Novo ciclo global de crescimento deve ajudar menos o Brasil

 

O mérito, no entanto, não pode ser atribuído ao Brasil, avaliam economistas, para quem há uma mudança em curso que deve levar a um novo ciclo de crescimento global, mas agora puxado pelos Estados Unidos e por outros países desenvolvidos. Embora todos se beneficiem de alguma forma da melhora do cenário externo, tendem a desacelerar com mais intensidade os dependentes das exportações de commodities e, consequentemente da China, caso da maioria dos emergentes.

O cenário para os países em desenvolvimento também ficou mais difícil a partir da sinalização do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de que deve começar a reduzir, possivelmente ainda neste ano, o volume mensal de compras de ativos, atualmente em US$ 85 bilhões, o que levou a uma corrida por ativos americanos e uma onda de desvalorização das moedas em diversos mercados emergentes. O Brasil não escapou deste movimento, que deve levar o crescimento a perder força nos próximos trimestres.

Para Tony Volpon, chefe de pesquisa para mercados emergentes nas Américas do Nomura Securities, a economia brasileira caminhava, de fato, para uma recuperação mais forte quando foi atingida pelo choque externo ditado pelo Fed, que levou a moeda brasileira a perder quase 20% em valor desde maio e os juros futuros a dispararem. Agora, “nem eu nem a maioria do mercado acredita que a economia no terceiro trimestre vai ter crescimento perto do que ocorreu no segundo”.

A questão, avalia Volpon, é que o crescimento entre abril e junho foi pontual e não muda a capacidade de crescimento da economia brasileira, que enfrenta restrições de oferta e um déficit em conta corrente elevado.

O caso mexicano é diferente. Apesar do crescimento pífio no primeiro semestre, que deve levar a economia a avançar apenas 1,4% neste ano, as perspectivas lá são mais favoráveis porque o país tem maior correlação com os EUA e está promovendo reformas que devem alavancar a produtividade. Já no ano que vem o México deve voltar a avançar em torno de 4,5%, enquanto o Brasil deve crescer algo como 2%, prevê Volpon.

Como parece que é a vez dos desenvolvidos, e não dos emergentes, o México tende a ser beneficiado por ser fornecedor de bens intermediários para a indústria americana, que está se recuperando, afirma João Pedro Bumachar, economista do Itaú.

Na América Latina, outros países, como o Chile e o Peru, além do Brasil, tendem a ser mais afetados pela moderação do crescimento na China. No entanto, afirma, esse movimento não será uniforme. “Quanto melhor os fundamentos, mais capacidade tem o país de implementar política anticíclicas”, afirma. Atualmente, Bumachar vê maior margem de manobra no Chile e na Colômbia, por causa da inflação baixa, que permite cortar juros mesmo com desvalorização do câmbio. No Brasil, esse espaço é bastante limitado, diz.

David Rees, economista para mercados emergentes da Capital Economics, também avalia que para além do aparente fim do “superciclo” de commodities, com impacto negativo para os países emergentes, várias economias de peso – “todos os Brics, por exemplo” – também esbarraram em questões estruturais próprias. No caso da China, o crescimento de dois dígitos foi excessivamente sustentado por investimentos, e agora é preciso migrar para um novo equilíbrio, com maior participação do consumo.

“O oposto é verdade para o Brasil”, afirma, onde a expansão do PIB se baseou no avanço da demanda, estimulada pelo crédito, enquanto a indústria e os investimentos ficaram para trás. São essas questões estruturais, comenta Rees, que provavelmente desencadearam a mudança de expectativa em relação ao Brasil. Sem investimento, a economia tem potencial para crescer no máximo 3%, e não os 5% vistos em outros países em desenvolvimento.

Os países que mais sofrem, comenta Volpon, são aqueles com elevado déficit em conta corrente, caso da Índia, ou países nos quais o rombo nas transações externas é crescente, como o Brasil. “Quando tínhamos um mundo com ampla liquidez, os investidores não olhavam problemas com lupa”, afirma. Quando a maré baixa, diz, o mercado fica mais seletivo, o que leva à saída de capitais que tem sido observada desde junho em diversos países.

A desvalorização das moedas em países asiáticos e o menor crescimento chinês, que prejudica exportações, levou economistas a projetarem expansão menor na região. De acordo com a Focus Economics, entre agosto e setembro as projeções para Índia, Indonésia, Malásia, Taiwan, Tailândia e Vietnã recuaram entre 0,3 (Índia) ponto e 2,4 ponto percentual (Tailândia). No caso da China, a projeção de crescimento, hoje em 7,5%, era 0,5 ponto percentual maior há três meses.

Para Gesner Oliveira, sócio da GO Associados, o diferencial de crescimento entre emergentes e desenvolvidos, que havia sido ampliado na última década, principalmente após a crise global, mudou de tendência e a perspectiva é que esse hiato diminua nos próximos anos.

Os Estados Unidos e a Europa, que estavam “no buraco”, dão sinais de recuperação mais sustentada. A economia americana, que ressurge da crise mais competitiva, avançou 2,5% no segundo trimestre, em termos anualizados, enquanto a zona do euro teve o primeiro resultado positivo após seis trimestres consecutivos de retração da atividade na região.

A perspectiva de alteração na dinâmica de avanço global, com melhora dos emergentes, faz com que investidores fiquem mais exigentes e reavaliem suas posições em mercados considerados mais arriscados. “O investidor aceitava qualquer desaforo, mas com perspectiva de diminuição da liquidez externa, o entusiasmo diminuiu”.

Para Oliveira, no entanto, assim como a empolgação com o Brasil de 2010 era excessiva, o pessimismo que domina o mercado atualmente parece um pouco exagerado. O Brasil, diz, não está fadado ao baixo crescimento e concessões de infraestrutura bem sucedidas no segundo semestre e a injeção de competitividade na indústria via câmbio podem alavancar a economia doméstica. Para tanto, o governo tem que priorizar o compromisso com o controle de inflação e abandonar a contabilidade criativa que gerou uma série de críticas à condução da política fiscal, diz.

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Confiança melhora, mas ritmo do 3º tri é incógnita

Valor Econômico

Na esteira das manifestações de rua que eclodiram em junho, os índices de confiança desabaram e chegaram ao fundo do poço em julho. Quase sem exceção, as pesquisas que indicam o ânimo de consumidores e empresários da indústria, comércio, serviços e construção foram a senha para sugerir que o terceiro trimestre do ano será mais fraco, com “provável” queda no Produto Interno Bruto (PIB) na comparação com o segundo trimestre, considerando o ajuste sazonal. A maioria dos índices, contudo, inverteu o sinal e voltou a crescer em agosto, uma mudança que ainda não aparece nos indicadores de produção e consumo.

Na sexta-feira, logo após o anúncio, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do surpreendente crescimento de 1,5% do PIB no segundo trimestre sobre o primeiro, economistas começaram a revisar para baixo a estimativa para o desempenho da economia no período julho-setembro, ao mesmo tempo em que elevaram as previsões para o ano, com a maioria passando a prever um crescimento acima de 2%, se aproximando, assim, da estimativa do próprio governo, de 2,5%. Pelas contas do Goldman Sachs, considerando estabilidade no terceiro trimestre e expansão de 0,5% no quarto trimestre, o país fecharia 2013 com crescimento de 2,7%.

O pessimismo com o terceiro trimestre leva alguns economistas a prever queda no PIB nesse período, em parte porque a base de comparação (o segundo trimestre) ficou mais forte. Na prática, porém, poucos dados fechados já foram divulgados, entre eles a queda na produção de automóveis e a desaceleração no crédito. Por outro lado, as pesquisas de confiança conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostraram recuperação na maioria dos índices em agosto.

As sondagens do Ibre mostraram que o índice de confiança do consumidor cresceu 4,4%, o de serviços, 4,3%, e o do comércio, 5,8%, em agosto na comparação com julho, feito o ajuste sazonal. No Ibre, a confiança ainda caiu na indústria (0,6%) e na construção (2,1%). Na indústria, foi o pior nível desde julho de 2009. Já na CNI, há clara recuperação da indústria, ainda que o índice seja fraco. O indicador mostrou uma recuperação de 2,6 pontos sobre julho. Em muitos casos, os índices estão abaixo de igual período do ano passado, mas o comércio teve o melhor índice do ano, enquanto a confiança do consumidor voltou ao mesmo nível do segundo trimestre.

Para o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o resultado positivo, acima das expectativas do mercado – a média de alta aferida pelo Valor Data era de 1% -, afetará a confiança positivamente e alentará as expectativas para o segundo semestre. “Isso pode beneficiar os leilões de concessões nos próximos meses”, afirma, observando que os investimentos já ajudaram o PIB ao longo de todo o primeiro semestre. Para Belluzzo, existe um “pessimismo exagerado” entre os analistas de mercado e suas projeções. Ele prevê avanço de 2,5% no PIB em 2013.

Carlos Kawall, economista-chefe do banco Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, espera estabilidade no PIB do terceiro trimestre e, ao mesmo tempo, elevou sua estimativa para o ano de 2% para cerca de 2,3%. Os dados, diz ele, mostram confiança baixa, aumento de estoques e alguma retração do crédito, “indicando um terceiro trimestre bastante diferente do segundo”. Para ele, elementos que reforçaram o pessimismo em julho ainda estão presentes. Foi neste início de terceiro trimestre, diz, “que o mercado financeiro ficou mais turbulento diante das preocupações referentes aos Estados Unidos, vieram as altas nos juros e no dólar, as manifestações populares.”

Além da recuperação da confiança, há pouco dados concretos já divulgados sobre julho e agosto. Amanhã sai o resultado da produção industrial e espera-se queda moderada. A LCA Consultores projeta retração de 0,6%.

Outra incógnita para o segundo semestre é o comportamento do setor externo, uma das boas notícias do segundo trimestre. Sozinho, o setor externo contribuiu com 0,7 ponto percentual (quase a metade) do crescimento de 1,5% do PIB, na estimativa de Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil. Essa “ajuda” resultou de um salto de 6,9% das exportações e um avanço de 0,6% das importações.

Para Kawall, pode-se esperar um certo resfriamento das importações e uma melhor performance das exportações. Mas ele não considera que esse será um elemento importante para a economia no segundo semestre, porque o peso do setor externo do PIB é pequeno, algo próximo de 10%.

Solange Srour Chachamovitz, economista-chefe da ARX Investimentos, diz que o dólar, antes de ajudar, vai atrapalhar. “Ele afeta a demanda, porque provoca inflação, o que reduz o poder de compra da população”, observa, acrescentando as incertezas geradas pela atual volatilidade do câmbio.

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Custo da mão de obra fica mais competitivo

Valor Econômico

A desvalorização cambial nos últimos meses reduziu o custo do trabalho na indústria, em dólares, deixando o setor um pouco mais competitivo no período, de acordo com cálculos da MB Associados. Embora o alívio ainda seja visto com reticência por causa do efeito adverso do real mais fraco, como o encarecimento dos insumos industriais, economistas e empresários do setor avaliam que a moeda americana mais cara tende a abrir uma janela para a recuperação da indústria, que fica menos exposta à competição de produtos importados. Nesse quadro, na tentativa de não deixar “escapar” esse ganho proporcionado pelo câmbio e em meio ao desaquecimento do mercado de trabalho, a percepção é de que os ventos nas negociações salariais, antes mais favoráveis aos trabalhadores, podem ter começado a virar a favor de empresários.

O custo unitário do trabalho em dólares, uma estimativa do crescimento real do salário acima da produtividade e que considera a variação do câmbio no período, recuou 6,1% nos doze meses encerrados em junho deste ano, de acordo com a MB Associados. Neste período, a taxa de câmbio real se desvalorizou em 9,24%.

A menor pressão da mão de obra sobre os custos do setor industrial não decorreu somente da perda de valor do real em relação à moeda americana. Foi influenciada também por fatores internos. No segundo trimestre, o custo do trabalho em reais ficou 0,3% menor do que em igual período do ano anterior, sempre descontada a inflação do período. Em 12 meses, o indicador ainda acumula alta de 3,1%, mas a variação do custo da mão de obra para a indústria, na moeda brasileira, é praticamente a metade da alta de 6,4% que era observada nos 12 meses encerrados em junho de 2012.

Entre os dois períodos, houve uma mudança no comportamento da produtividade. Entre 2011 e 2012, ela recuou 1,5%, enquanto nos doze meses encerrados em junho deste ano a relação entre a produção do setor e o número de horas trabalhadas avançou 1,3%. O crescimento da folha de pagamentos da indústria, que era de 3,5% em meados de 2012, foi até maior em igual período deste ano, passando para 3,8%.

Dados elaborados pelo Itaú Unibanco também mostram que os salários no Brasil deixaram, neste ano, de ser os mais altos entre um conjunto de países emergentes, situação que era observada em 2012. De acordo com dados que já consideram a escalada do dólar na primeira quinzena de agosto, os salários anuais per capita no Brasil estão menores do que na Rússia e mais próximos dos praticados no México, na comparação com o ano passado. O câmbio também encurtou a diferença entre a remuneração dos chineses e brasileiros, que cai de 70% para 21,8% se considerados o câmbio de 2012 e o atual. No entanto, quando também são levados em conta benefícios trabalhistas, como plano de saúde, por exemplo, o Brasil ainda tem o maior salário em um grupo de cinco países (que inclui a Índia).

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que embora a desvalorização do câmbio tenha dado certo alívio de custos para o setor manufatureiro nos últimos meses, seria preciso que o dólar subisse muito mais para reverter as perdas decorrentes do período em que a divisa doméstica se valorizou. Em junho, o custo unitário do trabalho ficou 4% mais barato do que em igual período do ano passado, mas ainda é 6,2% maior do que em junho de 2008.

“É ilusão imaginar que o câmbio vai salvar a indústria. Hoje o Brasil é muito diferente da economia excessivamente fechada dos anos 80, quando depreciação disparava o crescimento como foi em 1984”, afirma Vale, por causa do aumento da presença de insumos importados na estrutura produtiva da indústria doméstica.

Vale acredita que, apesar do benefício potencial para a indústria não ser tão expressivo, “os empregados certamente tentarão demandar uma parte desse “ganho”, já que a inflação segue elevada e para os sindicatos deve prevalecer a visão de que a indústria está sendo beneficiada pelo câmbio desvalorizado, afirma o economista. “Esse conflito de desejos e entendimento poderá levar a mais confusões no segundo semestre, com risco maior de greves”, diz.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, também avalia que o cenário agora tende a ser mais complicado para as negociações salariais, mas não apenas porque as indústrias vão tentar manter a competitividade dada pelo câmbio por meio de reajustes menores. “O mercado de trabalho mostra desaceleração importante, e isso reduz o poder de barganha dos trabalhadores”.

A combinação de reajustes menores de salários e aumento da produtividade, afirma Lima, contribui para a recuperação gradual do setor industrial. No segundo trimestre, o setor aumentou em 1,1% a produção na comparação com os três primeiros meses do ano, feitos os ajustes sazonais. A desvalorização do câmbio, no entanto, tem papel central no processo de retomada do setor, em sua avaliação, ainda que aconteça apenas em termos relativos, com recuperação do espaço perdido para importados, já que o consumo dá sinais de arrefecimento.

Lima afirma que outros itens que costumam aparecer na pauta da “reindustrialização do país”, como aumento da eficiência do sistema logístico brasileiro, tendem a beneficiar também as importações e podem não ter todo o efeito esperado para a indústria se o câmbio permanecer valorizado.

“Não é razoável dizer que o câmbio não é essencial”, afirma. Para Lima, a reação é mais rápida em alguns setores, como o automotivo, em que as exportações subiram 20,4% no segundo trimestre, em relação a igual período do ano passado, mas tende a afetar todos os setores em algum momento.

Para Aurélio Bicalho, economista do Itaú Unibanco, a questão central é que a mudança de patamar do real pode gerar algum benefício em termos de competitividade para a indústria no curto prazo, mas não garante aumento da produtividade, “que, de certo modo, é o que vai permitir que a atividade econômica possa crescer a taxas maiores. Apenas a taxa de câmbio não vai fazer com que a indústria fique mais eficiente”, diz Bicalho, que também cita investimentos em infraestrutura, educação e redução da carga tributária como necessários para esse movimento.

Bicalho considera natural que haja acomodação do mercado de trabalho, após o período recente, em que os salários cresceram bem acima da produtividade, o que provocou um desequilíbrio que agora precisa ser ajustado. “O câmbio ajuda temporariamente, mas é a correção de fatores persistentes que vão contribuir mais para a produtividade da indústria”.

Para Luiz Cezar Rochel, gerente de economia da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o câmbio terá impacto positivo pois, além de incentivar exportações e funcionar como uma barreira natural aos importados, todos os preços dos itens não comercializáveis, como mão de obra, aluguel e serviços de terceiros ficam mais competitivos em dólar com a mudança de patamar do câmbio, o que minimiza o encarecimento dos insumos.

Para garantir essa distensão dos custos, Rochel avalia que será preciso haver “bom senso” nas negociações salariais no segundo semestre, chegando a um valor “que acomode bem tanto trabalhador quanto a indústria, porque o concorrente ainda é a indústria chinesa, que tem patamar de competitividade muito grande”.

Para Walter Cover, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Material de Construção (Abramat), a desaceleração do custo do trabalho tanto em dólar quanto em reais é positiva, mas em sua avaliação o mercado de trabalho, embora em desaceleração, ainda é um gargalo para o setor. “Já tivemos reajustes de 10% em termos nominais, mas neste ano as reposições salariais foram menores, de 8% a 9%, mas mesmo assim superaram a produtividade”, diz Cover. A expectativa é que os reajustes fiquem mais próximos da inflação e que o setor ganhe em produtividade, o que tende a tornar essa relação mais equilibrada.

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Alta do dólar deixa brasileiro ‘mais pobre’

O Estado de S. Paulo

A alta do dólar em relação ao real nos últimos meses tornou o brasileiro “mais pobre”. Apesar de o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, divulgado na sexta-feira, ter ficado acima das expectativas, com alta de 1,5% sobre o trimestre anterior, o fato é que, em dólar, o brasileiro já perde poder de compra.

O PIB per capita, que mostra a divisão da criação de riqueza dopais peio número de habitantes, vem encolhendo. Depois de atingir o pico de US$ 12.690 em 2011, caiu para US$ 11.460 no ano passado. O repique do PIB no segundo trimestre fez esse ganho voltar para a casa de US$ 12 mil; mas, para o encerramento deste ano, a perspectiva de baixa permanece.

Segundo cálculo da analista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria Integrada, ao final de 2013, a cota de riqueza de cada brasileiro será de US$ 10.920, quase 5% abaixo do valor ao final do ano passado – considerando-se um crescimento de 2,1% do PIB e uma taxa de câmbio de R$ 2,40. Será a primeira vez, desde 2009, que o resultado ficará abaixo de US$ 11 mil. Naquele ano, o PIB per capita foi de US$ 8.470.

A queda na riqueza individual não é um mero efeito contábil. Na vida real, a cotação do dólar baliza – direta e indiretamente – o preço de uma série de produtos. Os importados exprimem a variação de maneira instantânea. Se há alta, como agora, o preço sobe na hora.

Um iPad básico, na loja em Nova York, custa US$ 499 desde o lançamento pela Apple, em 2010. O turista brasileiro pagou o equivalente a R$ 989 por ele em abril deste ano, quando o dólar estava abaixo de R$ 2,00. Mas vai desembolsar R$ 1.189 se quiser levá-lo hoje.

Insumos. Mas não é preciso sair do País para ver o efeito do câmbio nos preços. Insumos e componentes importados estão embutidos numa incontável lista de produtos produzidos dentro das fronteiras.

O Brasil importa mais da metade do trigo que consome – e trigo vira farinha, a essência do pãozinho. Apesar de as cervejas nacionais terem na composição misturas a base de milho e arroz produzidos no mercado interno, por volta de 40% dos ingredientes de uma loira gelada são importados.

No celular, o aparelho que está na mão de praticamente todos os brasileiros, 70% dos componentes são comprados com moeda estrangeira.

De 2007 para cá, o chamado índice de penetração de importados, que mede a participação de insumos e componentes estrangeiros nas linhas de produção brasileiras, só fez aumentar. Nos produtos feitos a base de petróleo, passou de 11% para 21%. Nos têxteis, de 12% para 22%. Na metalurgia, foi de 13% para 20%.

“”O câmbio pega de forma generalizada”, comenta o economista Juarez Rízzieri, professor da Universidade de São Paulo. “Assim, não apenas o consumidor fica mais pobre em dólar, mas também o empresário, que paga mais para importar e para investir.”

Alimentos

Um simples passeio por uma padaria pode dar a dimensão de como a valorização do dólar tornou-se parte do dia a dia do brasileiro. A Galeria dos Pães, no bairro de Higienópolis, na capital paulista, é um bom exemplo. O estabelecimento é praticamente uma fábrica de guloseimas. Instalado num prédio de 600 metros quadrados, nunca fecha e, para oferecer mais de 200 tipos de pães, bolos e doces aos 5 mil clientes que recebe diariamente, compra quase duas toneladas de farinha por mês.

De acordo com Milton Guedes de Oliveira, sócio-fundador da Galeria dos Pães, os aumentos dolarizados estão vindo de todos os lados. Suas castanhas, frutas cristalizadas, vinhos, salames e queijos mais finos, como brie, são importados e acompanham a variação do cambio. “Curiosamente, o preço do cacau, do açúcar, da castanha de caju e do óleo de soja – 100% brasileiros – também seguem o câmbio, porque são produtos típicos de exportação e têm seus preços formados no exterior.

Nos últimos meses, três dos sete ingredientes básicos utilizados na fabricação do pão francês tiveram alta: a farinha (18%), o açúcar (15% no acumulado, mas chegou a ter alta de 40%) e o fermento (10%). Oliveira nem repassou os aumentos e já sente a retração dos clientes. “Estamos voltando no tempo”, diz ele. “Os fornecedores temem fazer encomendas porque não sabem quanto vão pagar pelo pedido e há quem faça o reajuste sem nenhum planejamento.”

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Transportes: Mudanças para atrair investidores

O Globo

O governo federal vai reformular a área de transportes, em busca de uma gestão mais eficiente que atraia investidores para as concessões. A mudança começará pela área de ferrovias. Nos próximos dias, será editada uma Medida Provisória que acaba com a Valec Engenharia, Construções e Ferrovias e cria a Empresa Brasileira de Ferrovias S.A. (EBF).

Pela minuta do texto, a nova empresa terá como atribuição gerenciar a demanda da malha férrea que será concedida à iniciativa privada pelo Programa de Investimentos em Logística (PIL), lançado há um ano, mas que ainda não saiu do papel.

Se, por um lado, a mudança deve agradar ao setor privado — já que a Valec é costumeiramente associada a má gestão —, por outro, deverá comprometer o cronograma de concessões de ferrovias, dada a incerteza regulatória que uma MP em tramitação traz ao mercado e aos órgãos de controle.

O primeiro leilão seria o trecho da ferrovia Norte-Sul de Açailândia (MA) a Barcarena (PA), no dia 18 de outubro. — Nós estamos trabalhando com a possibilidade de o processo ter continuidade e, se houver atraso, é compreensível, porque é um modelo novo. Vamos adaptar o nosso cronograma, as nossas datas, a partir da liberação do Tribunal de Contas da União (TCU) — disse ao GLOBO o ministro dos Transportes, César Borges.

Novos trechos

Prestigiado pela presidente Dilma Rousseff, que deu sinal verde para as mudanças, Borges confirmou ao GLOBO a reestruturação do setor de transportes. No caso das ferrovias, além do fim da Valec e da criação da EBF, haverá nova distribuição dos trechos a serem licitados em relação aos previstos inicialmente. Serão levados a leilão os trechos da Norte-Sul de Ouro Verde (GO) e Estrela D”Oeste (SP), que deverá ficar pronto em 2014, e também o trecho de Palmas (TO) a Anápolis (GO), com previsão de conclusão das obras até março.

No caso de concessão de uma ferrovia já pronta, a EBF poderá atuar como gerenciadora de demanda nesse projeto experimental já no próximo ano, sem ter de esperar cinco anos para começar a desempenhar esse papel — prazo que uma ferrovia costuma demorar para ser construída.

Também para destravar as ferrovias em construção, no próximo mês, deverá ocorrer a primeira licitação de trilhos para abastecer trechos da Norte-Sul e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), com previsão de conclusão até o início do próximo ano. As licitações anteriores, de 150 mil toneladas de trilhos, foram interrompidas por orientação do TCU e fatiadas em compras menores, de 40 mil, que agora terão início.

O ministro revelou ao GLOBO detalhes da nova empresa que substituirá a Valec. Além de construir ferrovias e administrar garantias e capacidades das linhas concedidas, também vai regular o Operador Ferroviário Independente (OFI) e o Gestor de Infraestrutura (GIF), figuras novas no modelo proposto na MP.

Depois do envolvimento da Valec em escândalos financeiros — que levaram seu ex-presidente José Francisco das Neves, o Juquinha, à prisão — o Ministério dos Transportes quer reforçar a qualidade da governança da nova estatal com um conselho de administração mais fortalecido. Tudo isso para aumentar o apetite dos concorrentes dos leilões, que agora devem superar os R$ 91 bilhões em investimentos em 35 anos.

Hidrovias serão leiloadas

A Medida Provisória que acaba com a Valec, enviada à Casa Civil na semana passada, é a primeira parte de um projeto mais amplo de reestruturação do setor de transportes. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) também deverá trocar de nome.

Vai virar Departamento de Infraestrutura Rodoviária (DIR) e ser enxugado, para cuidar apenas de rodovias. A Companhia Docas do Maranhão vai se tornar Empresa Brasileira de Hidrovias (EBH) para cuidar do transporte pelos rios, que deverão entrar na lista das concessões de uma segunda etapa do PIL.

A proposta de reforma dessas duas autarquias já saiu do Ministério dos Transportes e está sob análise no Planejamento. — Aproveitamos a estrutura existente e não criamos novas estatais — disse Borges. — No caso das hidrovias, é preciso fazer uma série de intervenções e, dentro do Dnit, não vejo essas questões tendo o enfoque e a importância que merecem.

 

Há cinco meses no cargo, o ministro que recolocou o seu partido, o PR, na pasta ganhou força dentro do governo. As mudanças visam a tornar as concessões do setor mais competitivas e atrair mais investidores, movimento tido como fundamental pelo Palácio do Planalto.

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