Irlanda: um século de aspirações não cumpridas

imagemSecretaria de Relações Internacionais do PCB

O Jornal Socialist Voice publicou um importante discurso de Laura Duggan, do Partido Comunista da Irlanda*, no dia 26 de janeiro de 2019, data que comemora os 100 anos da declaração de independência aprovada no Parlamento da Irlanda:

“A divisão** é o arranjo político criado pelo imperialismo britânico como uma solução para a crise colonial causada pela Revolução Irlandesa. A partição e suas instituições servem apenas aos interesses do imperialismo, e não devemos atribuir-lhes qualquer outro significado. Essa divisão de nosso país é construída sob a dominação colonial da Irlanda pela civilização secular, a implantação e a promoção deliberada de antagonismos sectários – tudo pela necessidade imperialista de garantir uma Irlanda estável na qual o capitalismo pudesse prosperar.

A divisão deixou uma cicatriz em nosso país, e a divisão de nosso povo deixou um legado de discriminação, fraturando-nos em divisões religiosas falsamente criadas. Ela dividiu os trabalhadores e suas organizações, que, por quase um século, impediram nossa capacidade de construir uma resistência mais eficaz contra os males do capitalismo: desemprego em massa, pobreza, moradia precária. A lista poderia ser interminável.

Pretendiam dividir as forças democráticas e a classe trabalhadora, encerrando a revolução com segurança, sem a transformação social que ela ameaçava. Como resultado, nos é negada qualquer democracia, soberania ou independência real. Hoje, todas as instituições de governança não mais se limitam ao Parlamento britânico: agora incluem o poder executivo de Belfast (a capital da Irlanda do Norte), o Parlamento da República da Irlanda, em Dublin, a União Europeia e a zona do euro, que servem aos interesses do capitalismo e são um baluarte contra o próprio povo ou qualquer poder democrático significativo.

Essas instituições não devem ser mistificadas por republicanos e socialistas. Está fora de questão buscar um rearranjo sobre quem se situa nelas ou acerca das noções de barganha com eles ou sobre mudá-los de lugar. Eles protegem sua própria classe e servem ao imperialismo igualmente bem com nossa participação.

James Connolly (líder nacionalista irlandês, morto em 1916) nos alertou sobre o perigo que surgiria se nós não entendêssemos a qustão: ‘Se você remover o exército inglês amanhã e içar a Bandeira Verde sobre o Castelo de Dublin, a menos que você estabeleça a organização da República Socialista, seus esforços serão em vão. A Inglaterra ainda governaria você. Ela iria governar você através de seus capitalistas, através de seus proprietários, através de seus financiadores, através de toda a gama de instituições comerciais e individualistas que ela plantou neste país.’

Ao mesmo tempo em que nos opomos resolutamente à partição, devemos tomar cuidado com as respostas que deixarão a Irlanda firmemente presa dentro do sistema do imperialismo, como a busca, da parte de alguns, de uma Irlanda unida dentro da União Europeia. Um país unido sob o domínio de outro ainda não é livre.

A União Europeia e suas instituições foram construídas para proteger e promover os interesses dos bancos, empresas financeiras e corporações europeias às custas do povo. Isso se reflete na dívida imposta pela UE ao povo desse estado. Nosso povo foi obrigado a carregar 42% de toda a dívida bancária da UE. Para os republicanos e os socialistas, nossa meta continua sendo uma república verdadeiramente democrática, soberana, independente e completa, e esse é o único meio de assegurar os interesses da classe trabalhadora.

Essa dominação é desejada, ativamente apoiada e facilitada por uma elite econômica subserviente de nosso país dividido – parceiros menores do imperialismo. O desafio que enfrentamos não é apenas acabar com a partição, mas desfazer a Conquista, acabar com toda manifestação de dominação imperial, seja a intervenção do Estado britânico, a influência combinada da UE e dos EUA, ou realizada através de instituições como o Banco Central Europeu e o FMI. Em última análise, nosso objetivo é o desmantelamento de todas as estruturas e instituições do imperialismo e do capitalismo doméstico. Tudo isso faz parte de uma única luta.

A experiência histórica do último século confirma essa verdade. A mudança radical é necessária se quisermos cumprir as aspirações da Irmandade Republicana Irlandesa (uma organização de vínculo fraterno dedicada à criação de uma República democrática independente) e da Revolta da Páscoa (pela independência, em 1916) e do Programa Democrático que celebramos hoje. A democracia e a soberania nacionais não podem permanecer como exigências abstratas, mas devem se tornar as ferramentas necessárias para manter e controlar todos os recursos naturais, determinar todas as políticas econômicas e sociais que favoreçam a maioria das pessoas, acabar com a divisão e unir nosso povo.

A imposição da partição pelos britânicos conseguiu seu objetivo de limitar nossa capacidade de reunir as forças e criar a unidade necessária para promover mudanças radicais. Temos de continuar a lutar contra esta ação nos nossos esforços para criar uma Irlanda socialista unida.

Notas:/p>

*de toda a Irlanda./p>

** A ilha da Irlanda se tornou independente do Reino Unido em 1922, formando a República da Irlanda. O extremo norte da ilha, habitado maioritariamente por protestantes de ascendência inglesa, permaneceu sob o controle do Reino Unido, com o nome de Irlanda do Norte. Por mais de setenta anos, essa província britânica na ilha da Irlanda foi fonte de conflitos entre protestantes (pró-Reino Unido), conhecidos como Unionistas, e católicos de ascendência irlandesa, que se consideravam colonizados pelos britânicos. Em 1998, as duas partes se reconciliaram na assinatura do Good Friday Agreement, que concedeu mais autonomia política à Irlanda do Norte e suspendeu a fronteira com a República da Irlanda.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: https://socialistvoice.ie/2019/02/not-just-ending-partition-but-undoing-the-conquest/

Categoria
Tag