Paz na Líbia?

imagemA Europa prepara outro ataque militar a África

ODIARIO.INFO

Nazanín Armanian

O diretório das grandes potências europeias juntamente com outros interessados do mesmo calibre realizou em Berlim uma Conferência sobre a Líbia – sem a participação de qualquer representante líbio – convocada pela Alemanha. Do que se trata é, no fundamental, de um entendimento sobre o lacaio de plantão e a partilha do saque. Da Líbia e da restante África.

Em entrevista ao Der Spiegel, o Comissário para os Negócios Estrangeiros da União Europeia (UE), Josep Borrell, colocou a questão do envio de soldados para a Líbia para defender os “nossos interesses com mais força e, se necessário, com firmeza”. A forte presença da Turquia e da Rússia neste país dilacerado e a profunda crise política e econômica na Europa deixaram Bruxelas muito nervosa, que desde a conspiração da OTAN contra a Líbia em 2011 – as suas forças bombardearam o país durante sete meses -, a única coisa que fez foi subornar um bando mafioso chamado “guarda-costas líbios” para impedir, fosse como fosse, a chegada dos refugiados e migrantes feridos e torturados – nesta e em outras guerras imperialistas – à Europa.

“A situação no Sahel não é melhor, pelo contrário: toda a região é um barril de pólvora”, disse Borrel. É verdade que a Líbia é apenas um trampolim para um assalto integral à África, sob o pretexto da “luta contra o terrorismo”, já que ninguém aceitaria que o Mali (onde a Espanha tem tropas) possuísse Armas de Destruição Maciça. O comissário acredita que a Europa tem “muitas oportunidades para exercer o poder” e só precisa de ter vontade de o exercer.

Daí que se tenha realizado em Berlim, em Janeiro passado, uma conferência sobre a Líbia, convocada pela Alemanha.

Houve uma primeira conferência em Berlim

Foi em 1884, quando Otto von Bismark organizou a Conferência de Berlim sobre o Congo para uma nova partilha “civilizada” das colônias na África. Estiveram presentes as potências europeias, o Império Otomano e a Rússia czarista para assinar um “pacto de cavalheiros”, enquanto ocultavam o mar de sangue que corria em resultado das suas atrocidades no continente africano. No entanto, este tipo de acordos dura pouco, uma vez que os jogos de guerra interimperialistas são de soma zero, e os peixes grandes comem (a bem ou a mal), os pequenos. Pouco depois, os “cavalheiros civilizados” organizaram a carnificina da Primeira Guerra Mundial para uma nova partilha que durou apenas duas décadas, quando o general nazi Erwin Rommel pôs os pés na Líbia.

Hoje, com a profunda crise do sistema capitalista, a Alemanha exibe o seu regresso militar ao cenário mundial: a chanceler Merkel atualiza as Diretrizes da Política para África redigidas em 2014, com as quais pretende ter acesso aos “recursos naturais” da África através de um incremento dos seus “compromissos” no continente. Todas as palavras vazias sobre “segurança”, “ajuda humanitária” e etc. são diretamente postas em causa! Sabiam que o presidente da Alemanha Horst Köhler teve que se demitir em 2000 por sugerir que as suas tropas estavam no Afeganistão para “proteger os interesses econômicos da Alemanha” e não para libertar as mulheres da burca nem para combater os Talibãs? “Os mentirosos têm pouca memória!”, diz um ditado persa. O líder do Partido da Esquerda (Die Linke), Dietmar Bartsch, apoia a ocupação da África pelo seu país. Os alemães têm cerca de 1.000 soldados no Mali e uma base militar no Níger.

Também Boris Johnson mostrou a sua estatura ética ao dizer em 2017 que a Líbia poderia ser um Dubai, “apenas haveria que limpar de cadáveres”. Sidney Blumenthal, o agente particular de informações de Hillary Clinton, no famoso e-mail que ela enviou a Hillary em 2 de abril de 2011, observava que a Líbia tinha 143 toneladas de ouro e uma quantidade semelhante em prata, além de “recursos financeiros intermináveis”. Ou seja, os que nos acusam de “teoria da conspiração” quando revelamos a verdade que as guerras “humanitárias” escondem devem-nos um pedido de desculpas.

Hoje a Alemanha, que não participou na demolição do Estado líbio em 2011, devido aos seus suculentos contratos com o governo de Kadhafi, lidera a repartição do bolo.

A segunda conferência de Berlim

Aqui pode destacar-se o seguinte:
• Os que negociaram “paz” na Líbia não convidaram um único líbio para a reunião. O seu primeiro-ministro, Fayez al-Sarraj, que governa Trípoli e o senhor da guerra, o general Califa Haftar, que controla grande parte do país – nenhum deles representa o povo – estavam em Berlim trancados em um hotel e, se não fosse a insistência de Vladimir Putin nem sequer lhes teria sido concedido um visto.

• A Grécia foi excluída devido à pressão da Turquia. Os dois membros da OTAN estão à beira de uma guerra por disputas sobre a distribuição de gás no Mediterrâneo oriental, cujo Fórum ignorou a Turquia.

• Fizeram a revisão das posições de cada um no continente africano para delimitar as suas zonas de interesse, evitando possíveis confrontos militares entre si (deixando que os seus exércitos privados de mercenários morram por eles).

• Decidiram, de momento, manter a integridade territorial da Líbia, embora dificilmente consigam reconciliar Haftar com Serraj, a menos que eliminem um deles da equação.

• Os ocidentais (exceto a Itália) e a Rússia, numa viragem radical, deixam de apoiar o ineficiente pseudogoverno de Trípoli para apostar no bando de Haftar, que vêm como “um guerreiro da África” face a Serraj, que é “um homem islâmico”.

• A Turquia e a Itália pretendem assumir o controle das rotas de migração para se tornarem países imprescindíveis a tomar em consideração.

• A distribuição do saque – uns 48.000 milhões de barris de petróleo de alta qualidade – entre a Total francesa, a italiana Eni (a maior produtora de petróleo e gás da Líbia), a alemã BASF e Wintershall ou a Repsol espanhola dependerá resultado da batalha entre as potências.

• Os EUA conseguem cumprir parte do seu principal objetivo na Líbia: instalar a sede de parte do AFRICOM em terras líbias para desse modo conter a China e OTANizar o Mediterrâneo, desmantelando dois estados hostis: Líbia e Síria. Embora considere este país como um “problema da Europa”, o Pentágono, tal como nos casos do Irã, Síria e Iraque, prossegue os planos do establishment, ignorando o presidente isolacionista.

• A preocupação dos europeus pelo envio de tropas turcas para a Líbia. Tayyeb Erdogan justifica-o com o fato de a Rússia ter enviado seu exército privado Wagner para a Líbia em apoio de Haftar – que conta com um forte apoio dos drones dos Emirados Árabes Unidos, mas carece de força no terreno -, alterando o equilíbrio de forças na guerra entre os dois bandos e seus patrocinadores. Se o Kremlin pensa que Haftar é a reencarnação de Kadhafi, está mais do que enganado, e não apenas porque esse ex-agente da CIA ter sido transferido dos EUA para a Líbia em março de 2011 para destruir o Estado líbio. Em 13 de janeiro, Putin e Erdogan receberam Haftar e Sarraj em Moscovo para assinar um acordo permanente de cessar-fogo. No último momento, o general mudou de ideia e saiu sem notificar os seus anfitriões: pensa que a única garantia de alcançar o poder é chegar a um acordo com os ocidentais ou continuar a guerra, que é um negócio altamente lucrativo.

A Líbia (a África em geral) é outro cenário da Terceira Guerra Mundial que, no século XXI, assume outro formato: é travada entre as potências mundiais no solo de terceiros e através dos seus exércitos privados.

Fonte: https://blogs.publico.es/puntoyseguido/6256/paz-en-libia-iisi-europa-baraja-otro-asalto-militar-a-africa/

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