FATOR PREVIDENCIÁRIO: ACORDO DAS CENTRAIS COM O GOVERNO NÃO PASSA DE UM SIMULACRO
No Brasil não foi diferente. A partir do governo Collor, mas especialmente no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso e mesmo no governo Lula, a previdência pública brasileira sofreu drásticas alterações e mudanças de caráter regressivo. Dentre estas, duas se destacam. A primeira é a desvinculação do reajuste das aposentadorias e pensões em relação ao índice aplicado ao salário mínimo, diminuindo o valor dos benefícios pagos para quem ganha mais de um salário mínimo. A outra é o fator previdenciário, fórmula utilizada pela Previdência Social para calcular o valor da aposentadoria, cuja regra atual estabelece que um trabalhador precisa ter 35 anos de contribuição e 63 anos e 4 meses de idade para se aposentar com 100% do benefício. Para as mulheres as regras exigem 30 anos de contribuição e 58 anos e 4 meses de idade.
O resultado dessas mudanças tem causado, por um lado, uma diminuição no poder aquisitivo das aposentadorias e pensões e, por outro, uma dificuldade para os trabalhadores se aposentarem recebendo 100% do benefício. Os que optam por se aposentar fora da regra do fator previdenciário, pagam um “pedágio” que reduz o valor do benefício. A pressão de setores do movimento sindical e das associações de aposentados e pensionistas, levou alguns congressistas a apresentarem propostas no sentido de corrigir essas regras. As mais importantes são o PL 3.299/08 que põem fim ao fator previdenciário e a emenda ao PL 1/07 que garante às aposentadorias o mesmo índice de reajuste aplicado ao salário mínimo. Ambas são de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS).
O governo Lula, percebendo que a pressão das organizações sindicais e de aposentados poderia levar a uma aprovação de ambos os projetos na Câmara dos Deputados, pois já tinham sido aprovados no Senado, se movimentou no sentido de esvaziá-la. Através do Deputado Pepe Vargas (PT/RS), relator do PL 3.299/08 que acaba com o fator previdenciário, convocou as centrais sindicais e associações de aposentados para uma reunião e fechou com algumas delas (CUT, Força Sindical, UGT e CGTB), um protocolo de intenções que aponta para uma flexibilização do fator previdenciário através da adoção de um novo fator, o chamado “85/95”, bem como define novos critérios de reajustes para as aposentadorias. A “única” condição imposta pelo governo Lula para selar o acordo é o de exigir da parte das centrais o fim das pressões sobre o Congresso visando a aprovação dos dois projetos.
As duas principais centrais partícipes do acordo, CUT e Força Sindical, divulgaram em suas páginas eletrônicas notas alardeando suas vantagens e benefícios para os trabalhadores e aposentados. A CUT, através da nota “Aumento e mudanças nas aposentadorias”, chega a afirmar que a proposta negociada por ela e as demais centrais com o governo “melhora e muito a situação atual”. A verdade, porém, é que as novas regras pouco mudam a situação dos trabalhadores e aposentados. No caso da substituição do fator previdenciário pelo fator “85/95”, ele não trás qualquer mudança significativa. O documento acima da CUT apresenta uma simulação irreal para os padrões brasileiros, ao sugerir que com a nova regra um trabalhador, se atingir o fator 95, somando o tempo de contribuição com a idade poderia se aposentar com 100% do benefício. No caso das trabalhadoras a soma deveria dar 85 para ter direito ao benefício integral. A simulação é irreal, pois a situação do mercado de trabalho brasileiro, marcado pela grande rotatividade e informalidade, torna impossível um trabalhador combinar idade com um longo tempo de contribuição ininterrupto à Previdência.
No caso do reajuste das aposentadorias acima do salário mínimo, o acordo propõe um aumento para 2010 e 2011 que leva em conta a inflação medida pelo INPC do IBGE e metade do crescimento do PIB dos dois anos anteriores. Essa forma de cálculo para o reajuste dos benefícios previdenciários não atende às reivindicações dos trabalhadores, pois mantém sua desvinculação em relação ao salário mínimo. De acordo com a nova regra, uma simulação feita no documento da CUT ao qual já nos referimos, aponta para 2010 um aumento de 6,65% nas aposentadorias, índice inferior ao reajuste do salário mínimo previsto para o próximo ano, de cerca de 9%. Enfim, mantém-se a política de rebaixamento dos valores das aposentadorias e pensões acima de um salário mínimo. Enquanto este, de 1995 a 2008, sofreu reajuste da ordem de 104,20%, os benefícios para quem ganha acima do mínimo ficaram em módicos 20%. É clara a intenção do governo Lula, através de um acordão com as cúpulas das centrais, em não alterar o rumo neoliberal dado à previdência social. Com a desvinculação do reajuste dos benefícios e pensões do salário mínimo, se pretende a médio e longo prazo reduzir os valores pagos aproximando-os o máximo possível do salário mínimo. E a direção da Central Única dos Trabalhadores ainda tem a cara de pau de afirmar que o acordo “melhora e muito a situação atual”.
Um aspecto a ser considerado no acordo é o papel jogado pelas duas principais centrais sindicais brasileiras: CUT e Força Sindical. Ante a possibilidade da Câmara dos Deputados dar seu voto favorável aos projetos, por pressão do movimento sindical e das associações de aposentados, o que inevitavelmente levaria o governo Lula a vetá-los, expondo-o a um profundo desgaste frente a uma medida ansiada pelos trabalhadores, anteciparam-se aos fatos. Negociaram com o deputado Pepe Vargas (PT/RS) mudanças em seu relatório e finalizaram com uma proposta que não atende aos interesses dos trabalhadores na ativa e aposentados. Mas além dessas centrais agirem no sentido de mais uma vez blindarem o governo Lula, as novas regras por elas negociadas são uma admissão implícita do rumo neoliberal dado à Previdência Social no Brasil, pois aceitam sem qualquer questionamento o discurso falacioso sobre o déficit das contas da previdência pública.
Contrários aos rumos neoliberais dados à Previdência Social, o movimento sindical classista, combativo e não-governista aponta um caminho diferente. Este busca reformular o papel da Previdência Social no sentido de ampliar as garantias e conquistas dos trabalhadores. Nesse sentido, é preciso defender o fim do fator previdenciário e a adoção de um critério para aposentadoria favorável aos interesses dos trabalhadores, cuja vida laboral se inicia muito cedo. Do mesmo modo, é preciso por fim à desvinculação do reajuste dos benefícios do salário mínimo, bem como às perdas sofridas pelas aposentadorias e pensões ao longo do tempo, com a adoção de uma política que mantenha seu poder aquisitivo. Tais mudanças são apenas o começo de outras que visam alterar radicalmente o perfil neoliberal atualmente dominante na condução da Previdência Social, no sentido de ampliar e não retirar direitos dos trabalhadores. Enfim, a Previdência Social precisa ser mudada de fato e não através de simulacros que deixam as coisas como estão.
Campinas, setembro de 2009