Não deixaremos as páginas em branco: é pela luta quilombola e pelo poder popular
Por Marianna Rodrigues*
É comum que se escute Brasil afora que o Rio Grande do Sul é um estado “de brancos”. Inclusive, no próprio estado gaúcho há quem acredite nisso. Ao narrar o processo de formação de nosso estado, pouco ou nada se fala da história do povo negro… Como se fossem páginas em branco, sem registro, esquecidas.
Ao contrário do que se pensa, a cultura negra é parte fundamental da constituição de nosso estado. “História viva”, que existe e resiste neste pago – no campo e nas cidades! Só em Porto Alegre, por exemplo, são 5 quilombos urbanos reconhecidos.
Em Restinga Seca, na região central, o quilombo de São Miguel contava com mais de 150 famílias até 2006, segundo dados do INCRA. E são muitos outros registros quilombolas espalhados por todas as regiões – mais de 130 comunidades identificadas -, grande parte ainda não reconhecidos legalmente.
O povo negro teria chegado massivamente ao Rio Grande do Sul, sobretudo, para servir de mão-de-obra escrava para a principal atividade econômica do estado: a produção de charque. E, embora tenha sido em torno do charque o acontecimento histórico mais marcante da cultura gaúcha, a “Guerra dos Farrapos” (1835 – 1845), essa história é contada pela ótica das classes dominantes, ignorando por completo que a produção só existia em razão da força de trabalho negra.
Outro episódio marcante fora a Guerra do Paraguai. Em razão da ampla campanha de convocação para as fileiras do exército, negros escravizados do país inteiro foram trazidos para o sul. Ainda, os proprietários escravistas, quando convocados, negociavam seu alistamento em troca da convocação de “seus escravos”. E “os escravos”, se voltassem com vida, poderiam pleitear sua “liberdade”.
Mas o povo negro nunca recebeu do Império qualquer meio que pudesse garantir sua sobrevivência. Diferente dos imigrantes europeus, que ao chegarem no Rio Grande do Sul dispunham de um pedaço de terra para plantar. Nesse sentido, numa rápida síntese, é possível constatar como a história do povo negro no Rio Grande do Sul fora escrita à base de muito sangue e muita exploração.
Assim como no resto do Brasil, os “quilombos gaúchos” foram os espaços que negras e negros construíram para manter sua história e sua cultura vivas. Ocuparam latifúndios, coletivaram pedaços de terra, desenvolveram seus próprios meios de vida e preservaram muitas de suas tradições.
Após ter sido submetido a um processo sócio-histórico tão violento, o povo negro constitui a maior parte da força de trabalho brasileira. Ou seja, está majoritariamente nas classes “de baixo”. Ao mesmo tempo, o número de refugiados e imigrantes vindos de África seguem aumentando, em geral em condições de trabalho extremamente precárias, o que reforça este cenário. Com o capitalismo plenamente desenvolvido no Brasil, a luta quilombola, símbolo originário de enfrentamento aos latifúndios, espaço exemplar de construção de uma nova cultura sem exploração, segue sendo extremamente atual. O tempo passa, e o povo negro segue em busca de sua emancipação.
Ora, não há espaço para os quilombos no capitalismo! As políticas governamentais dificultam a todo o custo a titulação das terras, com inúmeros entraves burocráticos; a cultura quilombola vai sendo esquecida, pois o povo negro é sugado pelas necessidades materiais de sobrevivência; e, ainda, são poucos os coletivos que buscam retomar a história de luta quilombola.
Nós, que lutamos pelo poder popular, não podemos permitir que essas páginas sigam em branco. Reparação ao povo negro já!
Viva a luta quilombola!
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*Militante do PCB no Rio Grande do Sul
Textos de apoio:
MAESTRI, Mário. “Terra e liberdade: as comunidades autônomas de trabalhadores escravizados no Brasil.” In: AMARO, Luiz Carlos [Org.]. Afro-brasileiros: história e realidade. Porto Alegre: EST, 2005
MELLO, Marcelo Moura. Raízes e rotas da terra. Formação de um território negro no sul do Brasil. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: 2011.
MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. 3. ed. São Paulo: Editora Ática, 1993.
TORAL, André Amaral. A participação dos negros escravos na guerra do Paraguai. São Paulo: Revista Estudos Avançados, 1995.