O caos da Saúde Pública no Brasil

imagemGente morrendo em hospitais e filas intermináveis para atendimento; dengue, chicungunha, zika e microcefalia; falta de vacinas e medicamentos nos postos de saúde; demora na realização de exames e procedimentos; baixos salários, péssimas condições de trabalho e perda de direitos por parte dos trabalhadores da saúde; denúncias de corrupção e desvio de recursos; terceirização e privatização do setor…. Mas afinal, o que vem acontecendo com a saúde pública em nosso país?

A precariedade da saúde no Brasil sempre foi notícia na grande mídia. Situações particulares são apresentadas como regra geral e sem o aprofundamento necessário para seu entendimento. Essa abordagem tem como intenção desqualificar a saúde pública e gerar insegurança junto à população, favorecendo os processos de privatização do setor, além de apresentar a ideia de que somente a iniciativa privada teria a qualidade necessária para o atendimento às pessoas.

Mas a situação da saúde no Brasil chegou a um ponto que está para além das notícias sensacionalistas. Afeta cada vez mais o conjunto da população. Não é só uma crise no atendimento médico das urgências e emergências. Envolve medidas consagradas e que faziam do país uma referência em saúde pública para o mundo, como o controle de epidemias e os programas de imunização. Mas é impossível entender o que se passa discutindo a situação da saúde em si mesma, sem levar em consideração os determinantes sociais desse processo ou contextualizá-la com as políticas que vêm sendo adotadas no Brasil.

O aumento das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti guarda uma relação direta com a ocupação desordenada das grandes cidades. Moradias em condições desumanas, ausência de saneamento básico, coleta de lixo deficitária, dentre outras, são causas diretas desse problema. Apesar de ainda não estar bem estabelecida a relação direta entre o zika vírus e os casos de microcefalia, por meses foram atendidos pacientes com uma “virose” desconhecida sem que o Ministério da Saúde disparasse qualquer processo de identificação, monitoramento e orientações para o controle dos profissionais de saúde e da própria população em geral. Somente quando os casos de microcefalias começaram a surgir é que houve alguma movimentação por parte do governo federal. E, mesmo assim, foi delegando à população o papel de “protagonista” do combate ao mosquito e, no caso das famílias com crianças acometidas por microcefalia, apontando a possibilidade de um “benefício” de ajuda, como se isso bastasse para assistir toda a complexidade decorrente desta condição.

Não é de hoje que a destinação de recursos para as ações de saúde é insuficiente, e o pouco que lhe cabe ainda passa por contenções recorrentes: em 2015, o governo Dilma cortou cerca de 13 bilhões de reais do orçamento da saúde e, em 2016, já anunciou um novo contingenciamento de 2,5 bilhões. Além disso, a entrega de serviços ambulatoriais e hospitalares para Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), bem como o fortalecimento das parcerias público-privadas, fragmentou a rede de assistência à saúde, impossibilitando a coordenação e a integração de suas ações. Por trabalharem numa lógica de mercado, não são as necessidades de saúde da população que orientam a atuação destas entidades, mas sim a relação custo-benefício, em que o atendimento oferecido é orientado para o lucro ou o não prejuízo, constituindo uma forma disfarçada de privatização.

A relação de dependência do Sistema Único de Saúde (SUS) com o setor privado remonta ao abandono da proposta inicial de substituição progressiva dos serviços conveniados por uma rede assistencial própria totalmente estatal. Desta forma, a iniciativa privada é cada vez mais responsável por ações de alta complexidade e que permitem auferir lucros vultosos, “vendendo” serviços ao Estado. A este cabe somente a execução daqueles procedimentos que pouco provavelmente possibilitariam ganhos. Com isso, os parcos recursos da saúde são drenados para a iniciativa privada, contribuindo ainda mais para o comprometimento dos investimentos em saúde pública.

Este cenário apresenta-se ainda pior quando percebido sob a ótica dos profissionais de saúde. Conscientes do desmonte pelo qual passa a saúde pública no país, muitas vezes são impedidos de prestar uma assistência apropriada à população por falta de condições mínimas de trabalho. Como se não bastasse esta situação angustiante, ainda precisam conviver com os ataques aos seus direitos, baixos salários e formas de contratação cada vez mais precarizadas, além de serem apontados como vilões pelos governantes quando realizam greves na tentativa de minimizar esses problemas. Nestas situações, a responsabilização pela interrupção da assistência nunca é atribuída ao Estado, e a população tem dificuldade em entender que a luta dos profissionais de saúde é uma luta também pelo direito de todos à saúde.

Em meio a esse caos, a iniciativa privada quer se apresentar como a única opção, como “salvadora da pátria” na área da saúde. Apesar de não ser acessível a todos, atualmente já há uma grande parcela de brasileiros com planos de saúde. Mas isso não os isenta de problemas: os planos de saúde são os campeões de reclamações por causa dos aumentos abusivos dos valores cobrados, doenças e procedimentos que não são cobertos, demora nas autorizações, falências de operadoras, etc. No final, apesar dos altos preços pagos aos planos de saúde, é no SUS que a população encontra a garantia de algum atendimento.

A causa primeira de todos esses problemas encontra-se no modelo capitalista de desenvolvimento e nas suas consequências para as políticas públicas. Enquanto a prioridade da destinação dos recursos da União for a garantia do superávit primário, e o setor privado for privilegiado na execução das políticas de saúde, iremos conviver com essas mazelas. O caos na saúde é de responsabilidade única dos governos que se sucederam no país e da subserviência destes aos interesses do grande capital. Só haverá possibilidade de superação desse caos com um sistema de saúde 100% público, inteiramente estatal e sob o controle dos trabalhadores.

O PODER POPULAR Nº 9: http://pcb.org.br/portal2/10615