O Poder Popular: a Greve Geral, as Eleições Diretas e a rearticulação do movimento social no Brasil

imagemGabriel V. Lazzari, Militante do PCB São Paulo

Greve Geral do 28A

A reflexão aqui parte dos esforços para a construção da Greve Geral do dia 28 de Abril de 2017 (28A). Na conjuntura acelerada que vivemos na realidade brasileira, despontou (finalmente, diga-se de passagem) a necessidade e a possibilidade de fazermos uma greve geral no país, em resposta aos ataques que vêm fazendo o Governo Temer desde que tomou o controle do Executivo no Brasil, por meio de um golpe, em 2016. Muitas análises foram feitas sobre essa greve, suas causas, seus desdobramentos, seus limites. Essa que está sendo feita não tem como objetivo detalhar essas questões, mas trabalhar com as duas grandes bandeiras de luta para o período que se seguiu: a manutenção do chamamento a uma nova Greve Geral e o chamamento à priorização da luta pelas eleições diretas (sejam elas somente presidenciais, sejam gerais).

Ainda sem força para uma alteração brusca na conjuntura do movimento social no Brasil, o que vimos no 28A foi o esboço de uma rearticulação sindical e social. Motivada pela agitação operária de cunho político e embate econômico que uma greve geral representa, uma ampla parcela da classe trabalhadora no Brasil aderiu à pauta, seja na construção ativa do movimento grevista, seja na construção passiva das paralisações, seja no acordo político com a pauta e o método – situação inédita para a recente geração.
Essa movimentação não passou despercebida pelas direções mais burocratizadas dos sindicatos e outros movimentos, que passaram a agitar também – é preciso dizer, de forma oportunista – para não perderem (mais) o apoio de suas bases. Esse caso foi visto de forma exemplar nos mafiosos sindicatos de rodoviários urbanos e no pelego sindicato de professores de escolas particulares em São Paulo, mas a tendência foi ampla na classe. Passada a euforia com o sucesso estrondoso do 28A, nos cabe entendê-lo nas suas perspectivas de médio e longo prazo. Temos uma greve geral a ser construída no dia 30 de junho e temos uma luta em curso pelas Diretas Já. Como podem e/ou devem se desdobrar essas duas proposições do ponto de vista dos revolucionários?

Instrumentos de luta: burocracia e apassivamento

O mês e meio que afasta esse texto da greve do 28A mudaram e esclareceram os papeis dos atores políticos em cena. O ímpeto pela Greve Geral como saída unificada e – é importantíssimo nunca esquecer – proletária, em seu conteúdo e forma, murchou. Um recuo foi feito (e recuos devem ser, por vezes, feitos, quanto a isso não há divergências), com uma parte substancial da esquerda brasileira (tanto o setor mais ligado à conciliação de classes quanto o crítico a ela), para uma pauta democrática, liberal.

É preciso sempre reafirmar: os revolucionários não são adversários das pautas democráticas; ao contrário, são seus mais apaixonados defensores, aqueles que querem levá-las às últimas consequências e não abrem mão de que haja uma direção proletária nas lutas por essas pautas. Esse recuo e esse desvio da tática de luta e da bandeira a se levantar tem como causa fundamental um elemento já bastante visível dos últimos anos no movimento social brasileiro: os principais instrumentos de luta dos trabalhadores brasileiros estão sob a lógica da conciliação, da burocratização, do afastamento da base e do apassivamento da classe trabalhadora em momentos de ascensão na luta. Concretamente, podemos citar as centrais sindicais CUT e CTB, grandes em poder de mobilização (é preciso ressaltar a importância delas no 28A), mas recuadíssimas na política para os trabalhadores.

Esse giro de “desradicalização” da luta pode ter uma série de causas: a lógica dos acordos na institucionalidade, o burocratismo próprio das centrais e, claro, o medo de despontarem novas lideranças no movimento social, capazes de derrubar as atuais direções sindicais pelegas. Com isso posto, precisamos analisar como se dará o movimento pela greve geral do dia 30 de junho. Será de extrema importância que essas direções convoquem e construam a mobilização em cada local de trabalho e que também as entidades estudantis e de juventude o façam nos locais de estudo, as associações de moradores nos bairros etc. O esvaziamento dessa construção, que já vem ocorrendo por parte delas, pode ser o prenúncio da derrota dessa próxima greve. Isso, aliado ao recuo dado no Senado com a rejeição à reforma trabalhista, pode colocar panos quentes na mobilização popular, dificultando nossos próximos passos.

Agitação e propaganda revolucionárias: um diálogo

Tem importância, também, nesse balanço, o peso que alguns setores da esquerda estão dando para a agitação em torno das eleições diretas. Ora, a princípio, em um momento de elevação da luta de massas, soaria problemático recuar de uma reivindicação proletária para uma reivindicação democrática. Isso foi posto em prática, porém, e o saldo é de dupla desmobilização: não só a pauta de eleições diretas é menos tangível para a classe do que a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista, mas também abriu-se mão, na construção efetiva, da agitação em torno de uma tática – uma vez que, diferentemente do 28A, em que a tática da Greve Geral estava indissoluvelmente ligada à luta contra as reformas, a luta pelas eleições diretas aparece difusa nas táticas que lhe permitiriam alcançá-la.

Circula, porém, uma crítica: na visão de alguns, a priorização das Diretas seria acertar na agitação, enquanto os que levantam outras bandeiras (a da Greve Geral a ser construída, a do Poder Popular etc.) seriam “ultrapropagandistas”. É preciso enfrentar essa posição, que mistifica a proposição concreta de luta em curso. A Greve Geral, em sua aparência, é apenas mais um “método de luta”. No entanto, verifiquemos novamente como se deu a construção dessa última: pressão da base sindical sobre as direções pelegas, constituição de comitês de luta locais, movimentação nas bases estudantis…

A construção da Greve Geral, em sua efetiva concretização, faz parte de um todo muito mais amplo; faz parte da reorganização do movimento social no Brasil e, assim, da construção do Poder Popular na base da classe trabalhadora. A agitação em torno dessa tática é o que deve ser a agitação: a palavra de ordem do próximo passo na constituição de um novo ciclo de lutas para a classe trabalhadora. Nada há, portanto, de ultrapropagandístico em agitar pela constituição de novas formas de organização popular. Ao contrário, são essas formas que permitirão nosso sucesso na próxima empreitada, seja a construção da greve que se avizinha, seja na luta pelas eleições diretas caso caia o Governo Temer. O direcionamento à construção de comitês populares, por exemplo, tem que ser feito, justamente porque eles ainda não existem. A classe está experimentando essas formas organizativas e voltando se organizar pela base. Em realidade, agitar o programa, sem tática, parece ser nosso principal problema hoje – e uma das causas da distância que há entre a política acertada de certos setores e a classe trabalhadora. O passo não é nada sem o caminho, e o caminho não existe sem o passo.

Criar Poder Popular: os próximos passos na organização da classe

Assim sendo, se coloca um problema de fundo, um zumbido que ressoa nos ouvidos de uma parte da esquerda organizada, mas que ela quer deixar de lado, em vez de buscar suas causas e formular políticas concretas para solucioná-lo. Esse problema é o dos instrumentos de luta da classe; as formas organizativas de que ela dispõe para enfrentar os ataques do capital. É preciso entender a profundidade do descolamento desses instrumentos para lutar por eles e dentro deles.

A esquerda socialista, a que despreza as alianças programáticas com a burguesia, possui certos consensos programáticos; é preciso dar-lhes forma concreta, tática, na base. É essa rearticulação da base que permitirá, num futuro (talvez não tão próximo), uma rearticulação das grandes ferramentas de luta. É essa rearticulação da base que permitirá que o saldo do programa das eleições diretas não seja, novamente, um aumento na ilusão popular quanto à institucionalidade – saída, aliás, desejada pelo campo de apoio ao PT, com a pré-campanha para a presidência de Lula em 2018. A essa rearticulação podemos aproximar o conceito do Poder Popular: é construindo na base espaços de disputa para criação de uma nova hegemonia, já distante da conciliação de classes e da direita, que poderemos trazer de volta ao centro da luta política o proletariado consciente e também a partir desses instrumentos é que aumenta a propagação da política verdadeiramente proletária, descompromissada com os interesses da burguesia.

A Greve Geral do 28A mostrou possibilidades concretas disso, como já falado; a do dia 30 de junho mostrará? O que cabe agora é perceber: essa rearticulação está sendo já feita, em alguma medida. Nos aparatos sindicais, existe uma (crescente, mas ainda) pequena decadência dos setores de conciliação e abertura para os setores de radicalização, da esquerda socialista; na construção nos locais de moradia, estão sendo feitas, dia após dia, comitês locais da Frente Povo Sem Medo, os chamados “Bairros Sem Medo”, para articulação da população local. Não são ainda as construções hegemônicas na classe, mas são seu embrião. Um embrião que sustentará a política da esquerda socialista nos dois casos que se avizinham: uma retomada da conciliação através de um Lula 2018 (ou mesmo 2017, caso consigamos as eleições diretas) ou a manutenção de um governo abertamente de direita, legatário direto de Temer.