Toda Mulher Negra é um Quilombo!
Por Larissa Gouveia*
Iniciando o mês que tem um dia do ano ”dedicado” à Consciência negra, relembramos algumas questões referentes às novas amarras que carregamos após a falsa abolição, agora com a sociedade brasileira submetida ao trabalho assalariado.
Mas, primeiro, indagamos reflexões sobre o termo imputado na primeira frase deste texto: Quilombo. O que seria um quilombo e o que queremos dizer ao nos colocar como sujeitos que carregam uma historicidade perpassada por nossos ancestrais que lutaram e resistiram ao sistema de exploração e opressão que coisificava e desumanizava um povo?
Bem, primeiro trazemos a definição do termo Quilombagem. Segundo Clóvis Moura (1992), a Quilombagem foi um movimento de mudança social que provocou uma força significativa ao sistema escravista, abalando as suas bases em diversos níveis – econômico, social e militar. Foi um movimento de rebeldia permanente, organizado e dirigido pelos escravizados em todo o território nacional, de combate a uma forma de trabalho contra a qual se voltava o próprio sujeito que a sustentava. O Quilombo é o seu centro organizacional de rebeldia, revolta, não-passividade e negação desse sistema de exploração-opressão por parte dos oprimidos. Ou seja, o quilombo era a unidade básica de resistência do escravizado.
O Quilombo não é apenas um local de fuga. Ele tinha como proposta um outro tipo de sociedade com organização política, econômica, cultural, com direitos e costumes. O Quilombo é a unidade básica da resistência dos trabalhadores negros que foram escravizados – seja pelo absurdo de tornar o (a) trabalhador (a) uma propriedade em quase quatro séculos no Brasil ou atualmente condenando grande parte deles (as) a ocupar cargos de trabalho socialmente subalternizados, bem como compondo o exército de reserva (desempregados).
O Quilombo é a resistência da população que leva baculejo em revista policial, que é seguida em lojas, que sofre assédio no local de trabalho, que enfrenta a precarização da educação pública e o sucateamento dos hospitais nos bairros. O Quilombo são as mulheres e homens que dão o sangue e o suor para criar seus filhos e tentar salvar essa Juventude da ”guerra às drogas” e da violência do aparato militar, muitas vezes sem nem se dar conta que tudo faz parte do projeto eugenista de higienização social arquitetado pelas contradições da sociedade dividida em classes.
O Quilombo é cada menina negra que passa por um processo de desintoxicação do que seria o belo e o puro, passando a se orgulhar e ver beleza em cada traço ancestral que carrega em si. O Quilombo é cada mulher negra que chefia lares brasileiros, que carrega sozinha a dor de perder um filho assassinado pelos braços do Estado e que não tem chance nem de chorar seu luto, pois precisa sobreviver sendo responsável pelo resto da família, os que ainda não foram alcançados fatalmente pelo genocídio.
O Quilombo é se sentir indivíduo e coletivo ao mesmo tempo, por perceber que mais da metade do país compartilha dessa infeliz realidade fruto do descaso sistêmico. O Quilombo nasce em nós e permanecerá dentro de cada mulher e homem negro de nossa classe até a derrubada desse sistema que nos obriga a viver lutando.
*Pedagoga, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro.
Fontes:
MOURA, C. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Editora Ática, 1997.
MOURA, C. História do negro brasileiro. São Paulo: Série Princípios, 1992.
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