Privatização dos aeroportos e soberania nacional

O POVO (Fortaleza-CE) – 07.01.2012| 15:00

Na década de 70 do século passado, o Brasil desenvolvia secretamente seu programa nuclear para fins militares. Para assegurar-lhe recursos financeiros, estabelecera parceria com o Iraque, que bancava os elevados investimentos necessários em troca de acesso aos conhecimentos tecnológicos brasileiros. O responsável pelo programa na Aeronáutica era o tenente-coronel aviador José Alberto Albano do Amarante, engenheiro eletrônico formado pelo ITA.

Em outubro de 1981, Amarante foi atacado por uma leucemia arrasadora, que o matou em menos de duas semanas. Sua família tem como certo que o cientista foi morto pelos serviços secretos dos EUA e de Israel, com o objetivo de impedir a capacitação brasileira à produção de armas atômicas. Dando força às suspeitas, foi identificado um agente israelense do Mossad, de nome Samuel Giliad, atuando à época em São José dos Campos, e que fugiu do país logo após a misteriosa morte do oficial brasileiro.

O episódio dá bem o tom da virulência empregada pelos EUA e Israel para bloquear a entrada de outros países no fechado clube nuclear. Não por coincidência, apenas quatro meses antes da suposta ação em território brasileiro, Israel desfechara devastador ataque aéreo ao reator nuclear de Osirak, no Iraque, que vinha sendo construído pelos franceses.

Tais fatos dão credibilidade às reiteradas denúncias do governo iraniano de que seus cientistas estão sendo alvo de atentados por parte dos serviços secretos estadunidense, britânico e israelense. Somente em 2010, foram mortos os físicos Masud Ali Mohamadi e Majid Shariari, que atuavam no desenvolvimento de reatores nucleares, ambos vítimas de explosões de bombas em seus próprios automóveis, enquanto o chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, Abbasi-Davanina, escapava por pouco da detonação de um carro-bomba, conforme ele próprio denunciou durante a conferência anual da Agência Internacional de Energia Atômica, em setembro último. Em julho de 2011, o físico Daryush Rezaei, 35 anos, foi morto a tiros em frente a sua casa, em ataque que também feriu sua esposa. Esses são alguns dos muitos casos de assassinatos e desaparecimentos de cientistas e chefes militares iranianos nos últimos anos.

Os crimes se dão em paralelo às intensas pressões do governo dos EUA para que a comunidade internacional aplique severas sanções ao Irã sob o argumento de que o país descumpre o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP).

Criado pela ONU em 1968, o acordo tem três objetivos principais: coibir o uso de tecnologia nuclear para produção de armas, eliminar os armamentos nucleares existentes e regular o uso de energia nuclear para fins pacíficos. Convenientemente, as grandes potências interpretam o acordo segundo seus próprios interesses: bloqueiam o desenvolvimento da pesquisa dos países não detentores de armas atômicas, mesmo quando para fins pacíficos, e fazem letra morta dos dispositivos do tratado que determinam o desarmamento.

Como previa o embaixador do Brasil na ONU, em 1968, José Augusto Araújo de Castro, quando atuou para impedir a adesão do Brasil ao TNP, o tratado é apenas um instrumento para perpetuar o poder das grandes potências.

Documentos divulgados pelo Wikileaks deixam clara a disposição dos EUA em não reduzir o número de ogivas nucleares instaladas na Europa. Por outro lado, enquanto todos os países do Oriente Médio fazem parte do TNP, Israel, único detentor de armas nucleares na região, nega-se a aderir ao acordo e repudiou as censuras de que foi alvo no relatório final da última reunião quinquenal do TNP, em 2010, gerando a ameaça dos demais governos vizinhos de abandonar o tratado na próxima reunião, marcada para 2012.

As guerras contra o Afeganistão, Iraque e Líbia, mais as ameaças contra a Síria, Coreia e Irã, parecem evidenciar que somente a capacidade de retaliação atômica intimida o império, já que a assimetria das forças alimenta aventuras dos Estados Unidos e de seus sócios de rapina, todos em busca de conflitos bélicos, seja para assegurar domínios seja para encobrir seus graves problemas domésticos.

A conjuntura estratégica do Oriente Médio indica que, para sua sobrevivência, o Irã não tem outra alternativa que a de construir sua bomba e, nesse sentido, corre contra o tempo, dado o cerco que se fecha contra o país.

Como analisa o cientista político paquistanês Tariq Ali, não é despropositado considerar que o surgimento de outra potência nuclear no Oriente Médio possa propiciar estabilidade política à região e ao mundo, por contraditório que possa parecer.

No oba oba dos megaeventos, Copa do Mundo e Olimpíadas, vamos entregar nossos aeroportos.

Já não basta às multinacionais de bebidas, por conta desses eventos, passarem por cima de nossas leis e permitirem a venda de bebidas alcoólicas nos estádios como no Rio de Janeiro, onde a venda é proibida.

Querem também cassar o direito à meia-entrada dos estudantes e à gratuidade dos idosos nos estádios. Sem falar nas pessoas de baixa renda, há décadas estabelecidas que, por conta da especulação financeira, estão sendo expulsas de suas casas.

Mas a questão dos aeroportos é mais grave, porque diz respeito, principalmente, à soberania nacional. Somada ao fato de que os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Campinas estão sendo oferecidos ao mercado por valor inferior ao mínimo fixado pelo Tribunal de Contas

da União (TCU).

A Tchecoslováquia, por exemplo, em 1968, foi tomada pela União Soviética na “Primavera de Praga” a partir de seu aeroporto. No caso brasileiro, o edital aponta para a entrega desse patrimônio a empresas estrangeiras, ao exigir que a licitante ou um dos integrantes do grupo licitante tenha experiência de cinco anos na administração de aeroportos:

“Para habilitação técnica o operador aeroportuário deverá ter experiência na administração de aeroportos com processamento de pelo menos 5 milhões de passageiros ao ano” – ora, essa especificação fecha o cerca em torno de algumas empresas estrangeiras.

Mas a privataria não quer todos os aeroportos, quer tão somente os que são extraordinariamente lucrativos. Os deficitários vão continuar na mão do Estado (e aumentar nossos gastos).

O Brasil já disse não ao entreguismo. No debate eleitoral do segundo turno, a presidente Dilma repudiou as privatizações. José Serra também não assumiu o rótulo de privatista.

Logo, por que entregar os aeroportos lucrativos à iniciativa privada? O de Viracopos, reconhecido internacionalmente como centro de excelência, mantém 12 aeroportos deficitários, a maioria em áreas estratégicas, como na Amazônia, que se tornarão muito onerosos para o Estado brasileiro, se consumada a privatização. Imaginem o que representará a privatização do aeroporto de Guarulhos?

Outro dado preocupante é que, no Rio de Janeiro, concessionárias de serviços tais como Light, (CEG), Barcas S.A., Supervia e Metrô prestam um péssimo serviço à sociedade. Como temos visto nas freqüentes explosões de bueiros, acidentes com barcas, metrô e trens, sendo que esses meios de transporte pioraram em termos de conforto, segurança, lotação, paralisações e renovação de equipamentos.

Por outro lado, tomemos como exemplo o Aeroporto de Viracopos, um dos três a serem privatizados, vem dando conta do crescente fluxo de passageiros e de cargas. O aeroporto adotou um sistema vertical de armazamento de cargas, chamado “transelevador”, totalmente computadorizado, que dá show nas feiras internacionais e tem sido copiado, além fronteiras. Viracopos já recebeu vários prêmios de excelência.

Mas, se não é pelos serviços prestados, o que leva a presidenta Dilma a privatizar nossos aeroportos? Nesse compasso, corremos o risco de, em alguns anos, encontrar nas livrarias um novo “best seller”, sobre a “privataria petista e/ou pemedebista”. Fica difícil entender o silêncio dos senhores brigadeiros, generais, OAB, diante da ameaça que essa nova onda de privatizações representa.

Vale dizer que o “caos” nos aeroportos se dá muito por conta da popularização desse meio de transporte. Passageiros que eram usuários exclusivos dos ônibus hoje estão voando. A solução é ampliar os aeroportos e não privatizar aqueles que são lucrativos.

*Emanuel Cancella e Francisco Soriano são diretores do Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ)

Fonte: Agência Petroleira de Notícias (www.apn.org.br)