Aborto legal e seguro já!
Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro – Coordenação Nacional
28 de Setembro e a nossa luta por direitos reprodutivos
Nos últimos anos, temos enfrentado retrocessos nas questões acerca dos direitos sexuais e reprodutivos. Estamos imersos em um cenário de plena disputa dos direitos das pessoas que gestam. O controle sobre nossos corpos é mais uma tática opressora e colonizadora que reforça não só a lógica conservadora, como também escancara que essa é mais uma questão de classe. A criminalização do aborto expõe a forma como o poder hegemônico exerce o controle sobre a classe trabalhadora, retirando a sua autonomia reprodutiva, seu direito de decidir e colocando na prática a mera reprodução da força de trabalho, que é o que interessa à burguesia no que diz respeito à acumulação de capital.
O dia 28 de Setembro marca o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto, sendo instituído em 1990 na Argentina. Nesta data, ano após ano nos mobilizamos incansavelmente na luta pelos direitos reprodutivos junto às demais organizações feministas da América Latina e Caribe que têm como norte a justiça social. Tal data representa um marco para a luta que travamos não apenas neste dia, mas no cotidiano. A luta pela descriminalização e legalização do aborto, pela garantia do acesso à metodos constraceptivos, à educação sexual e a realização do aborto de maneira segura e gratuíta, bem como o combate à violência sexual, de gênero e o assédio. 28 de setembro é fruto de uma articulação de movimentos feministas reconhecendo a necessidade da ação coletiva para enfrentar a opressão patriarcal e as legislações restritivas que envolvem o direito de decidir sobre nossos corpos.
Pelo acesso irrestrito ao aborto para todas as pessoas que podem gestar
É importante ressaltar que a luta por justiça reprodutiva não é uma luta apenas das mulheres, mas de toda a classe trabalhadora. Como feministas classistas, compreendemos a necessidade de olhar para as particularidades da classe trabalhadora perante as opressões capitalistas e patriarcais que por sua vez são misóginas, racistas, capacitistas e lgbtqia fóbicas, e são parte importante da estrutura do capitalismo. Defendemos a classe trabalhadora em toda a sua complexidade e diversidade.
O Coletivo Feminista Classista Ana Montengro constrói a luta contra todas as formas de opressão, pelos direitos das mulheres e de toda a classe trabalhadora. A falta de justiça reprodutiva atinge também as crianças filhas da classe trabalhadora. No ano de 2020 em Recife tivemos o caso de uma menina de 10 anos que era abusada pelo tio desde os seus 6 anos e que foi encaminhada para realização do aborto legal em decorrência do estupro que culminou em uma gravidez. Grupos religiosos e de extrema direita tentaram invadir o hospital onde ela faria o procedimento para tentar impedir o mesmo. O deputado estadual de Pernambuco de extrema direita Alberto Feitosa (PL) incentivou a mobilização desses grupos junto de outros deputados inimigos da classe trabalhadora. Ao lado de fora do hospital, incitavam os gritos de “assassina” para a criança de 10 anos vítima de estupro.
320 crianças e adolescentes sofrem situações de exploração sexual a cada 24 horas apenas no Brasil. 68% dos casos de violência sexual contra crianças acontecem entre familiares. Em 2022, 87,7% dos casos de violência sexual no Brasil tinham como vítimas meninas. O aborto é permitido por lei nos casos de estupro, porém, até mesmo estes estão sendo colocados em questão pelas bancadas de extrema direita, que estão pautando a sua criminalização, incluindo as gestações que são fruto de estupro, nos casos já previstos na legislação desde 1940.
A campanha “Criança não é mãe!” surgiu como uma resposta à crescente de casos de crianças e adolescentes forçadas a levar ao fim gestação em decorrência de abusos sexuais. A campanha denuncia a violência institucional que obriga essas meninas, muitas vezes vítimas de estupro, a manter a gravidez, desconsiderando os impactos devastadores na saúde física e mental delas. O movimento ganhou ainda mais força recentemente por conta do PL da gravidez infantil (PL 1904/24) proposto pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL – RJ), que proíbe e equipara o aborto a homicídio após 22 semanas de gestação mesmo nas situações asseguradas por lei.
Não é de hoje a ameaça da extrema direita aos nossos direitos sexuais e reprodutivos, que vem ocorrendo de forma articulada em vários estados e municípios. A situação piorou depois dos anos de governo bolsonarista, quando as violências de gênero eram impostas de forma aberta e escancarada.
Inimigos de classe!
Reconhecemos que estes são os nossos inimigos de classe, pois a proibição, a criminalização e o punitivismo são práticas direcionadas justamente à classe trabalhadora.
Sendo as pessoas negras e periféricas as que mais recorrem ao aborto, e não por coincidência, são as pessoas com mais dificuldade de acessar direitos básicos, como também a maioria no sistema carcerário, fica evidente que a criminalização do aborto é uma forma de opressão e controle sobre as pessoas negras e periféricas. É impossível desvincular essa discussão das questões de raça e classe.
Também segundo a lógica da divisão sexual do trabalho e da imposição da desigualdade, é possível compreender que o direito ao aborto é negado porque não interessa à burguesia que as mulheres tenham a autonomia sobre si próprias.
A lógica segue sendo a mesma no que diz respeito à opressão sobre pessoas LGBT. Compreendemos que, quando rompemos os padrões normativos da burguesia, entramos em confronto direto com o seu modelo de operar e afrontamos o modo de ser e estar no mundo impostos pelo capitalismo. Este é um começo para pensar a respeito de todos os desafios que a comunidade LGBT enfrenta ao procurar um serviço de aborto, como também o próprio acesso aos serviços de saúde básicos.
A frase “Mulheres ricas pagam, mulheres pobres morrem” reflete a forma como a criminalização do aborto no Brasil afeta desproporcionalmente as mulheres e as pessoas que gestam trabalhadoras, pobres e negras. Mulheres que podem pagar por procedimentos seguros conseguem realizar o aborto de forma clandestina sem sofrer consequências graves, enquanto as mulheres da nossa classe são obrigadas a recorrer a métodos inseguros, colocando suas vidas em risco. Essa realidade evidencia como o aborto clandestino é uma questão de classe e raça. O aborto não deixará de ser feito, porém, a questão é: vamos continuar morrendo? Neste sentido, fica compreensível que trata-se de um objetivo da burguesia nos ver na miséria e sob ameaça de morte. Aqueles que nos exploram não têm nada a nos oferecer. Para essa classe opressora, a vida proletária não importa.
A ofensiva conservadora
Nos últimos anos, o Brasil viu o crescimento de uma ofensiva neoliberal e conservadora que retira direitos da classe trabalhadora. Neste sentido, diversos projetos de lei têm sido apresentados por parlamentares de base conservadora e fundamentalista ameaçando reprodutivos. Entre os projetos de lei mais preocupantes, estão:
PL 478/2007 – Estatuto do Nascituro: esse projeto, conhecido como “Estatuto do Nascituro”, propõe garantir direitos desde a concepção, tornando o aborto ilegal em qualquer circunstância, incluindo nos casos já previstos na legislação, como estupro ou risco de vida para a gestante. Ele busca transformar o feto em um sujeito de direitos plenos, o que inviabilizaria a realização do aborto, mesmo em situações extremas. O projeto prevê até mesmo a criação de uma “bolsa-estupro”, um auxílio financeiro para mulheres que optassem por levar a gravidez resultante de estupro até o fim.
PEC 181/2015 – Ampliação da Proteção à Vida: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181/2015 começou como uma ampliação do tempo de licença-maternidade para mães de bebês prematuros, mas foi modificada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados para incluir a definição de que a vida começa na concepção, o que, na prática, dificultaria qualquer discussão sobre a legalização do aborto no Brasil, inclusive nos casos já previstos em lei. Se aprovada, essa PEC poderia inviabilizar abortos legais e criminalizar ainda mais as mulheres.
PL 5069/2013 – Criminalização do Auxílio ao Aborto: o PL 5069/2013, proposto pelo ex-deputado Eduardo Cunha, visava criminalizar qualquer pessoa ou instituição que auxiliasse uma mulher a realizar um aborto, inclusive em casos legais, como de estupro. O projeto também previa a proibição da distribuição da pílula do dia seguinte em casos de violência sexual, dificultando o acesso das vítimas a métodos de contracepção de emergência.
Esses projetos de lei são parte de um esforço maior de setores conservadores, especialmente ligados a grupos religiosos, que buscam transformar o Brasil em um país com leis ainda mais restritivas em relação ao aborto e mais distante da justiça reprodutiva. Esses grupos têm pressionado o Congresso Nacional para aprovar legislações que dificultam o acesso das mulheres aos direitos já conquistados, além de tentar impedir qualquer avanço em direção à legalização ou ampliação do aborto legal.
O impacto dessas propostas sobre a população mais vulnerável, especialmente as mulheres da classe trabalhadora, negras, indígenas e as vítimas de violência sexual, é severo. Para essas mulheres, o endurecimento das leis sobre o aborto significa o aumento da mortalidade materna, da criminalização da pobreza e do sofrimento causado por abortos clandestinos inseguros.
A legalização do Aborto como parte de uma luta revolucionária
Para o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, a luta pela legalização do aborto está intrinsecamente ligada à luta pela superação do capitalismo e pela construção de uma sociedade socialista. Entendemos que a construção do poder popular no rumo do socialismo é o único caminho capaz de garantir plenamente os direitos reprodutivos das mulheres e a eliminar as opressões de classe, raça e gênero, avançando para emancipação de toda a classe trabalhadora.
Estaremos nas ruas em defesa dos nossos direitos, contra qualquer tipo de retrocesso em relação aos direitos reprodutivos das pessoas que gestam, sempre ao lado da classe trabalhadora.
Nos queremos vivas e com direitos! Nenhuma morte por aborto clandestino!
Educação sexual para prevenir, contraceptivo para não engravidar, aborto legal e seguro para não morrer!
Pela formação de profissionais de saúde que sejam capazes de acolher e conduzir a realização de abortos seguros!
Por uma maternidade consciente e não imposta!
Pelo aborto legal, seguro, gratuito no SUS!
Nem presa, nem morta!
Referências: