Mulheres Revolucionárias: Dirce Machado e a luta camponesa em Goiás

imagemNa década de 1950, no norte de Goiás, uma resistência popular mudou a história do Estado. Esta resistência tinha, entre Trombas e Formoso, lutadoras e lutadores sociais, mas também grileiros interessados em aniquilar famílias inteiras para vender as terras que deveriam pertencer às famílias.

Quando veio a ditadura empresarial-militar, em 1964, Trombas, que se destacara por ter sido o local de resistência dos posseiros, sofreu o violento golpe das perseguições. Os anos sombrios abalariam aquela realidade militante que nos dera referências de luta pela terra como Zé Porfírio e, principalmente, Dona Dirce Machado.

A goiana de Rio Verde, nascida em 1934, filha de meeiros e rendeiros, iniciou a sua militância política aos 12 anos de idade sem saber, depois de um desmaio emocionado por ter descoberto que a leitura do livro O Cavaleiro da Esperança, de Jorge Amado, arrancara-lhe lágrimas por ser uma história real. Luiz Carlos Prestes existia, notícia confirmada pelo jornal Terra Livre, do Partido Comunista Brasileiro, e que convidava para o aniversário do Cavaleiro.

Com o auxílio do Partido, Dirce estudou, organizou a Juventude Comunista, participou da vida política no centro urbano do estado, mas não era o suficiente para que se sentisse feliz e militante, ela era da terra. E para a terra voltou, incumbida de organizar a resistência em uma das regiões de Formoso, liderando um dos acampamentos da região, cuidando da segurança de todas aquelas pessoas que ousaram lutar. Ajudou na formação do Conselho de Mulheres, um conselho que se destacou por dar assistência às casas dos posseiros que estavam no piquete, levar comunicados da direção, administrar os mutirões, auxiliar mulheres grávidas, com filhos pequenos ou que não podiam trabalhar e, inclusive, guardar a entrada de Trombas, o centro da revolta.

Quando veio a ditadura, Dirce e seu marido, José Ribeiro, entocaram-se em uma gruta para que, na busca feroz dos militares e civis contra as lideranças políticas da resistência, nenhuma outra pessoa sofresse com as torturas. Nestes anos difíceis, em que falar de política era proibido, Dirce manteve-se forte e militante, fazia seu trabalho político e, consciente, representava o PCB no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), tendo sido eleita vereadora duas vezes seguidas em Formoso, já na década de 1980.

Até hoje, Dona Dirce é a referência de Trombas e Formoso, é a pessoa que, na capital, recebe e hospeda quem esteve com ela na resistência, e também quem não esteve, mas respeita sua luta e sua história que, com simplicidade, esta militante faz questão de dizer que não é dela, mas do povo.

Dirce Machado da Silva concedeu entrevista aos camaradas do Comitê Central do PCB Dinarco Reis Filho, Ivan Pinheiro e Marta Jane em julho de 2014. Aqui transcrevemos trechos dessa entrevista, que pode ser lida na íntegra na página da Fundação Dinarco Reis (http://pcb.org.br/fdr).

Dinarco: Como é que começou a história da sua atividade política?

Dirce: Um dia chega um senhor chamado Antônio distribuindo uns jornaizinhos, o Terra Livre. A primeira reportagem convidava para o aniversário do Cavaleiro da Esperança. Aí eu perguntei: “esse homem existe?”. E chorei. Porque foi imensa a minha emoção. (…) E nesse grupo tinha uma moça e um sujeito jovem, recém-casados: Declieux Crispim e Colombina Baiochi. Eles estavam fugindo. Eram mais de 20 pessoas. Eles estiveram três dias reunidos lá em casa, depois foram embora e caíram na malha da polícia. (…) Fomos expulsos da fazenda. (…) Eles nos deram uma pequena indenização, meu pai comprou um lote e fez um ranchinho de pau a pique na cidade de Rio Verde. Mas eu fiquei suja, nenhum pai de família queria que as crianças brincassem comigo, não tinha escola que me quisesse. É porque, no mundo capitalista, mulher pode ser prostituta, pode ser alcoviteira, pode ser assassina, ladra, é normal da sociedade, mas ser comunista é o fim da picada!

Dinarco: Mas e aí, depois, você começou a ter atividade no Partido?

Dirce: Eu entrei para a Juventude Comunista. (…) Morei num aparelho do Partido. Nós fazíamos a região cafeeira. A gente reunia os companheiros, de dias em dias tinha o pleno. Vinha gente de Uruaçu, aquela região toda. Eu fazia parte do quadro de Finanças, Agitação e Propaganda. A gente imprimia o jornalzinho no mimeógrafo, era aquele trabalho de formiguinha. (…) Meu marido era dirigente do Partido, chamava-se José Ribeiro da Silva. Nós casamos para ir ajudar na luta, orientar e tudo, mas a cabeça pensante do movimento, quem fazia as estratégias e determinava era o Zé Ribeiro. Ele era um grande estrategista, era um grande companheiro.

Ivan: Como aconteceu a revolta camponesa?

Dirce: Já estava tendo a luta contra os grileiros e nós fomos lá para ajudar a orientar, porque os grileiros estavam espezinhando, matando posseiro, queimando casa, espancando mulher até abortar. Começamos a trabalhar na base de mutirão, porque a gente conhecia os mutirões em Rio Verde, o Ribeiro conhecia em Minas Gerais, aí começamos. Eu fazia parto, eu encanava perna, eu matava os piolhos, as sarnas (com sabão… e também no mato, a gente arranjava folha e passava), tirava os bernes. A gente já estava orientando, trabalhando a região, esclarecendo, indo na casa daqueles camponeses mais inteligentes, mais revoltados. Então os grileiros começaram a querer cobrar arrendo, buscar as coisas nas casas dos posseiros, faziam tanta atrocidade que vocês não são capazes de avaliar. Eles queriam ficar com a terra porque ali em Brasília já tinha aberto a estrada (Belém-Brasília), começou a valorização do terreno. (…) Desde criança eu vivi naquele clima de injustiça, tinha que mudar, tinha que fazer a reforma agrária. Nós fomos morar no Córrego do Sapato. Ô Deus, que dificuldade! Pobre não tinha nada. E fomos para a casa do João Marinho e da Vera, da Associação de Posseiros de Formoso, uma organização de renome, dentro da região era uma autoridade, e cada córrego tinha um conselho. Aquele conselho administrava os problemas da região, daquele córrego. De tempo em tempo, reunia o representante daquele conselho com outros conselhos, com a direção da Associação. (…) Então, na região do Sapato, eu fundei o Conselho das Mulheres, a base das mulheres. Foi a única base feminina da região. As outras eram mistas e lá era de mulheres mesmo. Nós comandávamos a entrada principal da região de Trombas, tinha que passar por cima de nós para entrar em Trombas. As mulheres eram boas de gatilho. Elas eram terríveis. A Comissão de Mulheres dava assistência às casas dos posseiros que estavam no piquete, levavam e traziam comunicados da direção e administravam as roças, administravam o mutirão.

(…) Hoje eu sou presidente de honra da Associação dos Anistiados. Acontece o seguinte, eu não recebi nada como meu, é dos companheiros de Trombas. Eu, sozinha, não fiz a luta.