Herzog vive! Ditadura nunca mais!

imagemO PODER POPULAR

A Operação Radar, criada pelos órgãos de repressão durante a ditadura implantada no Brasil através do golpe de 1964, objetivava localizar e desarticular, em todo território nacional, a resistência exercida pelo Partido Comunista Brasileiro e a infraestrutura do jornal Voz Operária, mantido a duras penas pelos comunistas do PCB, na década de 1970. A operação, por um tempo desativada, foi retomada no final de 1973 pelo DOI (Destacamento de Operações de Informações) de São Paulo, em colaboração com outros DOIs e com o CIE (Centro de Informações do Exército), desencadeando prisões e perseguições por todo o Brasil, em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

Foi prática comum o desaparecimento forçado de corpos em locais clandestinos, após sessões de torturas e execuções sumárias. Nos anos de 1974 e 1975, foram sequestrados, torturados e assassinados 10 membros do Comitê Central e 3 camaradas com tarefas nacionais, ligadas centralmente à manutenção do jornal, às finanças e às relações internacionais: Célio Guedes, David Capistrano da Costa, Walter Ribeiro, José Roman, Luiz Inácio Maranhão Filho, João Massena de Melo, Élson Costa, Hiram de Lima Pereira, Jayme Amorim de Miranda, Itair José Veloso, Nestor Vera, Orlando Bonfim Júnior e José Montenegro de Lima. O plano, aplicado durante o governo de Ernesto Geisel, que cinicamente falava em “distensão lenta, segura e gradual” do regime, era desestruturar totalmente a organização do PCB.

Células importantes do Partido foram alvo do ataque sanguinário da ditadura, com destaque para as bases comunistas, em São Paulo, dos metalúrgicos, estudantes e jornalistas. Foi no DOI-CODI paulista que aconteceu, em outubro de 1975, um dos casos mais emblemáticos de prisão, tortura e assassinato promovidos pelo regime ditatorial: o de Vladimir Herzog, cuja morte foi apresentada à imprensa sob a farsa segundo a qual o jornalista teria se enforcado após o interrogatório, quando, de fato, seu corpo tinha marcas de tortura e não havia altura suficiente para que ele cometesse suicídio da forma como foi pendurado, conforme demonstra uma das fotos mais impactantes divulgadas pelos agentes da repressão.

O menino Vlado Herzog nasceu em 27 de junho de 1937, na cidade de Osijek, na região da Sérvia, ex-Iugoslávia. De família judia, teve a casa em Banja Luka tomada pelos nazistas em 1941, obrigando a que seus pais, Zigmund e Zora, com Vlado a tiracolo, fugissem para a Itália. Com o fim da guerra, em 1946, vieram para o Brasil e se instalaram no bairro operário da Mooca, em São Paulo. Ao se naturalizar brasileiro, Vlado virou Vladimir. Cursou o ginásio no Colégio Presidente Roosevelt e estudou teatro no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, interessando-se ainda por cinema, música e literatura. Entrou para a Faculdade de Filosofia da USP, mas inclinou-se para o jornalismo, iniciando a carreira, em abril de 1959, na redação de O Estado de São Paulo. Cobriu a visita de Jean-Paul Sartre ao Brasil, em 1960, filósofo que admirava profundamente, responsável por seu engajamento político. Aproximou-se dos movimentos culturais influenciados pelo PCB, como o teatro popular de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho e o cinema novo de Nelson Pereira dos Santos. Conheceu Clarice, então estudante de Ciências Sociais da USP, e com ela se casou em fevereiro de 1964.

Logo após o golpe de 1964, o nome de Vladimir Herzog passou a constar das listas do DOPS, entre jornalistas considerados inimigos do regime, pois assinara, em 1965, um manifesto de intelectuais contra as perseguições políticas. Contratado por três anos pela BBC, em junho de 1966, deixou o país rumo à Inglaterra, seguido por Clarice em dezembro do mesmo ano. Lá, onde Vlado trabalhou até o final de 1968, nasceram os filhos Ivo e André. Mesmo com a decretação do AI-5, decidiu por retornar ao Brasil quando seu contrato com a TV estatal inglesa terminou. Foi trabalhar na produção de comerciais em uma agência de publicidade e, em 1970, virou freelancer na Revista Visão, tornando-se depois seu editor de cultura. Em 1973, Vlado foi convidado a integrar a equipe de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, mas a experiência terminou em dezembro de 1974, após muitas pressões contra o “bando de subversivos” que buscavam renovar o formato dos noticiários, apesar de toda censura.

Vlado dedicou-se a roteiros de cinema (um documentário sobre Canudos e o filme Doramundo, de Geraldo Ferraz), deu aulas na Escola de Comunicação e Artes da USP, teve passagem relâmpago pelo jornal Opinião e decidiu entrar para o PCB, na célula dos jornalistas da revista Visão. Dizia, com certo grau de humor, ter optado pelo Partido Comunista por entender que somente duas organizações nacionais tinham condições de derrotar a ditadura: a Igreja Católica e o PCB. Reforçou sua opção pelo PCB o fato de o partido não ter optado à época pela luta armada. Entretanto, a tática adotada pelos comunistas não impediu o massacre que veio a seguir, do qual o próprio Vlado seria vítima, ao aceitar o convite para retornar à TV Cultura, assumindo a direção do Departamento de Jornalismo.

No mesmo ano em que jornalistas de esquerda lideraram o Movimento de Fortalecimento do Sindicato (MFS) e venceram as eleições sindicais, vários profissionais foram alvo de perseguições. No dia 24 de outubro de 1975, Rodolfo Konder e George Duque Estrada, militantes comunistas, eram os 10º e 11º jornalistas presos desde o dia 5 daquele mês. Horas depois, seriam testemunhas do assassinato de Herzog nas dependências do DOI-CODI. Na noite do mesmo dia, Vlado foi procurado por militares na TV Cultura e prometeu se entregar na manhã seguinte, acreditando não haver contra ele provas de ligação com o Partido. Violentamente torturado, negou o quanto pôde pertencer à célula comunista e não entregou ninguém, mas não aguentou a sessão de choques e pancadas. A morte de Vlado Herzog desencadeou uma onda de protestos contra a ditadura, liderada pelo Sindicato dos Jornalistas, contribuindo para o início de um longo processo de desgaste do regime.

A transição democrática hegemonizada por setores liberais burgueses não teve interesse em desmontar o conjunto do aparato repressivo criado pela ditadura. A tortura continua sendo uma prática corriqueira adotada por policiais civis e militares e funcionários de presídios, uma violência institucional que atinge principalmente homens, jovens, negros e pobres com baixo nível de escolaridade. Trata-se de um expediente útil ao Estado burguês, ainda mais num quadro de acirramento da crise do capitalismo, em que a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais faz parte do receituário das classes dominantes para conter o explosivo descontentamento das massas. Algo que corre o risco de se tornar ainda mais dramático para trabalhadores e trabalhadoras, lutadores sociais e militantes de organizações de esquerda, em especial, os comunistas, caso o candidato fascista Jair Bolsonaro saia vitorioso no pleito do próximo domingo.

Ainda há tempo de virar! DITADURA NUNCA MAIS! FASCISMO NÃO! HADDAD 13.