20 de novembro: não há luta que não seja nossa!
Coordenação Nacional – Coletivo Negro Minervino de Oliveira
Pela primeira vez na história do Brasil, o Dia da Consciência Negra é feriado nacional. Apesar de ser reivindicado desde os anos 1970, quando militantes do Movimento Negro Unificado resgataram e propuseram o aniversário da morte de Zumbi dos Palmares (20/11/1695) como uma data de debate e mobilização em prol de nossas raízes e lutas contemporâneas, a oficialização pelo Estado levou décadas. Mesmo após o fim da ditadura empresarial-militar, período em que a questão racial era sistematicamente abafada, o reconhecimento da data enfrentou resistências. Com exceção de Alagoas, onde o 20 de novembro foi decretado feriado em 1995, a maioria das cidades só começou a valorizar a data a partir de 2003, quando ela foi incluída no calendário escolar nacional. Esse avanço se consolidou em 2011, com a Lei 12.519, que instituiu oficialmente o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, embora ainda como feriado facultativo. Foi apenas em 2023 que, após intensas mobilizações, a data passou a integrar o calendário de feriados nacionais, uma conquista que reflete décadas de luta.
Até novembro de 2023, a data já havia se efetivado como feriado em pelo menos 1.260 dos 5.565 municípios brasileiros, números que refletem a força do movimento negro, mas também expõem as contradições e obstáculos impostos pela institucionalidade burguesa. Essa estrutura, frequentemente, retarda nossos avanços por meio do burocratismo, debates superficiais, cooptação liberal e perseguição a lideranças combativas. Assim como as cotas raciais enfrentaram – e continuam enfrentando – resistência, o reconhecimento do Dia da Consciência Negra como feriado nacional também foi alvo de disputas. Agora, com sua implementação em todo o país, é nosso dever lembrar quem se opôs e continua se opondo a essa conquista do outro lado da trincheira. No entanto, este texto não é sobre a história dessa mobilização; ele busca destacar as lutas que nos cabem enquanto trabalhadores negros, que compõem a maior parte do proletariado e das massas marginalizadas do Brasil. Ao contrário do que muitos acreditam, não há pauta que não nos diga respeito.
O sucateamento e a privatização das escolas públicas, que avançam rapidamente em estados como Paraná e São Paulo, é uma questão racial, pois nós, negros, estudamos e trabalhamos nessas instituições. Somos os mais afetados por uma educação militarizada e mercantilizada, desvinculada de reflexões críticas sobre nossa realidade. Durante os primeiros governos petistas, já denunciávamos a redução do debate racial a atividades culturais em novembro, frequentemente realizadas sem apoio adequado, remuneração justa para os envolvidos ou a solidariedade de colegas brancos. Essa realidade não mudou significativamente com a institucionalização do feriado. Em um país onde 71,7% dos analfabetos são negros e onde jovens negros têm 2,7 vezes mais chances de abandonar a escola do que jovens brancos, negligenciar a educação pública é perpetuar a exclusão racial. Quando cruzamos esse fato com a terceirização de categorias profissionais e o corte de investimentos na manutenção da infraestrutura escolar, fica evidente onde estão as prioridades do Estado.
Isso vale para o fortalecimento do agronegócio, que segue batendo recordes de exportação. Em 2023, isso se traduziu em queimadas criminosas por todo o país, piorando visivelmente a qualidade do ar. Sem uma política de enfrentamento ao latifúndio, o governo permite o aumento da violência contra indígenas, quilombolas e assentados, como observado na Bahia, Paraná e Maranhão, que lideram os rankings de conflitos agrários. Paralelamente, a devastação ambiental é alarmante: entre 1985 e 2023, o Brasil perdeu 33% de sua vegetação nativa. Essas ações impactam diretamente a população negra, que sofre com a intensificação de secas, enchentes e deslocamentos forçados, como vimos nas enchentes no Rio Grande do Sul. A degradação do meio ambiente afeta nossa saúde e a de nossas famílias, levando-nos às filas intermináveis dos hospitais públicos sucateados ou às mãos da indústria farmacêutica. Além disso, dados do INPE mostram que 45% dos quilombos estão em áreas diretamente ameaçadas pelo desmatamento e pela grilagem de terras, demonstrando como o avanço do agronegócio é também uma ameaça à cultura e à sobrevivência negra no campo.
E como sempre denunciamos, a legitimação da repressão policial pelo Direito burguês e pelos grandes meios de comunicação, somada ao avanço da privatização dos presídios, é indissociável da nossa realidade. Vivemos sob o medo constante de revistas, invasões, prisões e execuções arbitrárias, que têm como objetivo conter a insatisfação popular. O país possui a terceira maior população carcerária do mundo (composta em mais de 60% por negros), mas alimenta os famintos com balas e cassetetes, como acontece de forma dramática na Bahia e no Rio de Janeiro. Entre 2020 e 2023, o Brasil registrou mais de 16 mil mortes causadas por intervenções policiais, sendo a imensa maioria delas de homens jovens e negros.
Podemos ver um número crescente de rostos negros na TV, em festivais de cultura e até nas direções de multinacionais, assim como um discurso mais sensível sobre a representação negra na mídia. No entanto, essas concessões não alteraram as estatísticas alarmantes de desemprego, fome e violência policial. A instrumentalização do subjetivo para promover o mercado e a institucionalidade burguesa não resolve os problemas que essas mesmas estruturas perpetuam. Como diria Criolo, “novas embalagens para antigos interesses”.
Segundo os dados atuais do IBGE, 56,1% da população brasileira se autodeclara negra ou parda, o que faz do Brasil o segundo maior país negro do mundo, atrás apenas da Nigéria. Apesar disso, os indicadores sociais revelam como a população negra brasileira continua desproporcionalmente representada nos piores índices de desenvolvimento humano, enfrentando desafios que são diretamente agravados pelo mercado de trabalho desigual.
Embora o desemprego geral tenha diminuído em relação ao mesmo período de 2023, os postos de trabalho ocupados por negros continuam sendo os mais precarizados, marcados pela informalidade e pela baixa remuneração. No primeiro trimestre de 2024, a taxa de desemprego no Brasil foi de 7,9%, um aumento de 0,5 ponto percentual em relação ao trimestre anterior (7,4%) e uma redução de 0,9 ponto percentual em relação ao mesmo período de 2023 (8,8%). Apesar da queda na comparação anual, a realidade das desigualdades raciais permanece alarmante: enquanto a taxa geral de desemprego estabiliza em muitos estados, ela segue sendo mais alta para negros e pardos. A taxa de desemprego entre brancos é de 6,2%, enquanto é de 9,7% entre pretos e 9,1% entre pardos. Isso demonstra que o racismo continua determinando as condições de trabalho e renda no país, mesmo quando a taxa geral de desocupação apresenta variações. Além disso, os negros ocupam, em grande maioria, os postos de trabalho mais precarizados e informais, com rendimentos médios que representam 57,4% do salário de trabalhadores brancos. De acordo com os últimos dados disponíveis, em oito das 27 Unidades da Federação, o desemprego aumentou no trimestre analisado, e a maior parte das pessoas afetadas pertence às camadas mais vulneráveis da sociedade, incluindo majoritariamente trabalhadores negros e periféricos.
Ser militante em condições tão hostis tem sido um exercício de paciência extremamente ingrato. Além dos ataques que sofremos de nossos inimigos de classe, também precisamos justificar, para a esquerda hegemônica, nossa ausência em espaços que, muitas vezes, ignoram nossas condições materiais. Deveria ser evidente a relação entre o trabalho de cuidado de uma mãe-solo negra e sua impossibilidade de comparecer a um debate sem estrutura para acolher crianças. Ou entre o tempo de deslocamento que um jovem negro e periférico enfrenta para chegar ao trabalho e sua ausência em atos realizados nos centros urbanos durante seu expediente. Contudo, essas questões são frequentemente esquecidas por quem reduz a luta de classes a uma análise desprovida de raça, gênero e identidade – e novembro não é exceção.
Diante dessas contradições, reafirmamos a necessidade de construir alternativas para a classe trabalhadora negra, tanto na teoria quanto no nosso trabalho prático. A luta antirracista no Brasil é histórica e multifacetada, indo dos quilombos às batalhas de rima, dos terreiros aos sindicatos, das escolas de samba às torcidas organizadas. Dentro da luta de classes, esses espaços podem ter limitações em sua leitura ou mesmo em sua atuação, mas também trazem potências que devem ser reconhecidas e fortalecidas, pois os nossos estão lá, organizando sua revolta; e é nosso dever fazer o mesmo. Sem preto, sem revolução.
Venha se organizar no Coletivo Negro Minervino de Oliveira
Contra o racismo, construir o socialismo!