Equador: corpos na rua com o selo do FMI
(Foto: Agencia de Noticias ANDES)
Corpos nas ruas: as medidas impostas pelo FMI deixaram o Equador incapaz de lidar com o coronavírus
por Alan Macleod | MintPress – Tradução de Ciro Barreto Moreira para a Revista Opera
Se você está usando um dos muitos rastreadores do coronavírus, o Equador, país que beira o oceano Pacífico, não aparenta estar severamente afetado pela COVID-19. Oficialmente, o país tem menos que 7.500 casos e 333 mortes. Mas todos sabem que esse número é falso, inclusive o presidente Lenín Moreno, que admitiu abertamente que as autoridades estavam recolhendo mais de 100 cadáveres por dia apenas na cidade de Guayaquil, que é o epicentro da pandemia que atormenta seu país.
O Estado limitado do Equador essencialmente entrou em colapso devido à COVID-19, com dezenas de vídeos circulando mostrando cadáveres nas ruas, com ninguém para os recolher. O país já começa a sentir falta de caixões, então os corpos estão sendo enterrados em caixas de papelão ou abandonados em contêineres de caminhões. Uma estimativa recente credível, baseada nos dados de cemitérios e casas funerárias, põe o número de mortos em Guayaquil em 7.600 – quase o mesmo de Nova York, uma cidade quatro vezes maior. Além disso, mais pessoas morreram do vírus em Guayaquil na última semana que o total acumulado da China desde novembro. O ministro da saúde do país renunciou mês passado, condenando a falta de ação do governo.
“A situação do Equador está muito fodida. Eu sequer tenho os meios [para explicar em] inglês o que está acontecendo. O novo ministro da saúde é um completo idiota. Com ou sem coronavírus, este país está em grande encrenca com esse governo incompetente” disse a colaboradora do MintPress, Camila Escalante, residente do Equador.
Como muitos países, o Equador está sofrendo de uma carência de equipamento médico. Imagens mostram médicos e enfermeiras usando sacos de lixo não apenas como capas, mas como máscaras e capuzes também.
Entretanto, um problema muito maior que a falta de equipamentos é a falta de médicos. “Eu tenho meu pai [doente] em casa, porque nenhum hospital ou pessoa pode tratá-lo aqui em El Ceibo. Mas, acredite em mim, pessoas estão morrendo. Não há pessoal médicos, não há enfermeiras. Ninguém está trabalhando. Tem algo como 3 pessoas” disse Caesar Figueroa, um enfermeiro em Guayaquil. “Acredite em mim, eu estive por dentro. A situação é precária. Não há luvas, não há máscaras. Não tem nada. Todo o Equador é um país de nada. Não tem governo. Não tem presidente.”
Desde sua eleição em 2017, o presidente Moreno fez uma de suas prioridades atacar o relativamente generoso Estado de bem-estar social adotado por seu antecessor, Rafael Correa. Moreno foi o vice-presidente de Correa, e fez sua campanha sob a bandeira de estender e aprofundar a agenda democrática socialista de Correa. Entretanto, quase imediatamente após assumir a presidência, ele iniciou a desconstrução desse trabalho.
Em 2019, sob as ordens do Fundo Monetário Internacional (FMI) sediado em Washington, ele cortou o orçamento da saúde pública em 36%. Moreno também rescindiu o apoio do Equador para o jornalista australiano Julian Assange e foi imediatamente recompensado com um empréstimo de 4.2 bilhões de dólares do FMI.
O fato de Moreno aceitar qualquer dinheiro de uma organização com uma história negra na América Latina confirmou para muitos que seu círculo eleitoral está em Washington, e não com o povo. O Equador passou muito das 4 últimas décadas devendo ao FMI; em 2005, estava gastando 47% da receita do governo para pagar os juros de empréstimos há muito já pagos, uma armadilha que garantiu que muitos países no sul global nunca buscassem um caminho independente.
Enquanto políticos em Washington o elogiavam, Moreno reprimiu de forma generalizada quaisquer dissidentes, forçando Correa ao exílio. Isso, de acordo com Escalante, ajudou a alimentar a propagação do coronavírus. “Muitos dos líderes mais competentes que este país tinha foram forçados a sair, ou saíram quando perceberam que a perseguição política seria a norma. Tudo é sujeito a censura; médicos têm medo de falar; repórteres têm medo de fazer seu trabalho”, ela disse. “Imagine ser um repórter no Equador e fazer pouquíssimas reportagens sobre o… Equador. Bem, a perseguição política se tornou uma realidade aqui em 2017, e é uma questão de tempo até que eles comecem a perseguir pessoas por suas matérias. Como estrangeira, não vale a pena o risco”.
O Equador de Moreno, assim como os estados apoiados pelos EUA – Brasil e Bolívia – expulsou aproximadamente 1000 médicos cubanos, que constituíam a espinha dorsal do sistema de saúde público. “Quando eles saíram, não sobraram especialistas para substituí-los”, disse Ricardo Ramírez, um médico aposentado em Guayaquil. “É um fator importante para explicar por que não somos capazes de responder adequadamente ao vírus agora”. Em contraste, países anti-imperialistas na região como Venezuela e Cuba estão lidando com a crise muito melhor: apenas 27 pessoas morreram nesses dois países até agora.
O coronavírus foi um ato de força maior. Entretanto, a resposta governamental para a crise não o é. As decisões da administração de Moreno, tanto antes como durante a pandemia, são os principais fatores que tornam o Equador o possível epicentro mundial do vírus. É um desastre não mitigado para a população. Mas, tendo em vista suas relações com Washington, não é claro se Lenín Moreno se importa ou não com tudo isso.
Ciro Barreto Moreira é Professor e mestre em História pela UFPE, trabalha História do Brasil e História do Bloco Socialista.