A luta da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
25 DE JULHO: DIA INTERNACIONAL DA MULHER NEGRA LATINO-AMERICANA E CARIBENHA
Jornal O Poder Popular 86 (julho/agosto de 2024)
A data nasceu com o fim de estimular a reflexão sobre o papel das mulheres negras da América Latina e do Caribe, em julho de 1992, no Primeiro Encontro de Mulheres Negras da América Latina e Caribe, em Santo Domingo, na República Dominicana, que contou com a presença de representantes de cerca de 70 países. A partir desse encontro, nasceu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas.
Esse complexo e extenso território possui características históricas, econômicas e culturais marcadas por invasões, exploração das riquezas naturais, profundo extermínio de nativos indígenas e tráfico de africanos que foram coisificados. É importante enfatizar as condições em que negras e negros escravizados sobreviviam. Tinham uma carga de trabalho compulsória e desumanizante, alimentação precária, famílias separadas, violação sexual dos corpos das mulheres, que além de produzir eram obrigadas a reproduzir vidas com frequência que futuramente seriam tomadas como força de trabalho escravizada e o tráfico de escravizados serviu como acúmulo de riquezas para desenvolvimento do capitalismo. A história da América Latina está marcada intensamente pela luta contra a escravização, contra a colonização e é também permeada de lutas contra o imperialismo.
É válido pontuar também parte da história caribenha relembrando fatos ocorridos em algumas das suas ilhas não tão conhecidas, como a de São Domingos, que fez sua revolução pelas mãos de negras e negros que lutavam contra a escravização. O Oeste da Ilha de São Domingos, posteriormente independente como Haiti, era uma colônia francesa. Tinha meio milhão de africanos escravizados, estes, assim como os africanos traficados para outros territórios americanos, não foram sujeitos passivos. Suas histórias foram marcadas pelas rebeliões, destruição de engenhos, envenenamento de proprietários, criação de comunidades independentes como as que conhecemos como quilombos, que eram os chamados maroons. Ao todo foram doze anos de embates intensos que durante seu processo de libertação tiveram lideranças pouco conhecidas na história oficial.
Se raramente ouvimos falar sobre Vicent Ogé e Toussaint Louverture, lideranças expressivas no que culminou na revolução do Haiti, o silenciamento fica mais gritante quando pensamos sobre as mulheres na articulação desse processo. Elas existiram, desempenharam papéis fundamentais para a libertação do colonialismo e são ainda menos recordadas que as lideranças masculinas. Alguns nomes de destaque foram: Cécile Fatiman, Suzanne Sanité Bélair, Marie Jeanne Lamartiniere, Marie Sainte Dédée Bazile, Henriette Saint Marc, Marie Claire Heureuse Felicité Bonheur e Catherine Flon.
A mulher negra, comumente secundarizada e por vezes até apagada dos processos de libertação na história, ocupa a base da pirâmide social na opressão estrutural que tem a origem no patriarcado, na propriedade privada e no Estado que legitima as desigualdades, a divisão de classes sociais e as opressões. O patriarcado foi base da criação da propriedade privada e do Estado e essa foi a base para a sociedade dividida em classes. Os estudos sobre o desenvolvimento humano nas sociedades primitivas comprovaram que existiram comunidades que tinham outro tipo de sociabilidade na qual a mulher não ocupava papel inferior. Com o desenvolvimento dessas comunidades, o maior domínio da agricultura, o acúmulo de bens e as modificações nas relações que estabeleciam normas entre o novo modelo de família, a mulher foi relegada ao espaço doméstico, privado, à monogamia que só era válida para ela e o homem passou a ser o patriarca, dono da família e da propriedade, assumindo o poder político, econômico e social.
O 25 de julho é uma data em que as mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais refletem e fortalecem as organizações voltadas às mulheres negras e suas diversas lutas. No Brasil, em 2014, foi instituído, na mesma data, o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, homenageando um símbolo da resistência, destacada liderança na luta contra a escravidão.
A população negra no Brasil corresponde a mais de 50% da população. De acordo com a Associação de Mujeres Afro, na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes. Porém, essa parcela populacional é a que mais sofre com a pobreza em nosso país: três em cada quatro são pessoas negras.
É muito maior o impacto do machismo sobre as mulheres negras, que têm suas vidas e corpos mercantilizados, os salários mais rebaixados e suas vidas tornadas invisíveis ao longo dos processos históricos. É muito mais difícil ser mulher negra trabalhadora numa sociedade capitalista construída a partir do patriarcado, do racismo e da opressão da classe burguesa sobre o proletariado.
Queremos uma sociedade na qual a nossa identidade estética e ancestral seja fortalecida pelo orgulho de sermos descendentes de mulheres que construíram quilombos, levantes, guerras de independência nacional, revoluções, greves e protestos reafirmando que somos protagonistas de nossa história.
Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro