Fim do imposto sindical é mais um golpe nos direitos trabalhistas
Atualmente, os Sindicatos – que continuam recebendo o mesmo imposto, mas com liberdade e autonomia – não conseguem mais do que a reposição das perdas salariais. E olhe lá! Vitória hoje é não perder direitos.
Não éramos melhores que os atuais dirigentes sindicais. A correlação de forças é que piorou muito para os trabalhadores. De lá para cá, caíram o Muro de Berlim e a URSS; o neoliberalismo deitou e rolou, houve reestruturação produtiva e muito avanço tecnológico. O capital veio buscar de volta os anéis que tinha dado aos trabalhadores, para não perder os dedos. Hoje, há menos e piores empregos e direitos. Greve, na iniciativa privada, é uma raridade. Os sindicatos perderam força. Atribuir a apatia do sindicalismo àquele imposto é jogar uma cortina de fumaça.
O que chama atenção é que a decisão da Câmara de acabar com o imposto sindical se deu de repente, sem que ninguém tomasse conhecimento prévio, exatamente na hora em que os sindicatos começam a recuperar sua capacidade de luta, para enfrentar mais ameaças de flexibilização de direitos.
A luta vai ficar mais desigual. Ou alguém acha que para manter a luta sindical não se precisa de dinheiro? Imaginem se acabasse a obrigatoriedade de pagamento das anuidades da OAB e de Conselhos Regionais Profissionais, que também são impostas? Quantos as pagariam, com consciência política, voluntariamente? O que seria dessas entidades?
Não tenhamos dúvida: neste momento, acabar com o imposto sindical é acabar com a maioria esmagadora dos sindicatos brasileiros, na área privada, exatamente onde se disputa o jogo principal da luta entre o capital e o trabalho. Portanto, é ótimo para flexibilizar e retirar direitos. Mesmo recebendo recursos do imposto sindical, muitas entidades estão tendo que voltar ao assistencialismo para não perder associados e sobreviver financeiramente. Até porque, com a reestruturação e a tecnologia, a maioria dos sindicatos perdeu mais da metade de sua base. Relatório da OIT, revelado na semana passada, mostra que, no mundo todo, os sindicatos perderam associados, representatividade e poder de barganha.
A crítica a este imposto sempre teve três argumentos: a falta de liberdade e autonomia sindical, a pulverização de entidades e a perpetuação de “pelegos”. O primeiro argumento acabou em 1988, com a nova Constituição: ficou o imposto, mas conquistamos a liberdade e a autonomia. O segundo se resolve com um único e bom remédio: a implantação do sindicato pelo critério de ramo de produção, no lugar de categoria profissional. Teríamos muito menos sindicatos, mas muito mais fortes.
Já o terceiro argumento é verdadeiro: o imposto sindical pode acomodar e perpetuar dirigentes sindicais que já não têm representatividade em suas bases. Eu não usaria mais a expressão “pelego” para defini-los, porque caiu em desuso, pela generalização: muitos “combativos” aderiram às práticas que combatiam.
Como o imposto sindical é recolhido igualmente de sindicalizados ou não, alguns dirigentes se acomodam e não fazem campanha de sindicalização. Prestam bons serviços a poucos, com o dinheiro de todos, inclusive dos que não votam. As eleições, em geral, se dão com chapa única; só votam os poucos sindicalizados.
O PCB, em documento recente sobre a chamada reforma sindical, já apresentou uma proposta que, mantendo o imposto, acaba com esta prática nefasta e ainda democratiza, fortalece e dá representatividade ao sindicato. Trata-se das eleições sindicais universais, ou seja, direito de voto para todos os trabalhadores e não apenas os sindicalizados. Todos pagariam o imposto e teriam direito de voto. Não é justo que os não sindicalizados, que também se beneficiam das conquistas sindicais, não paguem nada ao sindicato. Também não é justo que eles paguem e não tenham direito de voto.
Eleita por toda a categoria (e não apenas pelos associados que, no Brasil, não passam, em média, de 16%), a direção sindical adquirirá mais representatividade, inclusive frente ao patronato. Isto não elimina a sindicalização, pois os demais serviços e direitos assegurados pela entidade serão privativos dos associados, inclusive o direito de se candidatar às eleições sindicais.
Além do mais, o valor do imposto sindical é irrisório para o trabalhador, se comparado à carga tributária que o onera. Não tem nada de “sujo”. Pelo contrário, é educativo politicamente: o trabalhador financiando seu sindicato. O imposto sindical é apenas um dia de salário por ano. Há faixas salariais em que só o imposto de renda representa para o trabalhador vários meses de salário por ano.
Se a questão é “desonerar” o trabalhador, porque a esquerda parlamentar e os sindicatos não iniciam uma campanha contra o imposto de renda sobre o salário, já que este não é obviamente renda?
Todos os que acreditamos na necessidade de preservar e valorizar os sindicatos devemos reagir urgentemente, pois a emenda do meu ex-companheiro de profissão e partido tem tudo para ser vitoriosa. Os representantes do patronato vão votar a favor. Com a despolitização e manipulação reinantes, a maioria dos trabalhadores vai gostar do fim do imposto sindical. Aí, meus amigos, grande parte dos parlamentares que se consideram de esquerda vão querer fazer média com os eleitores, pensando nos votos da próxima eleição. Até mesmo, quem diria, os que se elegeram em função do prestígio que angariaram usando o “dinheiro sujo” do imposto sindical!
* Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB