Lei anti-Oruam: perseguição à cultura periférica
União da Juventude Comunista – UJC SP
A Coordenação Estadual da UJC em São Paulo vem a público expressar sua firme oposição ao Projeto de Lei conhecido como “Lei Anti-Oruam”, que visa proibir a contratação de artistas que supostamente promovem “apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas” em eventos financiados com recursos públicos. Entendemos que se trata de mais um capítulo na histórica tentativa de perseguição às expressões culturais negras e periféricas, em especial aquelas que retratam o cotidiano violento das favelas.
O projeto foi apresentado, inicialmente, na Câmara Municipal de São Paulo pela vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil). Recentemente, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) declarou apoio à iniciativa. Pelo menos 12 capitais já têm projetos parecidos, a maioria apresentada por vereadores do União Brasil e do Partido Liberal, evidenciando uma articulação nacional da extrema-direita para criminalizar a cultura periférica.
O texto do PL é vago, subjetivo e abre margem para interpretações seletivas. A justificativa central do projeto é a “proteção de crianças e adolescentes” contra conteúdos que supostamente glorificam o crime. No entanto, essa narrativa desconsidera que a violência retratada nas letras de rap e funk não é uma “glorificação”, mas um reflexo da realidade vivida por milhões de jovens periféricos.
Além disso, o texto estabelece que os artistas contratados devem evitar expressar “apologia ao crime e ao uso de drogas”, mas não define critérios claros para o que significa “apologia” ou “drogas”. Essa ambiguidade permite que a lei seja usada como instrumento de censura seletiva, visando especificamente os artistas do rap e do funk. O projeto não se limita a Oruam, ele abre precedentes para a perseguição de qualquer artista que retrata a realidade das periferias, criminalizando narrativas que incomodam o campo conservador e prejudicando financeiramente, em grande escala, todo um segmento artístico.
O projeto leva o nome de “Lei Anti-Oruam” em referência ao artista MC Oruam, rapper carioca de 25 anos que se tornou um dos principais nomes do trap e do funk no Brasil. Nos últimos meses, Oruam tem sido alvo de ataques racistas na internet por ser filho de Marcinho VP, que atualmente se encontra preso e é um dos líderes do Comando Vermelho, facção criminosa do Rio de Janeiro. Oruam nunca conviveu com seu pai em liberdade. Apesar dessas adversidades, o artista conquistou milhões de fãs com músicas que retratam amor, ostentação, violência policial, dilemas da vida no crime e a realidade violenta das favelas do Rio.
Na nossa visão, apesar de ser filho de uma pessoa privada de liberdade, Oruam não deve ser reduzido a essa relação familiar. Na alta burocracia do Estado Burguês, por exemplo, não faltam pessoas descendentes de escravocratas, criminosos e corruptos. Nem por isso essas pessoas têm sua biografia e seu trabalho prejudicados. Pelo contrário, muitas vezes são beneficiadas por essas relações. A perseguição a Oruam é, portanto, um claro exemplo de seletividade e racismo.
A autora do projeto, Amanda Vettorazzo, é integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), grupo que se autointitula defensor da liberdade. Contudo, ao propor uma lei que ataca a liberdade de expressão de artistas, Amanda e seu grupo revelam seu autoritarismo e a hipocrisia do discurso liberal. Por um lado, acusações apresentadas pelo deputado Glauber Braga e pelo jornal The Intercept Brasil apontam a possivel ligação de membros do MBL com simpatizantes do supremacismo branco; além de um coordenador nacional, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil), investigado por apologia ao nazismo após participar de podcast onde defendeu o direito de existir um partido nazista. Por outro lado, esse mesmo grupo não hesita em restringir as liberdades dos artistas periféricos de expressarem sua visão de mundo, escancarando a seletividade de sua “liberdade”.
Enquanto a classe trabalhadora e a juventude de São Paulo enfrentam diariamente a pior face do caos e da pobreza dessa cidade, a vereadora recém-empossada prefere gastar seu tempo e recursos legislativos perseguindo artistas, em uma clara tentativa de agradar o setor racista e elitista da sua base eleitoral. Isso prova o quanto o MBL está disposto a não só transformar seus gabinetes em balcões de negócios da burguesia, como também institucionalizar seu ódio racial e de classe.
É importante destacar, também, a contradição de figuras do funk paulista, como MC Dricka e MC Don Juan, que na última eleição municipal (2024) apoiaram a campanha do atual prefeito Ricardo Nunes. Hoje, Nunes apoia o PL Anti-Oruam, traindo a confiança que esses artistas deram ao prefeito. Além dos Mc’s, o empresário de funkeiros Rodrigo GR6 também fez campanha para Nunes e aparentemente está organicamente envolvido nos projetos do prefeito na cidade. Contudo, o apoio de Rodrigo não nos surpreende. Como ‘capitalista do funk’, Rodrigo lucra com o trabalho dos artistas, ao passo que se alinha a setores que historicamente atacam as raízes e a essência dessa mesma cultura, se aproveitando da cultura periférica para lucrar e aumentar seu patrimônio.
A criminalização da cultura negra não é novidade no Brasil. Cabe lembrar que o mesmo aconteceu com a capoeira e o samba, o movimento soul-funk, o hip-hop e o funk brasileiro. Tratando-se de artistas do rap, grupos como Racionais MC’s e Facção Central já foram alvos de iniciativas semelhantes. Em 1994, os integrantes dos Racionais foram presos após um show no Anhangabaú, acusados de “apologia ao crime”; em 2000, o clipe “Isso Aqui é uma Guerra”, do Facção Central, foi censurado por um promotor de justiça sob a mesma alegação; nos anos 2010, ocorreu uma onda de chacinas contra Mc’s na Baixada Santista, os mesmos que, na época, eram igualmente acusados de promover apologia ao crime, dentre outros casos. Esses episódios mostram que o PL Anti-Oruam não é um fato isolado, mas parte de uma estratégia de silenciar as vozes que, implícita ou explicitamente, criticam a ordem e o pensamento dominante.
Nesse sentido, com base no extenso legado de luta do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na defesa da cultura popular, a União da Juventude Comunista vem a público repudiar quaisquer iniciativas que busquem criminalizar o rap, o funk e quaisquer expressões culturais periféricas. Nos colocamos à disposição da luta contra essa perseguição. Reafirmamos nosso compromisso com a liberdade de expressão das vozes periféricas e com a construção de uma sociedade onde a arte e a cultura do povo sejam respeitadas e valorizadas.
Coordenação Estadual da UJC em São Paulo