Basta de perseguir o pensamento dissidente: Liberdade para o professor Francisco Toloza

O tempo todo prendem os nossos companheiros. Tentam nos cansar e desgastar. Não passa um mês sem que eu não tenha que escrever me solidarizando com algum revolucionário que foi encarcerado. Isso é o que chamam de “liberdade”? Isso é o que denominam de “pluralismo”?

Este é “o mundo livre”? Por favor! Soltam um, e, no outro dia, prendem outro companheiro.

Acabam de soltar o cantor e compositor Julián Conrado e, ao mesmo tempo, encarceraram o professor Francisco Toloza. Eles nos mantém “ocupados” pedindo e reclamando todo o tempo: “soltem fulano”, “libertem sicrano”. Na Colômbia. Também na Argentina. No Paraguai. Em todo o continente. Acabamos de ir ver um dirigente piqueteiro na prisão e já há outro trabalhador rural preso. Mal soltaram um cantor popular e já colocaram atrás das grades um conhecido professor universitário. E nesse vai e vem a vida segue. Visitando presos, escrevendo todo o tempo estas cartas de solidariedade, tratando de parar a repressão, a perseguição, a demonização. Até quando?

E enquanto isso…. Eles seguem fazendo seus negócios sujos. Imundos negócios. Com seu sorriso cínico na boca. Mostrando sempre os dentes em cada fotografia, como se fossem modelos da TV que fazem anúncios de pasta de dente. Falsidade. Seus sorrisos são de papelão. Cinismo puro e duro. Não é um riso solto, relaxado, de alegria espontânea e serenidade de espírito. É um sorriso artificial para a foto, duro, petrificado, meditado, planejado, manipulado. Riem enquanto destilam veneno, odeiam e prendem o povo. Gente má. Sim, gente má. Não apenas exploram, degradam, humilham o nosso povo e entregam nossas riquezas e recursos naturais. Além de tudo isso, são pessoas. Sua risada é a de uma hiena.

Conhecido intelectual e professor universitário colombiano caiu prisioneiro. Seu nome é Francisco Toloza. Ele é a bola da vez. Não lhes bastaram colocar na prisão o professor Miguel Ángel Beltrán, grande conhecedor da historiografia sobre Simón Bolívar e o pensamento teórico de José Martí. Não ficaram satisfeitos com as ameaças de morte ao professor Renán Vega Cantor, erudito de sociologia e grande pesquisador colombiano. Não. A lista segue. Agora é Toloza, o jovem e valente intelectual Francisco Toloza. “Pacho” Toloza, para seus amigos e companheiros.

Todos eles vieram a Buenos Aires, passaram pelas aulas universitárias na Argentina, compartilharam seus saberes, suas leituras, seus livros, suas teorias, seus debates. O movimento estudantil argentino, seus professores, seus pesquisadores universitários e cientistas os conheceram. E, com um sabor amargo na boca, com um ácido no estômago, nos inteiramos agora que estão presos. Que os caçam como moscas. Que os tratam como se fossem delinquentes. Dá asco. Não escondamos o que sentimos. Dá asco. Que classe social dominante, corrupta, degradada, mafiosa e ignorante que não pode permitir o que até uma burguesia lúcida e pensante se permitiria: que haja alguns intelectuais que opinem diferente, que escrevam seus livros, que deem conferências. Não. A burguesia colombiana, submissa e obediente até a humilhação com o imperialismo estadunidense, por momentos mais papista que o papa, persegue sem piedade até o último pensador que se anime a escrever duas linhas expressando um pensamento diferente.

E não só perseguem sistematicamente todo pensador, mas também todo escritor, toda voz dissidente. Fossas comuns. A última que se encontrou (até onde temos notícias) albergava nada menos que 2.000 (dois mil!) cadáveres, sepultados como NN, sem nome nem sobrenome, sem tumba individual. Nem sequer um símbolo religioso singular que desse consolo a cada família de cada morto. Nem isso! Não era uma fossa comum de cinco décadas atrás… Era no ano de 2007. Muito recente! Nada o diferente do Chile de 1973 ou da Argentina de 1976.

Até quando vamos seguir permitindo isso? Até quando vamos continuar aceitando que esse país participe no concerto internacional das nações modernas “democráticas” e “constitucionais”? Por que o Estado da Colômbia segue formando parte dos organismos multilaterais latino-americanos sem receber sanções diplomáticas ou comerciais que de uma vez por todas discipline sua classe dominante e a obrigue – gostando ou não – a garantir ainda que minimamente os direitos democráticos, típicos de qualquer país burguês? Aqui não se trata de direitos populares ou socialistas. Não! Na Colômbia não se respeitam nem os direitos jurídicos burgueses. Nem sequer isso.

Professor Francisco Toloza. Muito preparado. Com uma leitura consistente. Culto. Erudito. Persuasivo. Grande orador. Inundava cada uma de suas orações com dados empíricos e bibliografia atualizada. A primeira impressão que tivemos dele foi impactante. O professor Francisco Toloza fala rápido e sem parar. Com um entusiasmo e uma energia que não tenta dissimular. Por trás de suas grandes lentes de plástico negro, com um boné que nunca abandona, tirando e colocando durante horas, movendo as mãos, fazendo gestos e, enquanto isso, proporciona cifras constrangedoras, dados empíricos demolidores da sociedade oficial colombiana.

Conhece a dedo a história de seu país e a conformação sociológica de sua formação econômico-social. Porém, como viajou por vários países representando a sua organização social e política, a Marcha Patriótica, ao mesmo tempo vai descrevendo a situação do movimento popular de muitos países da América Latina. E não acaba por aí. Começa a falar da Europa Ocidental. Dá detalhes da situação de cada país europeu, suas tendências, seus debates, como está o movimento operário, como se encontra o movimento estudantil, o que pensam em cada país e em cada movimento popular europeu sobre a Nossa América. Sim, falar com o professor Francisco Toloza provoca um impacto.

Nós o conhecemos pessoalmente em Buenos Aires. O professor Toloza estava então pedindo e reclamando solidariedade para a federação estudantil universitária. Contatou, junto com Atilio Borón e Jorge Beinstein, todos os professores da Universidade de Buenos Aires (UBA). Seguramente deve ter falado com outros pesquisadores também. Algum tempo depois voltamos a nos encontrar no México, em um seminário internacional organizado anualmente pelo Partido do Trabalho (PT) do México, do qual participaram intelectuais de todo o mundo, incluindo estadunidenses e europeus. Em meio dessa multidão, escutamos com surpresa: “Ei, professor Nestor, como está? Vamos tomar uma cerveja? Podemos conversar um pouco?” (Eu sempre sorria quando ele me chamava de professor, quando na prática Toloza sabe muito mais do que nós de uma quantidade enorme de temas. Pensei comigo mesmo que talvez seja um costume colombiano essa maneira de falar).

E com essa cerveja compartilhada ficamos durante horas conversando sobre cifras, dados, livros, artigos, textos e debates. Uma grande preparação intelectual. No mesmo estilo de Renán Vega Cantor e Miguel Ángel Beltrán. Não é casual que todos eles tenham sido “marcados” pelos poderosos na Colômbia e seus aparatos de vigilância e repressão. Não é acidental que na Colômbia tenham sido perseguidos, ameaçados ou diretamente feito prisioneiros. Em outro país lhes premiariam (por exemplo Renán Vega recebeu o «Prêmio Libertador ao Pensamento Crítico» na Venezuela; no México, dentro da UNAM e no âmbito de suas pós-graduações em ciências sociais e estudos latino-americanos, os principais pesquisadores não deixaram de me falar maravilhas de Miguel Ángel Beltrán, já que havia dado aulas ali). Na Colômbia, ao contrário, a sociedade oficial os trata como se fossem “criminosos”, quando seu gravíssimo pecado e seu principal “delito” foi e é atuar como intelectuais comprometidos com seu povo e sua nação. Claramente o que deveria fazer com sua vida qualquer intelectual que se apresente como tal.

Que notável diferença a atitude intelectual desses companheiros (Vega Cantor, Beltrán, Toloza) frente a tantos “doutores” que andam circulando por Buenos Aires, e não podem articular nem sequer palestras porque estão presos dentro do seu aquário e de sua pequena parcela de “especialistas”! Com esses companheiros, ao contrário, se pode falar de tudo. Manejam um leque incrível de problemáticas, autores e debates. Nota-se, simplesmente vendo-os, que são intelectuais militantes – o que não implica nenhum delito jurídico – e por isso mesmo nunca aceitaram ser “especialistas” nesse sentido tão medíocre e rasteiro que outorga a esse termo o Banco Mundial. Especialistas, ruminadores e ventríloquos de “papers” insulsos, inodoros, incoloros, insípidos, orgulhosos de sua douta ignorância em tudo aquilo que não seja seu microscópico e intranscedente “tema de beca” ou de tudo o que se interponha em seu mesquinho caminho de ascenso nos escalões acadêmicos. Já dizia nosso querido Deodoro Roca, ideólogo da Reforma Universitária de Córdoba em 1918, que “o puro universitário é uma coisa monstruosa”. O professor Francisco Toloza constitui precisamente a antítese desse tipo de intelectual medíocre e submisso.

Toloza é sim um intelectual universitário, mas em um sentido muito mais rico e completo, comprometido até os ossos com seu povo, tal como reclamava Deodoro Roca. Por isso, fiquei tão contente em escutar agora um vídeo seu em que se acaba de difundir a raiz de sua injusta detenção na Colômbia, onde Toloza reivindica com nome e sobrenome o nosso Deodoro Roca e a Reforma Universitária de Córdoba (1918).

Onde falei com Pacho Toloza nas vezes em que nos cruzamos? Na Argentina e no México, onde Pacho Toloza não deixou de denunciar o Estado gangster e mafioso que dirige seu país há décadas. A situação calamitosa da educação pública. A violação sistemática dos direitos humanos. A miséria de seus trabalhadores rurais e a exploração de sua classe trabalhadora urbana. A perseguição oficial contra qualquer tipo de oposição política. Foi isso que tanto enraiveceu os juízes que o encarceram. Porque o professor Toloza jamais calou a boca. Se visitou outros países não foi para buscar uma receita mesquinha ou lucro pessoal, para “acomodar-se” nem para mendigar uma migalha de lástima. Não. O professor Francisco Toloza não deixou nem um minuto, seja na Argentina, no México ou na Europa, de reclamar pelos direitos de seu povo para viver em liberdade, com justiça social e respeito aos direitos humanos. Isso não constitui delito algum. Ao contrário! Por isso nos enche de orgulho tê-lo conhecido e escutado.

Mas, para além de sua erudição acadêmica, sua militância incansável e sua paixão política, Pacho Toloza é um homem com um humor hilário. Assim que pega confiança, começa a fazer piadas e brincadeiras. Inclusive é um grande imitador. Quando vivermos no socialismo e já não tenhamos que nos preocupar com os assassinatos, com a perseguição política da oposição, com a censura ou o encarceramento da dissidência, o professor Toloza bem poderia ganhar a vida em um programa de humor.

Tomara que a solidariedade internacional não deixe de crescer. Oxalá que bem cedo possamos voltar a conversar com ele em liberdade, falando de Simón Bolívar, da história de seu abnegado povo e escutando suas piadas, suas brincadeiras e sua risada sincera.

Universidade de Buenos Aires (UBA), Argentina

Sábado 11 de janeiro de 2014

Tradução: PCB Partido Comunista Brasileiro