Seis meses de genocídio em Gaza

Créditos da Imagem: Rovena Rosa (Agência Brasil)


A importância e o significado da solidariedade à Causa Palestina

Por Fábio Bezerra

Neste dia 09 de abril, os ataques do governo israelense de Benjamin Netanyahu à Faixa de Gaza completam seis meses, revelando nesse primeiro quarto de século o descalabro do primeiro genocídio transmitido em tempo real a bilhões de seres humanos.

Em primeiro lugar, a mídia tradicional tem tratado o conflito como uma “guerra” entre Israel e o grupo Hamas, intitulado na maioria das matérias jornalísticas como um grupo terrorista. Não se trata de uma guerra convencional, mas de um genocídio que escancara o holocausto ao qual a população palestina, não apenas na Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia ocupada, vem vivenciando de forma mais intensa nesses últimos seis meses.

A compreensão e a devida aplicação do termo guerra, nesse conflito que ocorre na Palestina, só poderia ser utilizada adequadamente, se as forças oponentes em conflito possuíssem paridade de condições bélicas ou, ao menos, condições que aproximassem o poderio militar entre ambas, o que não é o caso desse conflito. Estamos falando de um Estado que possui um dos maiores arsenais militares do mundo, com tecnologia sofisticada, ao contrário da resistência palestina e que, mesmo assim, tem deliberadamente massacrado indistintamente a população civil em Gaza.

O que presenciamos é um massacre deliberado da população civil palestina, sobretudo das mulheres e crianças, sob o pretexto de combate às forças da resistência na Faixa de Gaza. Esse massacre deliberado já martirizou mais de 33 mil palestinos, destruiu quase todos os hospitais em Gaza e devastou cerca de 70% do território, acabando com o pouco de infraestrutura que havia nas principais cidades da região, obrigando milhões de pessoas a se refugiarem ao sul do território.

Em segundo lugar, afirmar que se trata de uma guerra contra o terrorismo é uma forma de tentar dissuadir a opinião púbica de que não há um genocídio em curso contra a população palestina e de que as mortes se legitimam como resultado da luta contra “extremistas terroristas que se escondem” atrás da população civil! Em todas as atrocidades cometidas em conflitos bélicos, ao longo da história, a narrativa ideológica sempre foi um recurso para tentar encobrir violações e barbaridades e justificar os massacres em massa.

Nesse caso específico, afirmamos que o terrorismo em curso é o terrorismo de Estado promovido pelo governo de ultradireita há décadas e que se intensificaram contra a população palestina, principalmente a partir de 2009. A Faixa de Gaza nesses últimos 15 anos tinha se tornado um verdadeiro campo de concentração a céu aberto! As condições de vida de cerca de 2,3 milhões de palestinos nessa região eram extremamente deploráveis, com racionamento de luz, dificuldade de acesso a água potável, alimentos e remédios, além de insumos básicos para a produção agrícola e até mesmo a circulação de mercadorias. O confinamento sistemático, além das humilhações e privações às quais a população de Gaza já vinha sendo submetida é uma forma perversa de tortura, típica dos campos de concentração, ao qual todo o movimento de solidariedade a Palestina denuncia como apartheid social.

Por isso, começar qualquer análise sobre a situação atual da população palestina sem ressaltar o cenário de genocídio sistêmico na Faixa de Gaza, que nos leva a afirmar que há também um etnocídio em curso, assim como não qualificar as ações de Estado do Governo israelense como terrorismo de Estado, não seria possível avançar em qualquer análise honesta sobre essa tragédia imposta ao povo palestino.

O Sionismo, a ultradireita e o Imperialismo

O conflito atual em Gaza é parte de um processo de resistência, tanto ao colonialismo israelense e a todas as atrocidades e desrespeitos que seguem há mais de 75 anos, quanto ao descumprimento deliberado a tratados e acordos firmados por Israel junto à ONU e de luta do povo palestino pela soberania de seu território. Nessas últimas décadas o movimento sionista se tornou a expressão político e ideológica da ultradireita israelense, fortalecendo laços com os movimentos reacionários em todo o mundo e com apoio financeiro a partir do chamado Keren Hayesod, um fundo internacional que arrecada recursos para o movimento sionista. Este “Fundo Comunitário” é um dos responsáveis diretos pelo financiamento de ocupações ilegais israelenses em solo palestino, principalmente na Cisjordânia, além de financiar as ações de diversas entidades sionistas não apenas em Israel, mas também em outras partes do mundo.

Se o sionismo (expressão que provém do termo Sion, que designa a origem do povo hebreu) surge no final do século XIX a partir do Congresso da Basileia em 1896 com o propósito de constituir um “Estado Judeu” ao povo judeu compartilhando da adesão de diversos segmentos ideológicos à época, a partir da instauração do Estado de Israel em 1948 e nos anos subsequentes, esse movimento passou a expressar não apenas a defesa da constituição de um Estado Judeu, mas sobretudo a expansão do território e por consequência a expulsão arbitrária e violenta do povo palestino, anexação de suas terras e imposição do domínio de Israel por todas as vias e meios possíveis. Esse processo só foi possível com o apoio político das grandes potências mundiais à época, fruto do lobby sionista que se processava desde antes mesmo do início da 2ª Guerra Mundial, e o financiamento de um Estado autoritário, repressivo, militarizado e cada vez mais restritivo e xenófobo em relação à população árabe e em especial à população palestina.

O lobby sionista e sua relação direta com os EUA e os governos de plantão das principais economias capitalistas mundiais, além de permitir o desenvolvimento do Estado de Israel e o expansionismo colonialista em terras palestinas com flagrantes desrespeitos a tratados internacionais, tornou-se a expressão ideológica dos interesses do imperialismo estadunidense na região, como salvaguarda política frente ao crescimento da resistência árabe e a identificação da luta pela libertação nacional como elemento de oposição ao colonialismo israelense e a seus laços políticos com o imperialismo. É importante compreender que esse processo só foi possível se consolidar graças aos acordos que os governos israelenses, chancelados pela diplomacia estadunidense, celebrou com governos conservadores e suas respectivas burguesias locais, interessados em evitar o crescimento da influência política que a luta pela libertação nacional da Palestina com perspectivas contra hegemônicas poderia produzir na geopolítica local, contrapondo-se aos interesses das elites árabes e seus acordos com os EUA.

Toda e qualquer reação que ponha em xeque os interesses e as alianças pela manutenção de poder de determinados grupos associados ao consórcio EUA-Israel, mesmo que essas reações não tenham a priori uma perspectiva de ruptura revolucionária, passam a ser alvo de investidas ideológicas, econômicas, políticas e em última instância de agressão bélica. Isso ajuda a compreender a disseminação ideológica, arbitrária, preconceituosa e por conseguinte manipuladora do termo “terrorista” a qualquer um que manifesta apoio à Causa Palestina, quando não se apoiam em interpretações religiosas distorcidas para induzir o senso comum a justificar as agressões israelenses e discriminar qualquer iniciativa de solidariedade aos palestinos e de denúncia do que realmente representa o sionismo.

Nesse sentido deve-se entender o movimento sionista não mais como a expressão daquilo que foi o seu surgimento no final do século XIX, mas como a expressão política e ideológica dos interesses imperialistas na região e da extrema-direita israelense, que revela através do genocídio do povo palestino não apenas uma política de estado, mas sobretudo um projeto de poder para toda a região. Projeto de poder que estipula um alinhamento internacional com o crescente movimento reacionário em curso em vários países desenvolvidos, os quais expressam, por sua vez, a agudização da crise do modo de produção capitalista, aumentando as tensões sociais e as contradições políticas, que alimentam o intento reacionário e retrógrado em diversos segmentos da burguesia em dezenas de país no mundo, tendo o neofascismo como uma das suas principais expressões.

É importante destacar nessa passagem que não há uma crise do imperialismo como alguns assim entendem, mas o aprofundamento da crise sistêmica e estrutural do capitalismo, produzindo reações diversas e contraditórias em todas as esferas da vida social. O imperialismo é parte constitutiva dessa crise, que se equaciona em conflitos de interesses entre as grandes nações capitalistas por mercados consumidores e territórios, matérias primas, recursos hídricos e tudo aquilo que possa garantir domínio e permanência de um status de poder na dinâmica de busca de hegemonia nas tensões presentes na geopolítica mundial.

Pensar a Causa Palestina, a resistência palestina e a luta pela libertação nacional significa refletir esse processo entrelaçado com o contexto das ações imperialistas na região do Oriente Médio, suas possíveis conexões com a reação burguesa à crise do capitalismo, sobretudo através de alianças que o movimento sionista estabelece com outras forças reacionárias como forma de apoio político nos respectivos países, que são, por sua vez, a expressão da força do lobby sionista e ao mesmo tempo a expressão do alinhamento ideológico da direita mundial.

A Solidariedade Internacional e o papel dos Comitês

Para nós, comunistas, a solidariedade é antes de tudo uma tomada de posição política e um instrumento de ação que deve denunciar as causas dos abusos e todos os tipos de contradições que ressaltam e estruturam a desumanização dos povos sob várias formas. É uma atitude que deve ir além da evidenciação das consequências que nos causa repulsa. É mais do que um valor moral universal, como filosoficamente muitos classificam.

Mais do que uma consternação subjetiva, é a manifestação consciente do lastro daquilo que nos causa repulsa e sensibiliza como consequência direta das contradições do capitalismo. O que faz de todo ato de solidariedade um necessário processo pedagógico de denúncia das estruturas e da dinâmica das contradições que geram a violência contra os povos e que muitas vezes são naturalizadas pela ideologia dominante, contaminando o senso comum com a insensatez que tanto se faz presente em uma sociedade cada vez mais individualista.

O recrudescimento da violência do Estado de Israel ao povo palestino nesses últimos seis meses possui uma estrutura e uma dinâmica que estão associadas à lógica do imperialismo na região e de uma de suas expressões locais mais contraditórias: o colonialismo sionista em terras palestinas e o apartheid social como mecanismo de subjugação da identidade de um povo. As chamadas Forças de Defesa de Israel têm empreendido, sem nenhum escrúpulo e sem nenhum limite, um desproporcional ataque à população civil palestina em Gaza. Esse ataque tem revelado ao mundo não apenas as atrocidades da barbárie dessa incursão militar em Gaza, mas sobretudo a metodologia genocida, a estratégia de destruição sistemática das cidades de Gaza e seu componente ideológico que se traduz em xenofobia e ações ditas “preventivas”, que são a expressão daquilo que acusamos de terrorismo de Estado, além do recrudescimento do apartheid social.

Além dos ataques indiscriminados à população civil em Gaza, há também o apoio financeiro a milícias de colonos, com a entrega de armas a essas milícias nas terras ocupadas da Cisjordânia, promovendo uma escalada sem precedentes de atentados aos palestinos na região ocupada, ultrapassando mais de 400 palestinos assassinados desde outubro de 2023. O próprio ministro da defesa do Estado de Israel, Yoav Gallant, já foi flagrado em reuniões com representantes extremistas das comunidades de “colonos” na Cisjordânia estimulando o porte de armas e o ataque a população civil palestina local.

Toda essa carnificina tem sido revelada ao mundo graças à dinâmica das redes sociais que, de certa forma, consegue quebrar parte do monopólio de comunicação internacional que durante décadas foi represada e ou filtrada pelas grandes agências de notícias internacionais, restringindo o acesso a imagens e a dados importantes como número de vítimas ou atentados a hospitais, escolas, entre outros. Em todo o mundo ampliou-se o sentimento de solidariedade à Causa Palestina e de repulsa ao massacre do povo palestino. Milhares de manifestações de rua contra os ataques israelenses a alvos civis e iniciativas, que vão desde abaixo-assinados pela ruptura das relações diplomáticas dos países locais com o Estado de Israel até o boicote a produtos de empresas que financiam o sionismo, foram algumas das diversas iniciativas de protestos.

No Brasil também não tem sido diferente: centenas de iniciativas surgiram em todas as regiões, resultando na organização de Comitês de Solidariedade à Palestina. Esses comitês locais possuem como principais características um formato horizontalizado e mais democrático na sua estrutura de organização, envolvendo os mais diversas setores da classe trabalhadora, partidos políticos e movimentos sociais sensíveis à causa palestina, com dinâmicas próprias de funcionamento e tendo como principal ponto de unidade a suspensão imediata das incursões militares em Gaza e a retirada das forças invasoras dos territórios ocupados, o cessar-fogo e a defesa da constituição de um Estado Palestino soberano.

Além disso, outra importante característica que mantém a unidade de ação na diversidade político-ideológica daqueles que se associam à defesa da causa palestina e à solidariedade a seu povo é a justa compreensão e o reconhecimento da autodeterminação do povo palestino em suas questões internas. O foco de nossa militância em ressaltar a heroica resistência do povo palestino independente da multiplicidade de tendências que compõe o cenário das organizações da chamada resistência palestina.

Sendo assim, as iniciativas de solidariedade ao povo palestino vêm constituindo em todo o mundo um amplo campo de denúncia contra o governo de ultradireita de Bejamin Nethanyahun, bem como a política de Estado que promove a usurpação de terras palestinas e o apartheid social imposto, os massacres constantes e a violação de tratados internacionais e dos mais elementares direitos humanos. Mesmo com nuances diversas, movimentos como o Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que foi criado em 2005 por uma coligação de grupos da sociedade civil palestina, têm provocado efeitos econômicos e políticos a diversas empresas que financiam o Estado de Israel e as políticas de Nethanyahun.

É importante destacar a repercussão na mídia internacional sobre a manifestação do Governo Sul-Africano junto à Corte Internacional de Justiça em Haia, acusando o Estado de Israel de descumprir os protocolos internacionais de Guerra, acusando-o de prática de genocídio, levou Israel ao banco dos réus pela primeira vez na História, em seu longo percurso de massacres e violações de direitos. Todo o conjunto de ações articuladas e variadas, inclusive as manifestações de chefes de Estado, de clérigos de religiões diversas, celebridades do mundo das artes e esportistas, dentre outros, tem aumentado a exposição das contradições e dos crimes do Governo sionista de Israel e seu consecutivo isolamento no cenário internacional. Esse deve ser um dos principais elementos que devemos explorar constantemente em nossas manifestações públicas.

Nesse contexto, o fortalecimento dos Comitês de Solidariedade a Palestina é algo imprescindível por parte de todas as organizações que possuem o compromisso com a causa palestina e com a necessária emancipação do povo palestino do jugo do colonialismo de Israel. E isso deve estar associado ao necessário debate sobre o que representa a crise do capitalismo em sua atualidade e seus desdobramentos internacionais, que podem se manifestar através dos conflitos e guerras regionais, intervenções imperialistas na desestruturação de governos locais, genocídios como o que ocorre na Palestina e em países em guerra no continente africano, por exemplo.

Evidentemente esse debate sobre a conjuntura em crise deve se desdobrar também sobre nosso contexto político recente, sobre os atores políticos regionais e suas ramificações com a extrema direita internacional, a correlação de forças e a intensidade do grau de mobilização e reação dos aliados do sionismo em suas variáveis vertentes, os possíveis cenários e a potencialidade de nossas forças.

Um bom exemplo desse processo descrito acima são as sucessivas investidas da Confederação Israelita do Brasil (CONIB) contra o jornalista Breno Altman em relação a sua campanha de denúncias sobre os crimes do governo sionista de Bejamin Nethanyahun e mais recentemente as investidas do presidente da Câmera dos Deputados Arthur Lira, do PP de Alagoas, que solicitou no conselho de ética da Câmara um pedido de cassação do mandato do deputado federal Glauber Braga do PSOL-RJ, apenas por ter promovido uma audiência em solidariedade ao povo palestino.

A questão da solidariedade internacional não pode estar desassociada do necessário debate sobre a conjuntura em crise e seus desdobramentos políticos, econômicos e ideológicos sobre a classe trabalhadora tanto no nível internacional quanto no Brasil. Além de atuamos também na desconstrução das falácias que tentam justificar o massacre palestino, combater os preconceitos contra a população palestina, alimentados principalmente pela mídia burguesa, esse processo deve também ser a expressão da justa exigência ao Governo Lula de romper os acordos institucionais entre Brasil e Israel. Além das palavras de efeito, o Governo Lula até aqui apenas fez gestos diplomáticos em apoio ao processo do governo sul-africano contra Israel em Haia e considerações pelo cessar-fogo imediato. Mas mesmo após o pronunciamento de Lula no encontro da Confederação Africana em Adis Abeba, em fevereiro desse ano, o governo brasileiro mantém os acordos militares firmados em 2019 ainda no Governo Bolsonaro. A Câmara dos Deputados ampliou esses acordos com a aprovação, em 19/10/2023 (dez dias após os inícios das incursões mais recentes de Israel à Faixa de Gaza), do Projeto de Lei 554/21 que, entre outras coisas, amplia as ações de inteligência e o uso de tecnologia de informação.

Os Comitês de Solidariedade têm tido um papel decisivo nas mobilizações de massa em defesa do povo palestino e na demonstração pública de nosso repúdio ao massacre palestino, ao sionismo e seus aliados e à exigência da ruptura dos acordos institucionais (militares, científicos-tecnológicos, comerciais, entre outros) entre o Estado brasileiro e o Estado israelense. Além disso, os Comitês também se tornaram um importante espaço de debate e formação política que enfatiza o contraponto ideológico às narrativas conservadoras defensoras do chamado “direito de defesa” do Estado de Israel, que servem como argumentos falaciosos junto ao senso comum para justificar a prática do apartheid social e o genocídio em curso.

E por fim têm representado sobretudo um significativo potencial de unidade de ação, fruto do esforço que muitas organizações políticas tem procurado desempenhar para que os Comitês se mantenham amplos em sua capacidade de aglutinação de todos(as) aqueles(as) que se revoltam com os crimes cometidos em Gaza, que queiram ajudar a disputar corações e mentes junto à sociedade brasileira denunciando os crimes do governo israelense e a importância da nossa atenção e mobilização solidária. Esse tem sido o foco dos comitês e é a justa medida daquilo que nos unifica e fortalece nosso compromisso internacionalista contra o flagelo da barbárie capitalista nesse contexto.

A militância em torno da solidariedade ao povo palestino poderá, por sua vez, efetivar possíveis diálogos e unidade de ação no campo dos movimentos sociais, que vêm empreendendo conjuntamente campanhas de rua contra o genocídio e apartheid social promovidos na Palestina. Essa unidade de ação poderá, a partir da evidência das análises sobre a conjuntura internacional, associar as contradições em curso no panorama nacional, como expressões de um mesmo processo conjuntural, adaptando os cenários locais e as circunstâncias de determinados processos políticos à necessidade de também empreendermos lutas conjuntas em outros espaços específicos que fortaleçam a reação da classe trabalhadora e da juventude ao neoliberalismo e ao neofascismo.

Os possíveis cenários

A resistência institucional do Governo Nethanyahu em ceder aos apelos diplomáticos de diversos países e até mesmo à resolução do Conselho de Segurança da ONU por um cessar-fogo imediato, tem demonstrado o quanto o governo israelense está disposto a continuar o genocídio em curso e o quanto o lobby sionista está disposto a sustentar esse massacre à guisa de qualquer posicionamento dos organismos multilaterais e dos chefes de Estado.
O preço político de dobrar a aposta em aumentar as ações militares contra civis palestinos em Gaza, destruindo hospitais, massacrando pessoas famélicas, que buscavam acesso aos sacos de farinha despejados de aviões no litoral de Gaza e, mais recentemente, o assassinato de sete agentes da ONG World Central Kitchen (WCK) que prestavam auxílio humanitário aos palestinos, tem aumentado a repulsa mundial aos ataques israelenses, expondo as atrocidades da coligação de ultradireita que governa o país.

Essa exposição mundial, por sua vez, tem alimentado velhos preconceitos antissemitas contra o povo judeu de modo geral, atingindo também parte da comunidade israelense que não apoia o sionismo como regime de governo e tampouco o genocídio em curso em Gaza e os massacres na Cisjordânia ocupada. Essa situação tem elevado também as pressões internas em Israel pela queda do governo de Netanyahu que, antes do recrudescimento dos ataques sobre a população palestina, vinha sofrendo processos judiciais por acusações de corrupção. Já foram contabilizadas, por exemplo, nos últimos meses, dezenas de manifestações de rua em Tel Aviv e outras cidades promovida por israelenses exigindo a queda do governo.

É possível um cenário de aumento de pressões vindas das grandes potências capitalistas – fiadoras dos governos israelenses, política e financeiramente por muitos anos – pela suspensão das incursões militares em Gaza, mas isso é uma possibilidade que não necessariamente resultará em um cessar-fogo imediato, tampouco na suspensão de violações e muito menos significa o fim eminente do sionismo como regime de governo. Mesmo que Netanyahu venha a cair nos próximos meses, isso não significa necessariamente uma mudança radical nos rumos da política de estado de Israel em relação às ocupações sionistas em terras palestinas, tampouco a libertação dos mais de 3000 presos políticos palestinos, enclausurados nas masmorras israelenses. Até porque já assistimos a composições partidárias que assumiram o governo israelense e que não defendiam em seus programas de governo certas práticas sionistas, mas mantiveram de forma latente o colonialismo, a repressão e a arbitrariedade na Palestina ocupada.

A possibilidade mais provável, tendo em vista as recentes declarações do Ministro da Defesa, é a de que o Governo israelense não pretende recuar e jamais suspender seu intento de destruir a Faixa de Gaza por completo e isso fica ainda mais evidente com o cerco à cidade de Rafah ao sul de Gaza, último refúgio de centenas de milhares de palestinos que perderam absolutamente tudo ao norte de Gaza. Essa ameaça eminente de uma carnificina ainda mais sangrenta e desumana com os possíveis ataques em Rafah não pode ser desconsiderada pela momentânea retirada das tropas sionistas da cidade de Khan Yunis e o crescente isolamento internacional do governo israelense.

Uma prova de quanto o sionismo está disposto a alimentar a instabilidade regional como elemento para se auto-justificar internamente, disputar a opinião pública israelense e o apoio internacional foi o recente atentado terrorista promovido pelas Forças de Defesa Israelense, com o apoio logístico da Mossad (Agência de Inteligência e Operações Especiais israelense) à embaixada da República do Irã em Damasco na Síria, no último dia 02 de abril, deixando 13 pessoas mortas e dezenas feridas. Isso tudo nos impõe a consciência da possibilidade de que as incursões militares de Israel na Faixa de Gaza ainda estão longe de acabar – mesmo com todo o desgaste político e militar de Israel – assim como é possível que haja uma escalada ainda maior de ataques milicianos na Cisjordânia ocupada e outros atos de terrorismo de Estado contra países árabes. Esses atos de terrorismo de Estado funcionam como táticas de provocação política para ampliar a instabilidade regional e justificar assim novos ataques militares, procurando retirar, dessa forma, os holofotes dos desgastes e das reações contrárias que o governo sionista de Benjamin Netanyahu vem acumulando.

Desta forma se faz necessário ainda mais empenho, compromisso e diversificação nas ações de massa que os Comitês de Solidariedade à Palestina devem desempenhar, no sentido de ampliar a denúncia sobre o genocídio em curso e aumentar a pressão política sobre o governo Lula, para que se rompam todas as relações institucionais entre os dois países como forma de aumentar a pressão internacional contra o holocausto vivenciado pelo povo palestino.

A resistência palestina a décadas de humilhação, usurpação criminosa de seu território, massacres e todas as formas de desrespeito e tentativa de subjugação é com certeza um dos maiores exemplos históricos de resiliência moral e persistência política de um povo que não se deixa sujeitar pela força invasora, não se curva ao jugo do colonialismo e que mantém viva a chama da rebeldia e da esperança daqueles que lutam pelo direito de viverem livres e com dignidade em suas terras. Por tudo isso é fundamental o fortalecimento dos Comitês de Solidariedade à Palestina, sua ampliação em todo o país e a possibilidade de construção de espaços comuns onde possamos trocar experiências, informações, avaliações e a promoção de campanhas unificadas que possam ampliar nossa atuação junto à população brasileira e aumentar nossa força política em defesa do povo palestino nos somando a esse amplo movimento internacional de solidariedade.

É a esse povo de luta, assim como a tantos outros povos que travaram lutas de libertação nacional contra o jugo da dominação estrangeira é que rendemos nossa homenagem e a total e incondicional solidariedade, que deve ser um instrumento de conscientização de nosso povo sobre a importância da resistência ao autoritarismo e a tudo aquilo que nos oprime, nos explora e tenta nos destruir como classe.

Em tempo, ao fechar a redação desse texto, tomei ciência de que o combatente da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), Walid Daqqa, 62 anos, que estava preso desde 1986 e estava com seu nome cotado em uma lista de libertação de presos firmada há mais de um ano entre o governo israelense e a Autoridade Nacional Palestina, por motivos de gravidade nas condições de saúde, faleceu neste domingo, dia 07 de abril, devido ao abandono da administração prisional e à falta de assistência médica necessária ao quadro de agravamento de seu estado clínico, que foi se deteriorando ao longo dos anos, submetido aos maus tratos e torturas diversas.
Ao longo de seus 38 anos de prisão, Daqqa produziu dezenas de livros, estudos e artigos sobre a Resistência Palestina e as atrocidades às quais os presos políticos eram submetidos nas prisões israelenses.

Camarada Walid Daqqa Presente!
Agora e Sempre!

Palestina Livre do Rio ao Mar!

Fábio Bezerra é professor de Filosofia, membro do CC do PCB e do Comitê Mineiro de Solidariedade ao Povo Palestino