grupos da resistência ao nazi-fascismo]

7. [N.T.: provável referência à France Telecom, principal empresa francesa de telecomunicação, privatizada em 2004.]

8. [N.T.: como o alteromundismo, enquadramento geral dos que lutam por um outro mundo possível, no caso referido pelo texto, por outro capitalismo e por outra Europa]

9. [N.T.: referencia ao governo francês de Vichy, de colaboração com o nazismo.]

10. Depois de terem sido a alma das Brigadas na Espanha, organizadas pelo Komintern.

11. Da qual participou G. Moquet.

12. E isso apesar da proibição do partido desde 1939, e apesar da pena de morte que o «socialista» Sérol havia instituído contra eles desde esse período.