Transexuais são assassinadas sob gritos de “Bolsonaro presidente”
Para ativistas, discurso de ódio do presidenciável chancela os crimes. Foram 3 casos nas últimas semanas
Lu Sudré
Brasil de Fato
Nestas eleições, três transexuais já foram assassinadas a facadas por eleitores e apoiadores de Jair Bolsonaro. A primeira delas foi Priscila, morta no Largo do Arouche, centro de São Paulo, na madrugada de 16 de outubro. Em entrevista cedida à Ponte Jornalismo, uma testemunha, que preferiu não se identificar, declarou que ouviu gritos em apoio ao candidato do PSLna hora do crime.
“Eu abri a janela e consegui ver que tinha umas quatro ou cinco pessoas discutindo na frente do bar. Estavam gritando, chamando de prostituta, vagabunda, agressões verbais que não lembro. E ouvi, sim, o nome de Bolsonaro nessa hora, de ‘Bolsonaro presidente’, essas coisas”, relatou a fonte. “No meio da briga, ouvi ‘com Bolsonaro presidente, a caça aos ‘veados’ vai ser legalizada’”, disse outra testemunha. A travesti foi levada até a Santa Casa de Misericórdia, no centro da cidade, mas não resistiu.
Dois dias depois, Laysa Fortuna, mulher transexual de 25 anos, foi esfaqueada na região do tórax, na noite de 18 de outubro, em Aracaju (SE). Os que estavam próximos no momento afirmam que o agressor dizia que, se Bolsonaro fosse eleito presidente, todas as pessoas trans e travestis seriam mortas.
O ferimento de Laysa provocou hemorragia, o que a levou a ter uma parada cardíaca no dia seguinte. Apesar dos esforços da equipe médica do Hospital de Urgência Sergipe (Huse), não foi possível reanimá-la. O agressor, identificado como Alex da Silva Cardoso, chegou a ser detido, mas posteriormente foi liberado.
A ocorrência foi tipificada como lesão corporal leve, porém, após a denúncia de ativistas LGBTs que procuraram o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), a prisão de Alex foi decretada e qualificada como homicídio. Ele está foragido.
Com requintes ainda maiores de crueldade, no dia 21 de outubro, a travesti Kharoline foi assassinada em Santo André, na região metropolitana de São Paulo. Ela foi ferida com facadas na região da virilha por um grupo de homens. De acordo com o coletivo LGBT Arouchianos, que organizava um ato em memória de Laysa e Priscila no momento em que Kharoline foi assassinada, também há relatos de que os criminosos exaltaram a figura de Bolsonaro.
Segundo Helcio Beuclair, coordenador político do Coletivo Arouchianos, há uma grande articulação dos ativistas LGBTs para cobrar uma investigação severa dos casos.
“Depois que o candidato Jair Bolsonaro ganhou uma projeção nacional no segundo turno, os discursos dele chancelam mais expressões de ódio e ataques baseados no ódio contra a população LGBT. Assim como o racismo, como foi o caso de Moa de Katendê, assinado em Salvador. Quando ele fala que vai combater a ideologia de gênero não é o gênero dele, o masculino, e nem o da mulher dele, o feminino, vai combater aquilo que ele vê como aberração, nas palavras dele inclusive, que são as pessoas trans”, diz Beuclair.
Para Keila Simpson, presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a candidatura de Bolsonaro é forjada em um discurso de ódio e de ataque, mas não propõe nada. Apesar do receio com a possibilidade de sua eleição, ela declara que as LGBTs não têm medo e continuarão resistindo.
“Mesmo que ele nunca tivesse falado qualquer coisa que refletisse negativamente na população trans, já seria uma ameaça porque é uma candidatura que não tem plano de governo, é uma candidatura que não abre diálogo. É uma candidatura que se forjou com fake news e com o discurso pautado em uma mídia que nunca faz uma cobertura imparcial”, critica Simpson.
“Essas pessoas que estão violentando, matando, esfaqueando, machucando as pessoas, estão alimentados por esse discurso que o candidato tem e teve durante toda sua carreira política de 27 anos sem fazer absolutamente nenhum projeto interessante. Isso resulta exatamente na naturalização da violência que vemos no Brasil polarizado”.
A presidenta da Antra destaca que a população trans está à margem da sociedade e não possuem leis que garantam seus direitos. Para ela, os assassinos de pessoas trans cometem o crime pela garantia da inimputabilidade e pela falta de investigação, não tratada como prioridade pelo Poder Público.
Violência cotidiana
Levantamento feito pela Antra revelou que 179 pessoas trans foram assassinadas no Brasil em 2017, o que, de acordo com a organização, coloca o Brasil na liderança no ranking mundial de assassinatos de travestis e transexuais.
As estatísticas de 2018 são ainda piores. Somente no primeiro semestre, houve 86 assassinatos, que envolveram, em sua maioria, vítimas do gênero feminino, negras e prostitutas em condição de vulnerabilidade. Houve ainda 29 tentativas de assassinato, 7 casos de suicídio noticiados pela mídia e 33 casos de violações dos direitos humanos.
Erika Hilton, travesti eleita para a Assembleia Legislativa de São Paulo, ressalta que a estrutura transfóbica da sociedade precede a ascensão política de Bolsonaro, já que mulheres trans, principalmente, são agredidas todos os dias no país, independente da figura do candidato do PSL em destaque.
No entanto, para a deputada estadual, é inegável que Bolsonaro impulsiona ainda mais os episódios de violência.
“Agora eles encontraram um líder, um ‘Deus’ para seguir. Agora eles matam em nome de alguém. Tem uma motivação porque o pensamento transfóbico está legitimado pelo Estado e esse é o grande problema. Nosso medo também é pela legitimidade que o Estado dará à sociedade de matar, de estuprar, de violentar e de agredir esses corpos”
A reportagem solicitou posicionamento do Ministério Público de São Paulo sobre o assassinato de Priscila e Kharoline, mas ainda não obteve resposta.
Edição: Diego Sartorato
Ilustração: O Coletivo Arouchianos realizou ato em memória de Priscila e Laysa. Foto: Coletivo Arouchianos
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