Questão preliminar ao debate eleitoral

“Tudo está bem… Todos são heroicos… Todos os jornais devem publicar-se… Todos devem publicar-se, menos os comunistas…”.

A frase que abre esse texto é do poema Os Comunistas, que faz parte da bela obra intitulada Confesso que Vivi, de autoria do poeta e comunista Pablo Neruda.

Esse trecho representa bem algo que é tecido nas eleições no Brasil: a exclusão dos comunistas das bancadas dos debates e o boicote da divulgação das atividades e agendas. A imprensa e a cobertura da campanha simplesmente não falam. Quando falam, ou é em tempo reduzido ou de forma caricatural sobre as campanhas dos comunistas.

É certo que nas eleições burguesas as regras são dela, assim como a imprensa que cobre o processo. Não é uma imprensa livre, democrática, mas uma imprensa com donos. São poucos os que monopolizam os meios de comunicações e eles possuem um lado: o lado dos que mandam, o lado das elites. Afinal, eles próprios fazem parte dessa elite.

Contudo, nesse quadro, eles procuram demonstrar que existe um lado aberto, tendo espaço para todos. Menos para os comunistas, é claro. Mais uma vez Neruda:“Há disfarces para todos… Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema-esquerda, disfarces de damas beneficentes e de matronas caritativas… Mas, cuidado, não deixem entrar os comunistas… Fechem bem a porta… Não se enganem…”.

Todos tem espaço, pelo menos é essa a imagem que querem passar via processo eleitoral. Então, cabe até colocar um representante da esquerda e taxá-lo como extrema esquerda para, dessa forma, expor aos olhos de todos que se trata realmente de um jogo democrático. Contudo, os comunistas e socialistas que, de fato, apresentam uma proposta que coloca em questão o central para eles – a elite, a propriedade, a forma de organização social, política e econômica –, esses não. A esses não cabe aparecer no debate, nem na tribuna.

Dessa forma, as eleições reproduzem a mesma divisão que temos na sociedade. De um lado, os que representam, de maneira direta ou indireta, os interesses de classes das elites e, do outro lado, as organizações que se colocam em fileira com os interesses de classe dos trabalhadores.

A representação ao lado das elites surge de diversas formas: desde a forma mais ostensiva, assumindo seu programa máximo de desmonte do Estado, de intolerância com as minorias (que, na verdade, constituem a maioria, sendo minoria no que tange sua representação nos espaços constituídos de poder), de privatizações e de criminalização de movimentos sociais e das lutas, até de forma sutil. Também se apresenta indiretamente através de omissões nas falas, omissões em programas, no resgate a velhas formas camufladas de novas políticas e novas formas políticas, onde mostram o programa inviável de reformas de um sistema irreformável, velhas e utópicas formas de propor políticas. Na prática, tais formas não ameaçam os interesses de classe das elites, pois ficam na superfície dos problemas causados pelas contradições de classes e suas manifestações no cotidiano dos trabalhadores e do conjunto do povo.

Do outro lado, temos as propostas que não são permitidas de participarem do processo. Não através de uma limitação direta, mas por mecanismos burocráticos e administrativos. É usado o argumento da representatividade para o processo de participação nos debates, bem como para a divisão do tempo de TV. Contudo, tais argumentos apenas justificam o caráter limitado da democracia burguesa, já que se legitimam em proporções e coeficientes obtidos em processos desiguais. São produtos de uma frágil democracia que se constituiu de forma artificial, de cima para baixo, numa transição da ditadura, onde o essencial foi mantido: os interesses de classes das elites burguesas.

Cabe aos setores que reivindicam e que são permeados pelos interesses de classe dos trabalhadores dialogarem diretamente com a classe, com a população, cotidianamente, nas ruas, nas fábricas, nas manifestações; dialogarem com todos os que assumem a necessidade de uma transformação radical, votando ou não votando, mas, no fundamental, permanecendo na luta.

Nós, comunistas, devemos cada vez mais estreitar os laços de diálogo com os trabalhadores em suas múltiplas formas de organização e no contato direto, para além das mediações organizativas. Devemos nos alinhar a comunistas, socialistas revolucionários, anarquistas, todos aqueles que assumem a necessidade de construir uma nova sociedade a partir das lutas. Devemos nos apresentar nas eleições compreendendo esse espaço em sua limitação. Porém, não subestimando as possibilidades de diálogos advindos do processo, onde podemos apresentar nossas propostas, nossas lutas, colaborar com a construção da contra-hegemonia das ideias comunistas, socialistas e revolucionárias.

Se as elites possuem as tribunas, a mídia, os camarotes, nós seguimos, como dizia o poeta Leminski, sendo daquela gente que acredita que a rua é o espaço mais importante da cidade. Pois será por lá que passará a construção do poder popular; será por lá que será pavimentado o caminho da revolução e da construção do comunismo.

Seguiremos daqui, da luta, quanto aos que se dizem de esquerda mas que continuam pegando as sobras das mesas das elites… Bom, a esses, ficam os versos do poeta da Vila, Noel, “há de viver eternamente sendo escravo dessa gente que cultiva a hipocrisia”.

Heitor Cesar R. de Oliveira

Membro do CC do PCB