Angela Davis: mulheres, raça e classe
Angela Davis ficou conhecida internacionalmente por ter sofrido intenso processo de perseguição política nos anos 1970, nos Estados Unidos, quando atuava nos Panteras Negras, organização revolucionária marxista criada para a autodefesa dos negros contra a violência policial. Posteriormente, foi candidata a vice-presidente dos EUA pelo Partido Comunista (CPUSA). É ativa militante em favor da igualdade de gênero e dos direitos da população negra.
Em 1981, escreveu o livro Women, Race & Class (Mulher, Raça e Classe), no qual analisa, de forma original, a relação entre os senhores e os negros e negras escravizados nos Estados Unidos do século XIX, concluindo que a dinâmica familiar entre homens e mulheres escravizados se instituiu de forma muito diferente das relações existentes nas famílias brancas. As mulheres negras, porque eram trabalhadoras tal como os homens, não estavam rebaixadas nas suas funções domésticas do mesmo modo a que as mulheres brancas seriam sujeitadas com o desenvolvimento do capitalismo.
Sem que se deixassem dominar totalmente, as mulheres negras conseguiram passar a suas descendentes livres a herança da tenacidade, resistência e insistência na igualdade sexual, um legado que teria possibilitado as bases de uma nova natureza feminina. As mulheres negras “afirmavam agressivamente a sua igualdade desafiando a desumana instituição da escravatura”, pois eram iguais aos seus homens na opressão que sofreram, eram socialmente iguais aos homens dentro da comunidade escrava e resistiram à escravidão com uma paixão igual à dos homens.
Angela Davis denuncia que, nos Estados Unidos, o abolicionismo foi uma luta hegemonizada pelos industriais capitalistas, que se confrontaram com os proprietários rurais escravistas, pela necessidade de ampliação do mercado interno. De igual forma, critica o feminismo liberal, cujas raízes históricas associam-se ao movimento abolicionista, momento em que parte das mulheres despertou para o fato de que também não possuía direitos políticos, mas reagiu mal à conquista do voto pelos negros, expressando assim sua face racista.
Ela também buscou demarcar as diferenças de pontos de vista entre as feministas em relação ao direito ao aborto e às políticas de controle de natalidade. Considerando a escolha individual pelo controle de natalidade e os métodos contraceptivos seguros como pré-requisitos fundamentais para a emancipação das mulheres, lembra, porém, que, quando as mulheres negras e latinas recorriam ao aborto, não o faziam pelo mero desejo de se verem livres da gravidez, mas por causa das miseráveis condições que as dissuadiam de trazer novas vidas ao mundo.
Muitas das mulheres negras não se envolveram plenamente nas campanhas pelo aborto conduzidas por movimentos feministas originados nas camadas médias brancas, dentre os quais era muito comum assumir que os abortos legais seriam uma alternativa válida para os problemas colocados pela pobreza. Como se ter menos crianças significasse a criação de mais emprego, melhores salários, melhores escolas, etc. Era uma linha argumentativa que não se opunha de fato às políticas eugenistas de esterilização em massa das mulheres negras e pobres, tão em voga no início do século XX nos EUA. Para além do direito ao aborto legal, na verdade, as mulheres negras desejavam mudar as condições sociais que as proibiam de ter mais filhos.
Associando a batalha por direitos à luta contra o capitalismo, Angela Davis diz:
“Minha concepção do feminismo é a de uma emancipação que vai além das fronteiras estabelecidas. As questões de sexualidade, de raça, de classe e de gênero estão intimamente ligadas”.