A onda conservadora no mundo e as lutas atuais na América Latina

imagem(ENTREVISTA COM IVAN PINHEIRO, SECRETÁRIO GERAL DO PCB – O PODER POPULAR – número 3)

1) O PODER POPULAR: A conjuntura mundial de aprofundamento da crise do capitalismo aponta para o avanço dos atos imperialistas contra a soberania dos povos e para o crescimento do pensamento conservador, com a eclosão até de manifestações fascistas. Vivemos hoje mais claramente a dicotomia entre socialismo e barbárie?

IVAN PINHEIRO: Essa dicotomia, evidenciada por Rosa Luxemburgo há um século, é de uma atualidade angustiante. Quanto mais se aprofunda sua crise, o capitalismo precisa retirar mais direitos sociais e trabalhistas e, para isso, precisa cada vez mais de repressão às lutas populares e proletárias e de restrição à liberdade de organização política e sindical. O agravamento das contradições interimperialistas radicaliza a disputa por matérias primas, mercados e posições estratégicas entre as potências.

A barbárie já é uma realidade, com milhões de mortos e mutilados pelas guerras imperialistas, sobretudo no Oriente Médio e na África. Basta ver a catástrofe que atinge milhares de vítimas da violência nessas duas regiões, muitos morrendo nas águas do Mediterrâneo, fugindo do caos que a “civilização ocidental” provoca em seus países, em nome da “democracia”, e o rastro de sangue contra populações civis e a destruição de patrimônios da humanidade provocados por organizações terroristas criadas como falsas bandeiras da ação do imperialismo.

Preocupam-nos as tendências fascistizantes, que vicejam mais na Europa, onde a crise do capitalismo é mais acentuada. Como diz nossa camarada Zuleide, o socialismo não é uma fatalidade, mas uma necessidade. Diante do acirramento da luta de classes, urge que o sindicalismo classista e o movimento comunista internacional revolucionário reforcem sua articulação e unidade de ação, superando e derrotando a atual hegemonia das organizações reformistas, que semeiam ilusões de que é possível humanizar e democratizar o capitalismo.
2) O PODER POPULAR: Na América Latina, o governo Obama, ao mesmo tempo em que acena com a liberalização das relações com Cuba, ameaça intervir militarmente na Venezuela. Como se explica esse quadro?

IVAN PINHEIRO: A aproximação do governo norte americano com Cuba não se inspira em razões nobres. Há uma motivação estratégica, de olho na reestruturação econômica em curso na Ilha. Os EUA precisam disputar influência e mercado com capitais brasileiros, russos e chineses e alimentam a obsessão por um abraço da morte, agora “suave”, no socialismo cubano. Há também uma tentativa de simular que o imperialismo norte-americano “não é mais o mesmo”, tornando-se um vizinho amigo, com o objetivo de se aproximar de governos e povos que lhe são hostis. A dupla moral fica clara quando, ao mesmo tempo, os EUA insistem em desestabilizar a Venezuela e reforçam sua presença militar no continente.

Em relação à Venezuela, o cínico decreto que considera este país uma ameaça à segurança nacional dos EUA foi um ato de desespero, após mais uma frustrada tentativa de golpe contra o governo bolivariano, com vistas a se apropriar da extraordinária reserva de petróleo venezuelana e destruir o processo de mudanças mais avançado na América Latina, o que impactaria negativamente a resistência dos povos da região e a correlação de forças no tabuleiro mundial.

Creio que o tiro de Obama saiu pela culatra. Na Venezuela, uniu as massas em torno do governo Maduro e da experiência bolivariana, reforçou as milícias populares e ainda dividiu e enfraqueceu a oposição conservadora. Na Cúpula das Américas, o desastrado decreto isolou os EUA, chegando a obrigar Obama a vergonhosamente negar a ameaça que fizera e ainda ouvir o corajoso discurso de Raul Castro, denunciando o histórico de golpes do imperialismo contra Cuba e outros países na região e marcando os limites da aproximação entre os dois países, inclusive o respeito à opção do povo cubano pela construção do socialismo.
3) O PODER POPULAR: Quais as perspectivas das forças populares e revolucionárias na América Latina, em especial com relação à luta pela paz na Colômbia? Quais os reflexos desta situação para o restante do continente?

IVAN PINHEIRO: A busca por uma solução política para o conflito militar e social colombiano é de interesse de todos os povos da América Latina, onde a Colômbia é a principal plataforma militar a serviço do imperialismo.

A burguesia colombiana e o imperialismo norte-americano não tomaram a iniciativa de propor conversações com as FARC-EP por pacifismo ou qualquer motivação humanitária. A grande ofensiva bélica dos oito anos de governo Uribe (em que, note-se, Santos foi Ministro da Defesa) não foi capaz de derrotar militarmente a insurgência, mas gerou a ilusão de que a guerrilha estava debilitada. Nesse quadro é que o atual governo imaginou ser possível conquistar a sua versão de paz: rápida, sem grandes custos políticos, econômicos e sociais e com a desmobilização dos insurgentes. O objetivo principal do seu “pacifismo” é melhorar a imagem da Colômbia como um porto seguro para investimentos estrangeiros e entregar seu território às multinacionais, para a exploração intensiva na área de mineração, hidrocarburetos e agronegócio. Em verdade, o fértil e cobiçado território guerrilheiro (incluindo aí o do ELN e do EPL) é o centro da disputa.

O desafio dos diálogos de Havana é que as FARC não estão dispostas a entregar as armas, nem ser vítimas de mais um extermínio, como o da União Patriótica, nos anos 1980. Entendem a paz num sentido para além do aspecto militar, como um processo que signifique mudanças econômicas e sociais, em favor dos trabalhadores e do povo, e políticas, com o fim do paramilitarismo e da violência estatal, a libertação dos prisioneiros políticos. O protagonismo do movimento de massas colombiano, em especial da Marcha Patriótica, é que tem contribuído para garantir os diálogos de Havana e levar para a mesa as aspirações populares.

A solidariedade internacionalista ao povo colombiano não é por uma paz a qualquer preço, uma paz de cemitérios. Não se pode abrir mão do direito dos povos à insurreição sem que sejam superadas as causas que deram origem ao conflito.