O Partido de Álvaro Cunhal
Poucas vezes na história do movimento comunista internacional teoria e prática revolucionária combinaram-se tão plenamente em uma pessoa como no caso de Álvaro Cunhal. Nascido em 1913 e falecido em 2005, Álvaro Cunhal viveu grande parte de sua vida dedicando-se à luta pelo socialismo e à construção do Partido Comunista Português, organização na qual ingressou ainda jovem, nela permanecendo até a morte, ocupando por muitos anos o posto de Secretário Geral e assumindo papel de grande influência na política portuguesa durante a Revolução dos Cravos.
Dono de vasta cultura, Cunhal deixou às futuras gerações um grande legado no qual se incluem desde romances de notável valor literário, pinturas e, sobretudo, uma fecunda obra política que, mesmo pouco estudada em nosso país, pode servir aos trabalhadores como importante instrumento para os embates da classe.
Dentre suas obras destaca-se o livro mais famoso: O partido com paredes de vidro, uma rara peça de reflexão sobre a atuação do PCP e que muito nos ajuda a compreender o papel de um partido comunista em nossa época. Escrevendo o livro para a sociedade portuguesa, no interior da qual alguns grupos acusavam o PCP de ser pouco transparente, Álvaro Cunhal apresentava seu partido de maneira cristalina, como se através de paredes de vidro estivesse sendo observado. No decorrer do livro, Cunhal abordou amplas questões, desde a conjuntura do movimento comunista daquela época e o programa do PCP para a Revolução de Abril, passando por temas referentes à vida do partido, como a democracia interna, o trabalho coletivo e a importância política de uma direção bem preparada e que soubesse dirigir o conjunto partidário.
Foi a firmeza de seus princípios organizativos, calcados em sólida consciência de classe, que possibilitou ao PCP resistir heroicamente durante os anos da ditadura fascista de Salazar – ainda que a polícia política portuguesa constantemente anunciasse seu desmonte – e emergir ao fim daqueles tempos como uma das principais forças da Revolução de Abril. Assim manteve-se como principal organização operária do país, demonstrando que não é somente um partido que confia plenamente no povo português em geral e nos operários em particular, mas que também destes recebe grandes demonstrações de confiança.
Em diversos momentos, Cunhal teve a sabedoria de não tratar algumas fórmulas como eternas, sabendo adaptá-las à situação concreta de cada período, ainda que isso não significasse abrir mão de princípios basilares de uma organização comunista, tais como sua natureza de classe e sua firmeza ideológica. O Partido com paredes de vidro, obra que na literatura comunista pode-se comparar, com as devidas proporções, a Que fazer?, de Lênin, guarda seguramente muitas linhas de referência com este último, principalmente ao elevar a discussão partidária à análise concreta da realidade concreta.
A simples leitura do livro não encerra todas as questões que hoje estão colocados para uma organização revolucionária, mas, sem dúvidas, é um passo fundamental para que possamos encará-las e resolvê-las.