Dinarco Reis, o Tenente Vermelho

imagemFundação Dinarco Reis

No dia 22 de julho de 1904, nascia Dinarco Reis, no Rio de Janeiro, então capital do país, no bairro de Vila Isabel, na Praça que hoje é chamada de Barão de Drumond. Seu pai era afinador de pianos e sua mãe seguia a regra da mulher da época, cuidando dos afazeres domésticos. Cedo, o casal se separou. Por causa da pobreza em que sua mãe ficou, adoeceu e foi levado, ainda menino, para Belo Horizonte pelos tios, que o criaram. Era no início do século. Governava o Brasil, em 1904, Rodrigues Alves.
Se a infância apresentara obstáculos ao jovem carioca, a mocidade os agravou. Precocemente, teve que trabalhar: já aos 14 anos sustentava-se como eletricista. Apesar das dificuldades, conseguiu fazer o curso primário.

Aos 19 anos e sem opções, sentou praça na Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos. Como soldado, participou da luta contra o movimento paulista de 1924, por meio do qual o tenentismo fizera outra tentativa para derrubar o governo e realizar uma política liberal, impossível sob o domínio das oligarquias.

Em 1925, foi promovido a cabo. Em 1926, Dinarco, já como terceiro sargento, torna-se instrutor de voo e mecânico chefe de manutenção. A oportunidade surgiu, com o movimento armado de 1930: o sargento Dinarco sequestrou um avião, levando-o para Minas Gerais e juntando-se às forças rebeldes que acabariam por triunfar. Comissionado tenente, teve de matricular-se na Escola Militar do Realengo, para confirmar o comissionamento e, em 1934, tornava-se segundo-tenente da aviação militar.

A Escola Militar, tradicionalmente envolvida nos movimentos políticos, já apresentava um pequeno grupo de alunos que voltava as suas atenções para o marxismo e via no movimento comunista e no PCB a saída para uma política capaz de resolver os problemas brasileiros.

A experiência ensinara ao jovem oficial que o caminho não era aquele dos golpes militares conduzidos por uma minoria. Ele já recusara a saída anarquista, que lhe fora apresentada por um colega.

Em 1926, lera o clássico de John Reed, Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, livro que deixou nele profunda impressão. A leitura do Manifesto Comunista, em 1932, mostrou o seu caminho para o resto da vida. Ingressou no PCB em 1933, ainda na Escola Militar.

O Brasil atravessava uma fase conturbada. O movimento de 1930 não abrira aquelas perspectivas que o povo brasileiro esperava, e o Governo Provisório se mostrava incapaz de superar a luta interna em que se debatia.

A Aliança Nacional Libertadora (ANL), então, apresentou-se como a saída capaz de proporcionar aquelas soluções até aí não alcançadas. Foi um movimento de massas que chegou a ganhar força, embora insuficiente para a tarefa revolucionária a que se propunha. Dinarco, como os demais companheiros de Partido, integrou-se à ANL, em cuja direção havia inúmeros militares.

A repressão da ditadura Vargas levou o movimento ao caminho aparentemente mais fácil: a insurreição armada, que se deu em novembro de 1935. Com a derrota, vieram a prisão e a expulsão das Forças Armadas, uma vez que participara ativamente do movimento, tentando levantar a Escola de Aviação Militar. Dinarco veria abrir-se nova etapa em sua vida – seria, daí por diante, um lutador comunista, disposto a sacrificar-se pelos seus ideais, a eles dedicando-se de corpo e alma.

Foi na prisão que conheceu dirigentes do movimento comunista nacional e internacional, recebendo ensinamentos teóricos que permitiram que ele verificasse o acerto de sua decisão: a saída estava no socialismo. Fora cassado e até “morto”, para efeitos legais. Aliás, esses “mortos-vivos” constituíram espetáculo curioso e amargo da vida brasileira. Dinarco jamais conheceu a anistia, jamais foi “ressuscitado”.

Com a “Macedada” (uma lei limitada de anistia), foi libertado depois de 17 meses de prisão, juntamente com grande quantidade de presos políticos, contra os quais nada fora imputado como crime.

No entanto, era preciso prosseguir, até porque abrira-se um novo campo de luta: a Espanha se debatia numa guerra interna em que o fascismo e o nazismo jogavam todas as cartas. Impunha-se a defesa da República Espanhola.

De todo o mundo partiram voluntários para a luta na península. Os brasileiros não podiam faltar. Daí, como voluntário, Dinarco foi para a Espanha, em defesa da República, incorporando-se à Brigada Garibaldi, que se destaca na Batalha de Ebro.

Vencidos os republicanos, Dinarco, como centenas de outros, passou à França, onde foi preso e internado num campo de concentração. Cabia-lhe, agora, o trabalho forçado nas obras da Linha Maginot, com que a França esperava conter as forças alemãs na guerra que se aproximava.

Aproveitando-se do clima conturbado provocado pela guerra, Dinarco empreendeu fuga espetacular para Paris, onde entrou em contato com membros da Resistência Francesa, juntando-se a outros brasileiros.

Através de peripécias diversas, conseguiu voltar ao Brasil no final de 1942. Aqui, com a maior parte dos companheiros presos e a direção do PCB destruída, a tarefa principal consistia em reconstruir o Partido. Dinarco participou ativamente desse esforço, viajando por diversos estados brasileiros. Na chamada Conferência da Mantiqueira (1943), em que foram traçados os rumos para a difícil etapa que se iniciava, foi eleito para o Comitê Central.

Em 1946, já finda a guerra, com a derrota do nazifascismo, o Brasil se encaminhou para novos rumos, com a Constituinte reunida e, nela, uma significativa bancada do PCB.

Tudo parecia anunciar uma fase de calma e democracia. Mas o surgimento da “Guerra Fria”, de que o governo Dutra, no Brasil, foi a representação característica, fez gorar as esperanças: o PCB foi atirado à clandestinidade, e a sua bancada parlamentar teve os direitos cassados.

Daí, em revide, o sectarismo desvairado passou a dominar o PCB. O chamado Manifesto de Agosto, que passou a orientar a ação política do Partido, levou-o a derrotas políticas irreparáveis.

A saída residiu na chamada Declaração de Março, que abriu novas perspectivas à luta política, rompendo com o sectarismo e privilegiando a luta de massas, apesar de reforçar a perspectiva reformista, com a consolidação da estratégia nacional democrática, em que se previa a aliança com uma pretensa burguesia nacional para combater o imperialismo e o atraso interno representado pelo latifúndio. Dinarco, com outros companheiros de Partido, esteve entre aqueles que defenderam a Declaração de Março.

A divulgação de documentos com pesadas críticas ao período de Stálin, durante o XX Congresso do PC soviético, entretanto, traria uma crise interna de graves consequências, que deveria ser enfrentada e superada. Dinarco retornava ao Comitê Central ao ser eleito no V Congresso do PCB, ascendendo à Executiva, vendo suas responsabilidades crescerem. Mas nunca lhe faltou ânimo para enfrentar as novas condições de luta.

Os anos iniciais da década de 1960 foram marcados pela ascensão do movimento operário, sindical e de massas, com vários setores e categorias sociais se mobilizando em defesa de melhores condições de vida e salário, conquista de direitos e mudanças profundas de que o Brasil necessitava, despertando o povo para apoiar as chamadas “reformas de base” propostas pelo Governo João Goulart.

A reação da direita não poderia perdoar esses avanços democráticos: veio o golpe de 1964. Cumpria ao PCB preservar a sua direção. Daí a decisão de transferir ao exterior uma parte dela. Dinarco partiu, em 1971, tendo, antes da partida, sido responsável pela vida de vários outros companheiros. Antes disso foi responsável pela organização e segurança do VI Congresso do PCB, em 1967.

Foi dos primeiros a voltar, assim que permitiram as condições. Com a chamada “abertura”, o PCB voltou à legalidade e enfrentou várias crises internas. Em todos os episódios da vida partidária, Dinarco assumiu a posição que convinha à unidade e à busca de um Partido forte e unido.

Passados os oitenta anos, com a carga das prisões e dos exílios, continuou a ser o mesmo lutador coerente, lúcido e capaz, à altura de um verdadeiro dirigente comunista de renome internacional. Escrevendo e proferindo conferências, não foi só uma privilegiada testemunha da história: foi um protagonista atuante das lutas do nosso povo pelas liberdades democráticas, pela soberania nacional e pelo poder popular, no rumo do socialismo.

Um exemplo para os comunistas brasileiros.

Fonte: https://fdinarcoreis.org.br/fdr/2012/03/23/dinarco-reis-o-tenente-vermelho/

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