O agronegócio recebe licença para desmatar
Uma lei aprovada no Senado brasileiro diminui a área de preservação das zonas florestais na Amazônia e anistia os grandes produtores rurais que já desmataram. Contudo, o novo Código Florestal aguarda a segunda aprovação da Câmara dos Deputados e a sanção da presidenta Dilma Rousseff.
A aprovação do Senado, em 6 de dezembro, ainda que não tenha causado surpresa, foi duramente criticada pelos movimentos sociais e ambientalistas. Os ativistas e militantes afirmam que o código serve aos interesses dos grandes produtores rurais e das transnacionais do setor agroexportador, permitindo um avanço, sem precedentes, da agropecuária na Floresta Amazônica.
Para eles, o projeto irá afetar profundamente o bioma amazônico, aumentando o desmatamento, a emissão de gases de efeito estufa, a desertificação do solo e, também, alterando o regime de chuvas, o que afetará o volume de água nos rios.
Também mencionam outras conhecidas consequências vinculadas ao modelo do agronegócio, como o aumento da concentração da terra, do monocultivo de espécies transgênicas, da superexploração da mão de obra e da violência no campo, além do aumento do uso de agrotóxicos. Hoje, o Brasil é o país que mais consome agroquímicos no mundo, segundo um estudo publicado em 2009 pela consultoria alemã Kleffmann Group.
Compra de votos
Dentro das duas casas do Congresso brasileiro, o texto foi aprovado com ampla vantagem de votos. No Senado, foram 58 votos a favor e 8 contra. Na Câmara, o projeto foi votado em maio e obteve 410 votos a favor e 63 contra. A maioria dos partidos tradicionais da direita apóia o novo Código. A base governista do Partido dos Trabalhadores (PT) no Congresso também está a favor da reforma. Entre eles, Aldo Rebelo, deputado pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), foi relator do Código na Câmara.
Além do conservadorismo, os parlamentares podem ter outras influências. Dias depois da votação no Senado, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem na qual afirma que o novo código anistia dívidas geradas por multas relativas aos crimes ambientais, cometidos por empresas que financiaram a campanha eleitoral de 50 parlamentares nos comícios de 2010. No total, 15 milhões de reais foram destinados a esses congressistas, valor 42% superior à soma doada pelas mesmas empresas nas eleições de 2006. A reforma do código começou a ser discutida no Congresso em 2009. As empresas que mais doaram estão vinculadas à produção de celulose.
O Código Florestal foi criado em 1934, durante o governo de Getúlio Vargas. Em 1965, durante a ditadura civil-militar no Brasil foi reformado pela primeira vez. Com o aumento progressivo da devastação nas últimas décadas, muitos ambientalistas defendiam uma reforma no código, no sentido de fortalecer a preservação dos biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado. Ao invés disso, o setor vinculado ao agronegócio passou a defender uma reforma no sentido contrário.
Na lei de 1965 existia a obrigação, entre outras coisas, de preservar 80% dos terrenos situados na Amazônia, a zona com maior biodiversidade do planeta. O novo Código Florestal reduz a área que deve ser conservada para 50%, chegando, em alguns casos, a 20%. Nas chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs) – colinas e margens de rios, por exemplo – que antes não podiam ser exploradas, agora podem ser usadas para determinados cultivos.
Tragédia ambiental
Outro ponto polêmico é que proprietários, cujas terras estejam dentro de um limite de 400 hectares, serão anistiados no caso de terem cometido desmatamentos e não terão que realizar projetos de reflorestamento. Segundo estudo publicado pelo Instituto de Investigação Econômica Aplicada (Ipea, sigla em português), órgão vinculado à presidência da República, com essa medida deixará de ser recuperada uma área de 47 milhões de hectares, equivalente à soma dos territórios das províncias de Buenos Aires e Santa Fé.
Conforme outra investigação do Instituto de Investigação Ambiental da Amazônia, a flexibilização do desmatamento nas chamadas APPs, permite que uma área equivalente a duas províncias de Santa Cruz possam ser devastadas.
Além disso, a nova lei também permite que donos de terrenos de qualquer tamanho, que tenham desmatado até 2008, sejam anistiados das multas se realizarem projetos de reflorestamento. O projeto não precisa ser necessariamente feito em sua propriedade, mas também no terreno de terceiros. Basta que se compre um título negociado na Bolsa de Valores, por meio das Cotas de Reservas Ambientais. “Isso transformará a floresta numa commoditie”, explicou a advogada Larissa Ambrosano, da organização da Terra de Direitos, em nota publicada na página do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Saem dois órgãos de fiscalização e entra o mercado de florestas, com a conservação sendo realizada pelo pagamento financeiro”.
A nova aprovação na Câmara deve ocorrer somente no ano que vem. Os movimentos analisam que a batalha no Congresso já foi perdida e prometem pressionar a presidenta para que não sancione a lei.
Tradução: Maria Fernanda M. Scelza (PCB)