EQUADOR DENUNCIA “A MÃO SUJA DE CHEVRON”
ALAI AMLATINA, 20/9/2013 – Com um chamado internacional para boicotar os produtos da Chevron, o presidente equatoriano Rafael Correa lançou a campanha “a mão suja da Chevron”, no dia 17 de setembro, em rechaço as intenções da empresa petroleira estadunidense de se furtar da sua responsabilidade pela contaminação na bacia amazônica.
A Chevron está empenhada em evitar a execução da sentença da Corte de Justiça de Lago Agrio (cidade localizada no Oriente equatoriano), que lhe ordena pagar cerca de 19 bilhões de dólares para limpar a zona afetada e prestar serviços de saúde e água potável para seus habitantes. Com esse propósito, segundo Correa, a Chevron já gastou mais de 400 milhões de dólares em uma campanha contra o Equador e contratou dezenas de empresas de lobistas e cerca de 900 advogados.
Em uma visita a uma piscina tóxica próxima ao poço petroleiro Aguarico 4, operado décadas atrás pela Texaco, Correa deu a conhecer que como essa há umas mil piscinas que essa empresa (que se fundiu com a Chevron em 2001) deixou abertas, em três décadas de exploração petroleira na selva amazônica, entre 1964 e 1992. Estima-se que verteu das piscinas 18 bilhões de galões de água contaminada com petróleo, que continua se enfiltrando no solo ou se espalhando durante os aguaceiros, além de outros 17 milhões de galões de petróleo derramados em acidentes; essas quantidades fazem com que o dano total seja muito maior que o derramamento da Exxon Valdez no Alasca, ou o provocado pela British Petroleum no Golfo do México. “É um dos desastres ambientais mais graves da humanidade”, asseverou Correa.
A infiltração de elementos tóxicos nas terras, riachos e rios, em uma área de 480 mil hectares, contaminou a água usada pela população local, devastou a vida silvestre e afetou a produção agropecuária. Foram registrados inúmeros casos de câncer, com mais de mil mortos, graves casos de contaminação da pele, morte de animais, entre muitos outros problemas.
Na época, já existiam normas e tecnologias mais adequadas para proteger o ambiente, por exemplo com o uso de piscinas seladas e técnicas de limpeza de derramamentos, mas a Texaco não as utilizou para economizar entre 2 e 3 dólares por barril nos custos de produção. Durante o julgamento em Lago Agrio, foram inspecionados 54 centros de produção onde se constatou níveis de contaminação muito acima das normas equatorianas e internacionais da época. Quando a Texaco operava, a norma equatoriana para o volume de hidrocarburetos totais de petróleo no solo e na água era dez vezes mais branda que a norma vigente nos EUA, mas ainda assim a contaminação encontrada em 54 locais foi em média 20 vezes maior que a norma equatoriana, chegando, em alguns lugares, a um nível de até 900 vezes maior.1
Correa chamou os acionistas da Chevron a não serem cúmplices indiretos de uma empresa que não só demonstrou irresponsabilidade absoluta, mas que agora quer a impunidade.
Ações perante as Cortes
A partir de 1993, um grupo de cidadãos afetados pela contaminação apresentou uma demanda privada em Nova York pela contaminação e afetação à saúde, em nome de 30 mil habitantes da região, em sua maioria indígenas. Durante nove anos, a Chevron buscou bloquear o julgamento, argumentando que ele devia ser apresentado no Equador; os demandantes presumem que a empresa considerou que a corte equatoriana fosse mais fácil de manipular. Finalmente conseguiu seu propósito; o juiz de Nova York desistiu de reconhecer o caso, mas afirmou que a Chevron devia aceitar o veredicto da Corte equatoriana. Quando em 2011 e 2012, depois de quase duas décadas de litígios, o veredicto de Lago Agrio saiu desfavorável à empresa, ela se negou a acatá-lo e empreendeu novas ações legais para tratar de bloqueá-lo, junto com a campanha de desprestígio ao governo, à Corte e aos demandantes e seus advogados. Entre suas principais preocupações, está a de impedir que seus bens possam ser embargados em outro país para cumprir o pagamento, sendo que no Equador já não tem bens.
Por outro lado, a empresa iniciou uma nova ação no tribunal federal de Nova York, alegando que a sentença equatoriana foi obtida ilegitimamente, com atos de corrupção. Dessa forma, foi ao tribunal de arbitragem de Haia por uma suposta violação do Tratado Bilateral de Investimentos (TBI) entre o Equador e os EUA, alegando que o Equador não devia permitir que se leve a cabo o julgamento de Lago Agrio. O insólito é que o tribunal tenha se declarado competente para julgar o caso, o que implica aplicar retroativamente o TBI que entrou em vigência em 1997, cinco anos depois de que a Texaco-Chevron já havia abandonado o país. Também chama a atenção que, entre seus primeiros laudos, o tribunal tenha ordenado ao governo equatoriano tomar as medidas necessárias para suspender ou obter a suspensão da execução da sentença de Lago Agrio, seja no Equador ou em outros países, fazendo caso omisso da independência das funções do Estado.
“É um caso emblemático que demonstra o injusto e o imoral da ordem internacional, onde existe a supremacia total do capital das transnacionais sobre os povos, sobre as sociedades, as nações”, denunciou Correa.
A Chevron alega que os acordos firmados com o governo do Equador entre 1995 e 1998 – no período dos governos neoliberais – que dão por findados o contrato e as obrigações da empresa, liberam-na de enfrentar qualquer outro reclamo, com o qual tratam de passar ao Estado equatoriano a responsabilidade de qualquer consequência derivada do julgamento de Lago Agrio. Não obstante, no mesmo dia do lançamento da campanha equatoriana, o Tribunal de Haia emitiu um veredicto parcial no qual conclui que os ditos acordos não impedem que terceiras pessoas possam apresentar reclamações em defesa de seus direitos individuais, ainda que reconheça que poderia impedir reclamações “coletivas” ou “difusas”. Não se pronunciou sobre se essa caracterização se aplica ao caso que foi ventilado na Corte de Lago Agrio. As audiências se encerraram em janeiro.
Entretanto, a petroleira, no dia seguinte, declarou em um comunicado2 que o “tribunal internacional de arbitragem decide que a Chevron não é responsável perante as reclamações internacionais do Equador”. Diante desse fato, no dia 20, a procuradoria geral do Estado equatoriano solicitou ao tribunal medidas provisórias para impedir que a empresa prossiga com sua campanha de desprestígio contra o país, distorcendo a realidade do laudo arbitral.
Além dessa conjuntura imediata, o Equador está pleiteando a necessidade de uma reforma do sistema de tribunais de arbitragem dos tratados de investimentos e propôs a criação de um tribunal sul-americano nos marcos da Unasul que operaria sob regras mais justas. Espera-se a decisão da Unasul para o final deste ano.
No caso de a Chevron conseguir bloquear definitivamente a aplicação da sentença de Lago Agrio, ou alcance uma resolução para que o Estado equatoriano seja o responsável por pagar os danos, isso seria catastrófico para a economia do país. “A Chevron quer quebrar o país”, reclamou Correa. O pressuposto anual do Estado equatoriano é de cerca de 26 bilhões de dólares, enquanto a Chevron, em 2012, obteve lucros de 230 bilhões de dólares,3 ou seja, quase nove vezes o pressuposto do país sul-americano.
Escrito por Sally Burch, jornalista do ALAI.
1. Summary of Overwhelming Evidence Against Chevron in Ecuador Trial, Amazon Defense Coalition, http://chevrontoxico.com/assets/docs/2012-01-evidence-summary.pdf
2. http://www.chevron.com/chevron/pressreleases/article/09182013_internationalarbitrationtribunalfindschevronnotliableforenvironmentalclaimsinecuador.news
3. http://www.chevron.com/annualreport/2012/documents/pdf/Chevron2012AnnualReport.pdf
Fonte:http://www.alainet.org/active/67519
Tradução: PCB Partido Comunista Brasileiro