Verde que te quero verde
A bandeira ambientalista é uma das grifes mais atraentes para aquela parcela do eleitorado que pensa ser possível definir o seu voto num espaço acima de condicionantes político-ideológicas. Trata-se, esta idéia, de uma mistificação em si mesma ideológica, e com implicações políticas perigosas, na medida em que a retórica ambientalista tende a ler o universo dos problemas ambientais como fenômenos redutíveis a uma causa explicativa única. Esta causa seria o ser humano ou a humanidade, situados aqui como irracionais e predadores. Um ser interpretado “fora da história”, naturalizado ele próprio como um “espírito” que destroi a si e ao ambiente.
O efeito dessa mistificação é considerável como potencial desmobilizador e / ou bloqueador de uma crítica política aos graves problemas que afetam a natureza e o homem. Não é por acaso que, salvo raras exceções, os partidos “ecologistas” formulam seus programas sem uma central e fundamental crítica / denúncia ao modelo de produção capitalista, este sim degradante do ser do homem (dado que aliena-o de sua condição humana), e dos elementos da natureza (dado que tudo deve ser transformado em mercadoria).
Transformada, sob a percepção politicamente alienada, numa marca para consumo de gente bem intencionada, cheia de amor pra dar pelo bem da mãe-terra e de seus pobres habitantes irracionais, a causa ambientalista ganha então a simpatia geral dos que, aparentemente acima de quaisquer ideologias, seja o político ou o eleitor, estão prontos a apoiar iniciativas e planos com selos verdes, sustentáveis etc. E então, afinados num coro quase religioso, imbuídos de uma fé deslumbrada na ilusão de salvar a terra sem combater o modo de produção capitalista, parecem todos querer a mesma coisa – do empresário e sua cantilena da sustentabilidade ambiental (em geral, hipócrita) ao político verde e seu discurso cheio de soluções para os efeitos, mas nunca atacando as causas.
Esta atitude angaria simpatias, mas é inócua do ponto de vista prático. As justas e legítimas bandeiras do ambientalismo merecem o apoio de todos, mas e daí? Na prática, alguma vitória pontual pela preservação dos ecossistemas, se não articulada com o desmonte do modelo econômico cuja filosofia é a do lucro a qualquer custo (predando a natureza e o homem), significará nada, pois a cada “selo verde” correspondem dezenas de empresas com seus selos podres. Ou seja, o modo de produção vigente degrada a vida natural e o ser do homem numa progressão geométrica que os verbos e gestos do ambientalismo alienado jamais conseguirão bloquear.
Uma outra dimensão do ambientalismo como grife de consumo é operar simbolicamente a ideologia da participação: plantam-se árvores; o Greenpeace finca sua logomarca nos quatro cantos do mundo; parlamentares “verdes” são eleitos; salvam-se as ararinhas azuis e os micos-leões-dourados etc. Mas e daí? Se tudo se esgota no e pelo ambiente, do que participamos e o que pretendemos, objetivamente?
O curioso é que a própria dimensão política da ação dos ambientalistas é em si mesma uma camisa de força que estes, talvez sem perceberem, alimentam na medida em que a mídia repercute tais ações reativas. E assim o ambientalismo, cada vez mais, torna-se auto-referente, amestrando suas agendas segundo a boa recepção dos formadores de opinião das mídias. O círculo se fecha na forma de um discurso repetitivo e restrito, em cuja essência vê-se operando uma fraude ideológica. Esta fraude provoca graves efeitos: bloqueia a formação de uma consciência crítica que transcenda a retórica reducionista e ao mesmo tempo torna absoluta uma visão instrumental desse homem que, desnaturalizado, precisa de ecossistemas salvos e equilibrados, mas não precisa ser salvo para esses mesmos ecossistemas. O ser do homem do ambientalismo alienado é um ser também natural, quase um espírito hegeliano que sobrepaira a terra, alheio à história, imune às contradições e conflitos da ordem econômica capitalista.
Não admira que os partidos verdes, em quase todos os países onde estão organizados, cada vez mais perfilam com agrupamentos e partidos cujas agendas políticas são ideologicamente conservadoras, embora com discursos modernosos, fazendo juras de amor à mãe-terra. Por oportunismo político, derivada da degeneração ideológica, buscam o voto a qualquer custo, mesmo com grupos que simbolizam a defesa de um sistema econômico predador da vida humana e da natureza. O verde dos verdes é cada vez mais cinza…
Roberto Numeriano é cientista político (UFPE), jornalista, membro do Comitê Central do PCB e da direção estadual do PCB-PE.