A violência política em Guatemala e Honduras
(Foto: Daniel Cima/CIDH)
A perseguição e criminalização de lideranças na Guatemala e em Honduras
A cinco anos do assassinato de Berta Cáceres, tendência da violência política contra lideranças de Guatemala e Honduras é de escalada.
Por Selvin Torres | Sentipensar Abya Yala
Tradução de Rebeca Ávila para a Revista Opera
O aumento da violência política em países como Guatemala e Honduras é uma constante que os defensores e defensoras de direitos humanos enfrentam. Nos últimos anos, houve uma escalada na perseguição, criminalização e assassinatos de lideranças que defendem o território. Os povos indígenas e camponeses rejeitam o uso da violência e lutam contra um sistema que invisibiliza, discrimina e deixa pelo caminho a morte e a destruição.
Com a assinatura dos Acordos de Paz na Guatemala em 1996, se encerrava um ciclo de repressão e guerra que durou 36 anos. Após a transição à democracia e o aprofundamento do modelo neoliberal, o país centro-americano entrou na etapa de liberalização econômica, privatização e investimento de capitais estrangeiros. A assinatura dos Acordos de Paz não significou o fim da violência, já que essa continua sendo uma política dos governos contra a população que exige uma sociedade mais justa e democrática.
A imposição de projetos de mineração, hidroelétricos e petrolíferos reativou um processo social de luta pela defesa do território. A perseguição às lideranças está caracterizada por uma forte marca discursiva de estigmatização e difamação, somada ao uso de tipos penais para concretizar casos de criminalização e judicialização. Esse padrão tem aumentado gradualmente nos últimos anos: em setembro de 2020, a Unidade de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos da Guatemala (UDEFEGUA) registrou 844 agressões nos primeiros nove meses do ano contra pessoas e organizações defensoras dos direitos humanos. Do total de agressões, 50,11% correspondem a defensores, 36,61% foram contra defensoras e 13,27% contra organizações, comunidades e instituições defensoras dos direitos humanos.
O caso de Honduras não é diferente. O golpe de Estado em 2009 estabeleceu um processo com características autoritárias que desencadeou graves violações aos direitos humanos. As concessões para megaprojetos de exploração da indústria extrativista e a aprovação de uma nova Lei de Mineração em 2013 são fontes para as violações aos direitos humanos, dirigidas em maior parte a defensores e defensoras de movimentos e organizações que se opõem ao modelo econômico que aprofunda as desigualdades e fomenta a militarização e o controle dos territórios.
De acordo com a ONG Global Witness, Honduras é considerado o país mais perigoso para defensores do meio ambiente e o país com maior aumento na porcentagem de ataques letais contra eles. A América Latina, por sua vez, é a região com maior número de assassinatos de ambientalistas. Desde o golpe de Estado em Honduras, 123 foram assassinados, outros ameaçados, agredidos ou presos.
Em 2019, a ONG registrou 212 assassinatos de defensores do território e do meio ambiente, tornando este o ano com maior registro de mortes de pessoas que atuam em defesa das florestas e rios, contra as indústrias extrativistas. O relatório mostra que 40% dos defensores e defensoras assassinados pertenciam a comunidades indígenas.
Um panorama pouco esclarecedor
Em julho de 2018, foram registrados 18 assassinatos de defensores, 32 agressões contra mulheres e duas tentativas de assassinato na Guatemala. Em apenas três meses, oito líderes do Comitê de Desenvolvimento Camponês (CODECA) e do Comitê Camponês de Desenvolvimento do Altiplano (CCDA) foram assassinados entre os meses de maio e julho.
No dia 9 de novembro de 2018, o líder indígena q’eqchi’ Berardo Caal Xol foi condenado a sete anos e quatro meses de prisão por sua defesa dos rios Cahabón e Oxec, devido à instalação de várias hidrelétricas que afetam as comunidades q’eqchi’ no departamento guatemalteco de Alta Verapaz. A prisão política de nove pessoas que denunciaram a contaminação do Lago de Izabal também se soma aos processos de criminalização.
Em setembro de 2018, um tribunal de Honduras emitiu 18 ordens de prisão contra defensores do território do Bajo Aguán, na costa atlântica, incluindo uma ordem de despejo do Campamento por la Vida. Há vários anos, a população da comunidade El Guapinol resiste à instalação de projetos de mineração da companhia Los Pinares, que está causando graves danos ambientais aos rios San Pedro e Guapinol.
Em março de 2016, o caso de Berta Cáceres comoveu o mundo. A líder hondurenha da comunidade lenca foi assassinada a tiros no dia 2, por sua luta contra a construção da represa de Agua Zarca. Co-fundadora do Conselho Cívico de Organizações Indígenas e Populares (COPINH), lutou contra os projetos hidrelétricos que ameaçavam o território hondurenho. Em abril de 2015, recebeu o Prêmio Ambiental Goldman, considerado o maior reconhecimento mundial para ambientalistas. Um ano depois, foi assassinada – embora a CIDH tivesse pedido medidas cautelares de proteção ao Estado hondurenho.
Em 29 de novembro de 2018, um tribunal de Tegucigalpa condenou sete dos oito acusados pelo seu assassinato. Apesar da condenação dos autores materiais, os seus familiares e o COPINH afirmam que essa ação não trouxe justiça. A luta pela verdade é parte do esforço para que o seu assassinato não fique impune, assim como a rede de corrupção e violência que sustenta o modelo extrativista.
A perseguição e criminalização pela defesa do território é uma luta que as lideranças latino-americanas enfrentam diariamente. A desapropriação e exploração dos territórios é algo característico de um sistema que busca favorecer os interesses do capital e dos Estados. Em países onde reina a corrupção e a impunidade, a resistência dos povos é um exemplo de luta diante de tudo aquilo que os ameaça.
* Nota original publicada no Nodal – Noticias de América Latina y el Caribe
Rebeca Ávila
Jornalista e tradutora na Revista Opera. Mestranda em Estudos Sociais Latino-americanos pela Universidade de Buenos Aires, pesquisa a participação do Brasil e de Cuba nas guerras de libertação nacional da Angola, Guiné-Bissau e Moçambique durante a Guerra Fria.