40 anos depois: o massacre do PCB e a transição para a democracia burguesa no Brasil
O golpe de 1964 não foi um mero golpe militar. Resultou de uma articulação dos setores mais dinâmicos da burguesia brasileira com os grupos conservadores, com vistas à repressão ao ascendente movimento popular e para garantir o pleno desenvolvimento do capitalismo monopolista no país. Prova dessa articulação foi a Operação Bandeirantes (Oban), nascida em São Paulo com financiamento de grandes empresas brasileiras e estrangeiras. O aparelho repressivo virou DOI/CODI (Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) e, sob o comando direto do Ministro do Exército, unificou as ações das Forças Armadas, de delegacias estaduais e das polícias militares no combate àqueles que resistiam à ditadura.
Tratava-se de uma máquina de matar. Uma a uma, as organizações que optaram pela luta armada foram sendo aniquiladas, através de um trabalho profissional de perseguição aos militantes, infiltração nos grupos de esquerda, tortura e morte. Em seguida, deu-se a ofensiva contra o PCB, que passou a ser visto como inimigo maior do regime, pelo entendimento de que o Partido, com seu histórico de lutas e influência no movimento sindical e popular, tinha ramificações em vários setores da sociedade, inclusive na imprensa e no MDB, que adotava postura mais oposicionista. A linha adotada pelo PCB, de investir na luta pelas liberdades democráticas e na retomada do movimento de massas, era percebida, pelos órgãos de repressão, como a mais “inteligente” e perigosa, pois capaz de influir em futuras transformações políticas no país.
Já no início dos anos 1970, a ordem era desmantelar o Comitê Central do Partido e os setores que controlavam suas finanças, o jornal Voz Operária e as relações com os partidos comunistas e com militantes no exterior. Em agosto de 1972, Célio Guedes, camarada encarregado de buscar, de carro, no Rio Grande do Sul, o médico Fued Saad (que havia tirado Prestes do país no ano anterior), foi assassinado e atirado do sétimo andar do 1º Distrito Naval no Rio de Janeiro, para dar a impressão de suicídio. Em 1973, foram capturados dirigentes estaduais paulistas e atacada a célula do PCB na Volkswagen. Em 1974, foram mortos David Capistrano da Costa e Walter Ribeiro, membros do Comitê Central, assassinados e esquartejados na Casa da Morte em Petrópolis; José Roman, militante que fora buscar Capistrano na fronteira com a Argentina; Luiz Inácio Maranhão Filho, responsável pelo diálogo com a Igreja Católica, torturado e morto com injeção de curare, mesmo método utilizado para assassinar João Massena de Melo, também do CC.
A repressão desativou a gráfica do PCB localizada em Campo Grande no Rio, onde era impresso o Voz Operária, justamente quando o jornal ia completar dez anos de clandestinidade. A ordem para acabar com o PCB vinha diretamente do ministro do Exército Sylvio Frota, no momento em que o ditador Ernesto Geisel falava cinicamente em “distensão lenta, segura e gradual” do regime. Em janeiro de 1975, foi preso Raimundo Alves de Souza, responsável pela gráfica. Foram mortos com requinte de crueldade os dirigentes nacionais Élson Costa (atearam fogo em seu corpo e lhe injetaram curare) e Hiram de Lima Pereira, que distribuía o Voz Operária em São Paulo e no sul do país. Marco Antônio Tavares Coelho, que cuidava das finanças, da confecção do jornal e de contatos no exterior, foi barbaramente torturado e ficou preso até dezembro de 1978.
Em fevereiro, Jayme Amorim de Miranda e Itair José Veloso, do Secretariado Nacional, foram sequestrados, torturados e mortos, com seus corpos lançados nas águas do rio Avaré, em São Paulo. No mês de abril, Nestor Vera, antigo líder da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e membro do CC, desapareceu em Belo Horizonte. José Montenegro de Lima, da Juventude Comunista, e Orlando Bonfim Júnior, Secretário Nacional de Agitação e Propaganda, foram sequestrados e mortos, sucessivamente, em setembro e outubro de 1975. Foram ao todo 10 membros do Comitê Central e três militantes com responsabilidades nacionais assassinados pela ditadura, além de muitas outras prisões e mortes de militantes de base.
Na sequência, foram desmanteladas, em São Paulo, as células dos jornalistas, dos estudantes e dos metalúrgicos, acompanhadas das mortes brutais de José Ferreira de Almeida (tenente da PM que distribuía Voz Operária entre militares), do jornalista Vlado Herzog e do metalúrgico Manoel Fiel Filho. Para os três, montou-se a farsa do suicídio nos cárceres onde foram assassinados por tortura.
A morte de Herzog catalisou o descontentamento de amplos setores sociais com a ditadura. Entraram em cena, no final da década de 1970, os movimentos sociais, com destaque para a reativação do movimento operário na região do ABC paulista. Mas a transição democrática se deu sob hegemonia dos interesses capitalistas. À frente dos trabalhadores, prevaleceu uma orientação socialdemocrata tardia, abraçada por “novos” sindicalistas, ex-guerrilheiros e grupos da Igreja. As principais lideranças operárias comunistas haviam sido dizimadas, e a maioria do Comitê Central do PCB voltaria do exílio com posições reformistas e extremamente cautelosas, pregando a unidade com forças do campo conservador. A estratégia da revolução socialista não constava do horizonte político das principais organizações de esquerda do período, o que pode ajudar a explicar a complexa conjuntura brasileira dos dias de hoje.