Comunicação de Michel Chossudovsky
“Tudo aquilo que a Fundação [Ford] fez pode ser considerado no âmbito de “tornar o mundo seguro para o capitalismo”, diminuindo as tensões sociais ao ajudar a socorrer os angustiados, a proporcionar válvulas de segurança aos raivosos e a melhorar o funcionamento do governo (McGeorge Bundy, conselheiro de Segurança Nacional dos Presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson (1961-1966) e Presidente da Fundação Ford (1966-1979).
“Ao pôr os fundos e o enquadramento político à disposição de muita gente preocupada e dedicada que trabalha no sector não lucrativo, a classe dirigente pode ir buscar líderes às comunidades de base,… e pode tornar o financiamento, a contabilidade e os componentes de avaliação do trabalho tão demorado e oneroso que o trabalho de justiça social é praticamente impossível nessas condições” (Paul Kivel, You Call this Democracy, Who Benefits, Who Pays and Who Really Decides, 2004, p. 122 )
“Na Nova Ordem Mundial, o ritual de convidar líderes da “sociedade civil” para os círculos interiores do poder – enquanto simultaneamente reprime os cidadãos comuns – satisfaz diversas funções importantes. Primeiro, diz ao Mundo que os críticos da globalização “têm que fazer concessões” para ganharem o direito de se misturar. Segundo, transmite a ilusão de que, embora as elites globais devam – no que eufemísticamente se chama democracia – estar sujeitas à crítica, governam legitimamente. E terceiro, diz “não há alternativa” à globalização: não é possível uma mudança radical e o mais que podemos esperar é negociar com esses governantes um ineficaz “dar e receber”.
Mesmo que os “Globalizadores” possam adoptar algumas frases progressistas para demonstrar que têm boas intenções, os seus objectivos fundamentais não são contestados. E o que esta “miscelânea da sociedade civil” faz é reforçar o coio da instituição empresarial, ao mesmo tempo que enfraquece e divide o movimento de protesto. A compreensão deste processo de cooptação é importante, porque dezenas de milhares dos jovens mais íntegros em Seattle, Praga e Quebec [1999-2001] estão envolvidos nos protestos anti-globalização porque rejeitam a noção de que o dinheiro é tudo, porque rejeitam o empobrecimento de milhões e a destruição da Terra frágil para que alguns fiquem mais ricos.
Esta arraia-miúda e também alguns dos seus líderes merecem ser aplaudidos. Mas é preciso ir mais longe. É preciso contestar o direito dos “Globalizadores” a governar. Para isso é necessário repensar a estratégia do protesto. Poderemos mudar para um nível superior, desencadeando movimentos de massas nos nossos respectivos países, movimentos que transmitam a mensagem do que a globalização está a fazer às populações? Porque são eles a força que tem que ser mobilizada para contestar aqueles que pilham o Globo”. (Michel Chossudovsky, The Quebec Wall, Abril 2001)
A expressão “fabrico do consenso” foi inicialmente cunhada por Edward S Herman and Noam Chomsky.
O “fabrico do consenso” descreve um modelo de propaganda usado pelos meios de comunicação corporativos para manipular a opinião pública e “inculcar valores e crenças nos indivíduos…”
Os meios de comunicação de massas servem como um sistema de comunicação de mensagens e símbolos à arraia-miúda. É sua função divertir, entreter e informar, e inculcar nos indivíduos valores, crenças e códigos de comportamento que os integrarão nas estruturas institucionais da sociedade mais ampla. Para cumprir este papel num mundo de riqueza concentrada e de importantes conflitos de interesses de classe, é necessário uma propaganda sistemática. (Manufacturing Consent by Edward S. Herman and Noam Chomsky)
O “fabrico do consenso” implica a manipulação e a modelação da opinião pública. Institui a conformidade e a aceitação à autoridade e à hierarquia social. Procura a obediência a uma ordem social instituída. O “fabrico do consenso” descreve a submissão da opinião pública à narrativa dos meios de comunicação predominantes, às suas mentiras e maquinações.
“O fabrico da dissidência”
Neste artigo, concentramo-nos num conceito relacionado, ou seja, o processo de “fabrico da dissidência” (em vez do “consenso”) que desempenha um papel decisivo ao serviço dos interesses da classe dirigente.
No capitalismo contemporâneo, tem que se manter a ilusão da democracia. É do interesse das elites corporativas aceitar a dissidência e o protesto como uma característica do sistema tanto mais que não ameaçam a ordem social instituída. O objectivo não é reprimir os dissidentes mas, pelo contrário, modelar e moldar o movimento de protesto, estabelecer os limites exteriores da dissidência.
Para manter a sua legitimidade, as elites económicas favorecem formas de oposição limitadas e controladas, com vista a impedir o desenvolvimento de formas radicais de protesto, que podiam abalar as fundações e as instituições do capitalismo global. Por outras palavras, o “fabrico da dissidência” funciona como uma “válvula de segurança” que protege e sustenta a Nova Ordem Mundial.
Mas, para ser eficaz, o processo do “fabrico da dissidência” tem que ser cuidadosamente regulado e monitorizado por aqueles que são o alvo do movimento de protesto.
“Financiar a Dissidência”
Como é que se consegue fabricar a dissidência?
Essencialmente, “financiando a dissidência”, nomeadamente canalizando recursos financeiros daqueles que são o objecto do movimento de protesto para aqueles que estão envolvidos na organização do movimento de protesto.
A cooptação não se limita a comprar os favores de políticos. As elites económicas – que controlam importantes fundações – também fiscalizam o financiamento de inúmeras Organizações Não Governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil, que historicamente têm estado envolvidas no movimento de protesto contra a ordem económica e social instituída. Os programas de muitas ONGs e movimentos populares dependem fortemente de financiamentos de organismos públicos ou privados, incluindo as fundações Ford, Rockefeller, McCarthy, entre outras.
O movimento anti-globalização opõe-se a Wall Street e aos gigantes petrolíferos do Texas controlados por Rockefeller e outros. Mas as fundações e os organismos caritativos de Rockefeller e outros financiam generosamente redes progressistas anti-capitalistas assim como os ambientalistas (que se opõem ao Grande Petróleo) com vista a vir a fiscalizar e a modelar as suas diversas actividades.
Os mecanismos do “fabrico da dissidência” exigem um ambiente manipulador, um processo de braço de ferro e uma subtil cooptação de indivíduos do interior de organizações progressistas, incluindo coligações anti-guerra, ambientalistas e o movimento anti-globalização.
Enquanto que os meios de comunicação “fabricam o consenso”, as elites corporativas utilizam a complexa rede de ONGs (incluindo segmentos dos meios de comunicação alternativos) para moldar e manipular o movimento de protesto.
Na sequência da desregulamentação do sistema financeiro global nos anos 90 e do rápido enriquecimento da instituição financeira, o financiamento através de fundações e instituições caritativas disparou. Ironicamente, parte dos ganhos financeiros fraudulentos de Wall Street nos últimos anos foram reciclados para fundações e instituições caritativas livres de impostos das elites. Estes ganhos financeiros inesperados não só foram usados para comprar políticos, como também foram canalizados para ONGs, institutos de investigação, centros comunitários, igrejas, ambientalistas, meios de comunicação alternativos, grupos de direitos humanos, etc. O “fabrico da dissidência” também se aplica à “esquerda corporativa” e aos “meios de comunicação progressistas” financiados por ONGs ou directamente pelas fundações.
O objectivo encoberto é “fabricar a dissidência” e estabelecer as fronteiras duma oposição “politicamente correcta”. Por sua vez, muitas ONGs são infiltradas por informadores que actuam frequentemente por conta dos organismos de informações ocidentais. Além disso, um segmento cada vez maior dos meios noticiosos progressistas alternativos na internet passou a ficar dependente do financiamento de fundações corporativas e de organizações caritativas.
Activismo Fragmentado
O objectivo das elites corporativas tem sido fragmentar o movimento popular num enorme mosaico “faça você mesmo”. A guerra e a globalização já não estão na linha da frente do activismo da sociedade civil. O activismo tem tendência para se fragmentar. Não há um movimento anti-guerra e anti-globalização integrado. A crise económica não está a ser vista como tendo uma relação com a guerra liderada pelos EU.
A dissidência foi compartimentalizada. São encorajados e generosamente financiados movimentos de protesto separados “orientados por assuntos” (por ex. ambiente, antiglobalização, paz, direitos das mulheres, alteração climática), em oposição a um movimento de massas coeso. Este mosaico já era prevalecente na manifestação contra as cimeiras G7 e nas Cimeiras Populares dos anos 90.
O Movimento Anti-Globalização
A contra cimeira Seattle 1999 é invariavelmente considerada como um triunfo para o movimento anti-globalização: “uma coligação histórica de activistas fez encerrar a cimeira da Organização Mundial do Comércio em Seattle, a faísca que incendiou um movimento global anti-empresas”. (Ver Naomi Klein, Copenhagen: Seattle Grows Up, The Nation, 13 de Novembro, 2009).
Seattle foi de facto um marco importante na história do movimento de massas. Mais de 50 000 pessoas de diversas origens, organizações da sociedade civil, dos direitos humanos, sindicatos de trabalhadores, ambientalistas juntaram-se com um objectivo comum. O seu objectivo era desmantelar à força a agenda neoliberal incluindo a sua base institucional.
Mas Seattle é também um marco de uma viragem importante. Com a escalada da dissidência por parte de todos os sectores da sociedade, a Cimeira oficial da Organização Mundial do Comércio (OMC) precisava desesperadamente da participação simbólica dos líderes da sociedade civil “por dentro”, para dar exteriormente o aspecto de ser “democrática”.
Embora tenham convergido milhares de pessoas a Seattle, o que se passou nos bastidores foi na verdade uma vitória para o neoliberalismo. Um punhado de organizações da sociedade civil, formalmente opostas à OMC contribuiu para legitimar a arquitectura comercial global da OMC. Em vez de contestar a OMC como um órgão intergovernamental ilegal, aceitaram um diálogo pré-cimeira com a OMC e os governos ocidentais. “Participantes acreditados das ONG foram convidados a participar num ambiente amistoso com embaixadores, ministros do comércio e magnatas de Wall Street em vários dos eventos oficiais, incluindo os numerosos cocktails e recepções”. (Michel Chossudovsky, Seattle and Beyond: Disarming the New World Order , Covert Action Quarterly, Novembro 1999, Ver Ten Years Ago: “Manufacturing Dissent” in Seattle).
A agenda oculta era enfraquecer e dividir os movimentos de protesto e orientar o movimento anti-globalização para áreas que não ameaçassem directamente os interesses da instituição dos negócios.
Financiado por fundações privadas (incluindo a Ford, a Rockefeller, a Rockefeller Brothers, a Charles Stewart Mott, The Foundation for Deep Ecology), estas organizações “acreditadas” da sociedade civil passaram a funcionar como grupos de pressão, agindo formalmente em nome do movimento popular. Lideradas por activistas conhecidos e empenhados, tinham as mãos atadas. Acabaram por contribuir (involuntariamente) para enfraquecer o movimento anti-globalização ao aceitarem a legitimidade do que era essencialmente uma organização ilegal, (o acordo da Cimeira de Marraquexe de 1994 que levou à criação da OMC em 1 de Janeiro de 1995). (ibid).
Os líderes das Organizações Não Governamentais (ONGs) tinham plena consciência de onde é que vinha o dinheiro. No entanto, na comunidade das ONGs americanas e europeias, as fundações e as organizações caritativas são consideradas como órgãos filantrópicos independentes, separados das corporações; nomeadamente a Fundação Rockefeller Brothers, por exemplo, é considerada como separada e distinta do império de bancos e empresas petrolíferas da família Rockefeller.
Com os salários e as despesas operacionais dependentes de fundações privadas, isso tornou-se uma rotina aceite: numa lógica distorcida, a batalha contra o capitalismo corporativo iria ser travada usando os fundos das fundações isentas de impostos, propriedade do capitalismo corporativo.
As ONGs foram metidas numa camisa-de-forças; a sua própria existência dependia das fundações. As suas actividades eram monitorizadas de perto. Numa lógica distorcida, a própria natureza do activismo anti-capitalista era controlada indirectamente pelos capitalistas através das suas fundações independentes.
“Cães de Guarda Progressistas”
Nesta saga em evolução, as elites corporativas, cujos interesses são defendidos inexoravelmente pelo FMI, pelo Banco Mundial e pela OMC, financiam de boa vontade (através das suas diversas fundações e obras caritativas) organizações que estão na vanguarda do movimento de protesto contra a OMC e as instituições financeiras internacionais com sede em Washington.
Sustentados pelo dinheiro das fundações, foram colocados diversos “cães de guarda” nas ONGs para fiscalizar a implementação de políticas neoliberais, sem no entanto colocar a questão mais ampla de como é que os gémeos Bretton Woods e a OMC, através das suas políticas, tinham contribuído para o empobrecimento de milhões de pessoas.
A SAPRIN, Structural Adjustment Participatory Review Network, foi fundada pelo Development Gap, uma USAID (Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional) e o Banco Mundial financiou a ONG com sede em Washington DC.
Amplamente documentada, a imposição do Programa de Ajustamento Estrutural FMI-Banco Mundial (SAP) aos países em desenvolvimento constitui uma forma escandalosa de interferência nos assuntos internos de estados soberanos em nome de instituições credoras.
Em vez de contestar a legitimidade da “medicina económica letal” do FMI-Banco Mundial, a organização central da SAPRIN procurou estabelecer um papel participativo para as ONGs, de braço dado com a USAID e o Banco Mundial. O objectivo era dar um “rosto humano” à agenda política neoliberal, em vez de rejeitar liminarmente o enquadramento político do FMI-Banco Mundial:
“A SAPRIN é a rede global da sociedade civil que foi buscar o seu nome à Structural Adjustment Participatory Review Initiative (SAPRI), que foi lançada com o Banco Mundial e o seu presidente, Jim Wolfensohn, em 1997.
A SAPRI destina-se a um exercício tripartido para reunir organizações da sociedade civil, os seus governos e o Banco Mundial numa análise conjunta de programas de ajustamento estrutural (SAPs) e na exploração de novas opções políticas. Está a legitimar um papel activo para a sociedade civil na tomada de decisões económicas, já que lhe compete indicar áreas em que são necessárias mudanças na política económica e no processo de implementar políticas económicas. (http://www.saprin.org/overview.htm website da SAPRIN).
Do mesmo modo, o Observatório do Comércio (anteriormente WTO Watch), que opera a partir de Genebra, é um projecto do Instituto para a Política de Agricultura e Comércio (IATP), com base em Minneapolis, que é generosamente financiado pela Ford, Rockefeller, Charles Stewart Mott, entre outros (ver Quadro 1 abaixo).
O Observatório do Comércio tem por função fiscalizar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Acordo de Comércio Livre Norte-americano (NAFTA) e a proposta Área de Comércio Livre das Américas (FTAA). (IATP, About Trade Observatory, Setembro 2010).
O Observatório do Comércio também pretende melhorar dados e informações assim como estimular a “governação” e a “responsabilidade”. Responsabilidade em relação às vítimas das políticas da OMC ou responsabilidade para com os protagonistas das reformas neoliberais?
As funções de cão de guarda do Observatório do Comércio não ameaçam de modo algum a OMC. Muito pelo contrário: a legitimidade das organizações e dos acordos comerciais nunca são postas em causa.
Quadro 1 – Principais doadores ao Instituto para a Política
Agrícola e Comercial Minneapolis (IATP)
O Fórum Económico Mundial. “Todos os Caminhos Vão Dar a Davos”
O movimento popular foi assaltado. Intelectuais escolhidos, executivos sindicais, e líderes das organizações da sociedade civil (incluindo a Oxfam, a Amnistia Internacional, o Greenpeace) são sistematicamente convidados para o Fórum Mundial Económico FME de Davos, onde se misturam com os actores económicos e políticos mais poderosos do Mundo. Esta mistura de elites corporativas do mundo com “progressistas” escolhidos a dedo faz parte do ritual subjacente ao processo de “fabrico da dissidência”.
A táctica é escolher a dedo selectivamente líderes da sociedade civil “em quem podemos confiar” e integrá-los num “diálogo”, isolá-los das suas bases, fazer com que eles se sintam “cidadãos globais” a agir no interesse dos trabalhadores seus colegas mas fazer com que eles ajam de modo a servir os interesses da instituição corporativa:
“A participação de ONGs no Encontro Anual em Davos é uma prova de que procuramos intencionalmente integrar um largo espectro dos principais participantes na sociedade para… definir e impulsionar a agenda global… Acreditamos que o Fórum Mundial Económico [de Davos] proporciona à comunidade dos negócios o enquadramento ideal para se empenhar num esforço colaborativo com os outros participantes principais [as ONGs] da economia global para “melhorar o estado do mundo”, que é a missão do Fórum. (Fórum Mundial Económico, Comunicado à Imprensa 5 Janeiro 2001)
O FME não representa a comunidade de negócios mais ampla. É um grupo elitista: Os seus membros são gigantescas corporações globais (com um mínimo de 5 mil milhões de dólares de volume de negócios anual). As organizações não governamentais (ONGs) seleccionadas são consideradas como “participantes” parceiros assim como um conveniente “porta-voz para os que não têm expressão que ficam quase sempre fora dos processos de tomada de decisões”. (World Economic Forum – Non-Governmental Organizations, 2010)
“[As ONGs] desempenham uma série de papéis na parceria com o Fórum para melhorar o estado do mundo, incluindo servir de ponte entre os negócios, o governo e a sociedade civil, ligando os políticos às bases, pondo soluções práticas em cima da mesa…” (ibid).
Uma “parceria” da sociedade civil com corporações globais em nome dos “que não têm voz”, que são “deixados de fora”?
Também são cooptados executivos sindicais com prejuízo para os direitos dos trabalhadores. Os líderes da Federação Internacional dos Sindicatos (IFTU), da AFL-CIO, da Confederação dos Sindicatos Europeus, do Congresso do Trabalho Canadiano (CLC), entre outros, são sistematicamente convidados para assistir tanto às reuniões anuais do FME em Davos, na Suíça, como às cimeiras regionais. Também participam na Comunidade de Líderes Trabalhistas do FME que se concentra em padrões mutuamente aceitáveis de comportamento para o movimento dos trabalhadores. O FME “acredita que a voz do Trabalho é importante para um diálogo dinâmico sobre as questões da globalização, da justiça económica, da transparência e responsabilidade, e garante um sistema financeiro global saudável”.
“Garante um sistema financeiro global saudável” eivado de fraudes e corrupção? A questão dos direitos dos trabalhadores nem sequer é referida. (World Economic Forum – Labour Leaders, 2010).
O Fórum Social Mundial: “É Possível Outro Mundo”
Em muitos aspectos a contra cimeira de Seattle 1999 estabeleceu os alicerces para o desenvolvimento do Fórum Social Mundial.
A primeira reunião do Fórum Social Mundial (FSM) realizou-se em Janeiro de 2001, em Porto Alegre, Brasil. Esta reunião internacional envolveu a participação de dezenas de milhares de activistas de organizações de bases de e de ONGs.
A reunião do FSM de ONGs e organizações progressistas realiza-se em simultâneo com o Fórum Económico Mundial (FEM) de Davos. Destinava-se a dar voz à oposição e à dissidência em relação ao Fórum Económico Mundial de líderes corporativos e de ministros das finanças.
No início, o FSM foi uma iniciativa da ATTAC de França e de várias ONGs brasileiras:
“… Em Fevereiro de 2000, Bernard Cassen, chefe duma ONG francesa, a plataforma ATTAC, Oded Grajew, chefe duma organização de empregadores brasileiros, e Francisco Whitaker, chefe duma associação de ONGs brasileiras, reuniram-se para discutir uma proposta para um “evento mundial da sociedade civil”; em Março de 2000, asseguraram formalmente o apoio do governo municipal de Porto Alegre e do governo estatal de Rio Grande do Sul, ambos controlados na época pelo Partido dos Trabalhadores Brasileiros (PT)… Um grupo de ONGs francesas, incluindo a ATTAC, os Amigos do L’Humanité e os Amigos do Le Monde Diplomatique, patrocinaram um Fórum Social Alternativo em Paris intitulado “Um Ano Após Seattle”, a fim de preparar uma agenda para os protestos a ser encenados na cimeira da União Europeia em Nice, que se aproximava. Os oradores apelaram à “reorientação de certas instituições internacionais tais como o FMI, o Banco Mundial, a OMC… a fim de criar uma globalização a partir de baixo” e à “implementação de um movimento internacional de cidadãos, não para destruir o FMI, mas para reorientar as suas missões”. (Research Unit For Political Economy, The Economics and Politics of the World Social Forum, Global Research, 20 de Janeiro, 2004)
Desde o início em 2001, o FSM foi sustentado por um financiamento substancial da Fundação Ford, que, como se sabe, tem ligações com a CIA que remontam aos anos 50: “A CIA usa fundações filantrópicas como a via mais eficaz para canalizar grandes somas de dinheiro para projectos da Agência sem avisar os recebedores quanto à sua origem”. (James Petras, The Ford Foundation and the CIA, Global Research, 18 de Setembro, 2002)
O mesmo procedimento de contra-cimeiras ou cimeiras populares com fundos doados, que caracterizou as Cimeiras Populares dos anos 90, foi utilizado no Fórum Social Mundial:
“… outros fundadores do FSM (ou ‘parceiros’, conforme são designados na terminologia do FSM) incluíam a Fundação Ford – basta dizer aqui que esta sempre funcionou na mais estreita colaboração com a CIA e com os interesses estratégicos em geral dos EU; a Fundação Heinrich Boll Foundation, que é controlada pelo partido alemão Os Verdes, um parceiro no actual [2003] governo alemão e apoiante das guerras na Jugoslávia e no Afeganistão (o seu líder Joschka Fischer é o [antigo] ministro alemão dos negócios estrangeiros); e importantes organismos financiadores como o Oxfam (Reino Unido), o Novib (Holanda), o ActionAid (EU), etc.
Curiosamente, um membro do Conselho Internacional do FSM relata que os “fundos consideráveis” recebidos desses organismos não tivera “até agora motivado quaisquer debates significativos [nos órgãos do FSM] sobre as possíveis relações de dependência que poderiam gerar”. Mas reconhece que “para receber fundos da Fundação Ford, os organizadores tiveram que convencer a fundação de que o Partido dos Trabalhadores não estava envolvido no processo”. Há aqui dois pontos dignos de registo. Primeiro, isto demonstra que os financiadores puderam medir as forças e determinar o papel das diferentes forças no FSM – tiveram que ser “convencidos” das credenciais daqueles que estariam envolvidos. Segundo, se os financiadores objectaram à participação do cuidadosamente domesticado Partido dos Trabalhadores, teriam objectado ainda com mais determinação se fosse dado relevo a forças genuinamente anti-imperialistas. Que eles fizeram essas objecções tornar-se-á claro quando descrevermos quem foi incluído e quem foi excluído da segunda e da terceira reuniões do FSM…
… A questão do financiamento [do FSM] nem sequer figura na carta de princípios do FSM, aprovada em Junho de 2001. Os marxistas, que são materialistas, fariam notar que se deve analisar a base material do fórum para apanhar a sua natureza. (Claro que não é preciso ser-se marxista para compreender que “quem paga a despesa é quem manda”). Mas o FSM não está de acordo. Pode aceitar fundos de instituições imperialistas como a Fundação Ford, e ao mesmo tempo lutar contra o “domínio do mundo pelo capital e qualquer outra forma de imperialismo”. (Research Unit For Political Economy, The Economics and Politics of the World Social Forum, Global Research, 20 de Janeiro, 2004)
A Fundação Ford forneceu apoio fundamental ao FSM, com contribuições indirectas para participar em “organizações parceiras” da Fundação McArthur, da Fundação Charles Stewart Mott, de The Friedrich Ebert Stiftung, da Fundação W. Alton Jones, da Comissão Europeia, de diversos governos europeus (incluindo o governo trabalhista de Tony Blair), do governo canadiano, assim como de uma série de órgãos das NU (incluindo a UNESCO, a UNICEF, a UNDP, a ILO e a FAO). (Iibid.)
Para além do apoio fundamental inicial da Fundação Ford, muitas das organizações da sociedade civil participantes recebem fundos de importantes fundações e organizações caritativas. Por seu lado, as ONGs com sede nos EU e na Europa operam frequentemente como organismos de financiamento secundário, canalizando dinheiro Ford e Rockefeller para organizações parceiras em países em desenvolvimento, incluindo movimentos de base de camponeses e de direitos humanos.
O Conselho Internacional (CI) do FSM é composto por representantes das ONGs, sindicatos, organizações de meios de comunicação alternativos, institutos de investigação, muitos dos quais são fortemente financiados por fundações assim como por governos. (Ver Fórum Social Mundial). Os mesmos sindicatos, que são rotineiramente convidados para se misturarem com directores de Wall Street no Fórum Económico Mundial de Davos, incluindo a AFL-CIO, a Confederação Europeia de Sindicatos e o Congresso do Trabalho Canadiano também se sentam no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial. Entre as ONGs financiadas pelas principais fundações que têm assento no Conselho Internacional do FSM encontra-se o Instituto para a Politica de Agricultura e Comércio (ver a nossa análise mais acima) que fiscaliza o Observatório do Comércio com sede em Genebra.
A Rede de Financiadores para o Comércio e Globalização (FTNG), que tem o estatuto de observador no Conselho Internacional do FSM desempenha um papel chave. Enquanto canaliza apoio financeiro para o FSM, actua como uma câmara de compensação para importantes fundações. A FTNG descreve-se a si mesma como “uma aliança de doadores empenhados na construção de comunidades justas e sustentadas em todo o mundo”. Alguns membros desta aliança são a Fundação Ford, a Rockefeller Brothers, Heinrich Boell, C. S. Mott, a Fundação da Família Merck, Open Society Institute, Tides, entre outros. (Para uma lista completa dos organismos financiadores da FTNG ver FNTG: Funders). A FTNG actua como uma entidade angariadora de fundos por conta do FSM.
Governos Ocidentais Financiam as Contra-Cimeiras e Reprimem o Movimento de Protesto
Ironicamente, governos que fazem parte da União Europeia atribuem dinheiro para financiar grupos progressistas (incluindo o Fórum Social Mundial) envolvidos na organização de protestos contra esses mesmos governos que financiam as suas actividades:
“Também os governos têm sido financiadores significativos de grupos de protesto. A Comissão Europeia, por exemplo, financiou dois grupos que mobilizaram grande número de pessoas para protestar nas cimeiras da UE em Gotenburgo e Nice. A lotaria nacional da Grã-Bretanha, que é fiscalizada pelo governo, ajudou a financiar um grupo no centro do contingente britânico em ambos os protestos”. (James Harding, Counter-capitalism, FT.com, 15 de Outubro 2001)
Trata-se de um processo diabólico: O governo anfitrião financia a cimeira oficial assim como as ONGs activamente envolvidas na Contra-Cimeira. Também financia a operação policial anti-motins que tem como missão reprimir os participantes de base da Contra-Cimeira, incluindo membros de ONGs financiadas directamente pelo governo.
O objectivo destas operações combinadas, incluindo acções violentas de vandalismo perpetradas por polícias à paisana (Toronto G20, 2010) disfarçados em activistas, é desacreditar o movimento de protesto e intimidar os seus participantes. O objectivo mais amplo é transformar a contra-cimeira num ritual de dissidência, que serve para patrocinar os interesses da cimeira oficial e o governo anfitrião. Esta lógica tem funcionado em numerosas contra cimeiras desde os anos 90.
Na Cimeira da América em Quebeque em 2001, o governo federal canadiano concedeu financiamentos a ONGs e a sindicatos mais importantes mediante certas condições. Um grande segmento do movimento de protesto acabou por ficar excluído da Cimeira Popular. Isso deu origem a uma segunda reunião paralela, que alguns observadores descreveram como “contra a Cimeira Popular”. As autoridades provinciais e federais exigiram que a marcha de protesto seguisse para um local a uma distância de 10 km da cidade, em vez de seguirem na direcção da área do centro histórico onde se estava a realizar a cimeira FTAA por detrás dum “perímetro de segurança” fortemente guardado”.
“Em vez de avançar para a vedação do perímetro e para o local das reuniões da Cimeira das Américas, os organizadores do desfile escolheram um percurso que se afastava da Cimeira Popular, passando por áreas residenciais quase vazias até ao parque de estacionamento de um estádio numa área isolada a alguns quilómetros de distância. Henri Masse, o presidente da Federação dos trabalhadores e trabalhadoras de Quebeque (FTQ) explicou, “Lamento estarmos tão longe do centro da cidade… Mas foi por uma questão de segurança”. Um milhar de seguranças da FTQ mantiveram um controlo muito apertado sobre o desfile. Quando o desfile chegou ao ponto em que alguns activistas pretenderam dividir-se e subir a colina até à vedação, os seguranças da FTQ fizeram sinal ao contingente dos Trabalhadores Canadianos de Automóveis (CAW) que caminhavam atrás do CUPE para se sentarem e fazerem parar o desfile, a fim de os seguranças da FTQ poderem formar um cordão e impedir que houvesse quem saísse do percurso oficial do desfile”. (Katherine Dwyer, Lessons of Quebec City, International Socialist Review, Junho/Julho 2001)
A Cimeira das Américas efectuou-se no interior de um “bunker” de quatro quilómetros, feito com uma vedação de betão e de aço galvanizado. A parte cercada do centro histórico da cidade, o “Muro de Quebeque” de 3 metros de altura, incluía o complexo parlamentar da Assembleia Nacional, hoteis e áreas comerciais.
Líderes de ONG versus suas Bases
A instituição do Fórum Social Mundial em 2001 foi sem dúvida um marco histórico, reunindo dezenas de milhares de activistas empenhados. Foi um acontecimento importante que permitiu a troca de ideias e o estabelecimento de laços de solidariedade.
O que está em causa é o papel ambivalente dos líderes das organizações progressistas. A sua relação estreita e bem-educada com os círculos internos do poder, com os financiamentos corporativos e governamentais, organismos de apoio, Banco Mundial, etc. corrói a sua relação e responsabilidades com as suas bases. O objectivo da dissidência fabricada é precisamente esse: distanciar os líderes das suas bases como um meio de silenciar e enfraquecer eficazmente as acções das bases.
Financiar a dissidência é também uma forma de infiltração nas ONGs, assim como de adquirir informações por dentro sobre estratégias de protesto e resistência dos movimentos de base.
A maior parte das organizações de base que participam no Fórum Social Mundial, incluindo organizações camponesas, de trabalhadores e de estudantes, firmemente empenhadas em combater o neoliberalismo não tinham conhecimento da relação do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial com o financiamento corporativo, negociado nas suas costas por um punhado de líderes de ONGs com ligações a organismos de financiamento oficiais e privados.
O financiamento a organizações progressistas não se faz sem condições. O seu objectivo é “pacificar” e manipular o movimento de protesto. Os organismos financiadores estabelecem condicionalismos minuciosos. Se não forem cumpridos, cessam os pagamentos e a ONG recebedora vai à falência por falta de fundos.
O Fórum Social Mundial define-se como “um local de encontro aberto para pensamento reflectivo, debate de ideias democrático, formulação de propostas, livre troca de experiências e inter-ligação para acção eficaz, de grupos e movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e qualquer forma de imperialismo e estão empenhados na construção de uma sociedade centrada na pessoa humana”. (Ver Fórum Social Mundial, 2010).
O Fórum Social Mundial é um mosaico de iniciativas individuais que não ameaça directamente nem contesta a legitimidade do capitalismo global e das suas instituições. Reúne-se anualmente. Caracteriza-se por uma imensidade de sessões e de grupos de trabalho. Quanto a este aspecto, uma das características do Fórum Social Mundial era manter o enquadramento “faça você mesmo”, característico
Esta estrutura aparentemente desorganizada é propositada. Embora favoreça o debate sobre uma série de tópicos individuais, a moldura do FSM não conduz a uma articulação duma plataforma comum coesiva e dum plano de acção dirigido contra o capitalismo global. Além disso, a guerra liderada pelos EU no Médio Oriente e na Ásia Central, que rebentou poucos meses depois da reunião inaugural do FSM em Porto Alegre em Janeiro de 2001, nunca foi uma questão central nas discussões do fórum.
O que prevalece é uma vasta e intrincada rede de organizações. As organizações de base recebedoras dos países em desenvolvimento estão normalmente inconscientes de que as suas ONGs parceiras nos Estados Unidos ou na União Europeia, que lhes estão a fornecer o apoio financeiro, estão elas próprias a ser financiadas por importantes fundações. O dinheiro escorre, impondo constrangimentos às acções das bases. Muitos destes líderes de ONGs estão empenhados e são indivíduos bem intencionados que agem num enquadramento que estabelece os limites da dissidência. Os líderes destes movimentos são frequentemente cooptados, sem sequer perceber que, em consequência do financiamento corporativo, ficam com as mãos atadas.
O capitalismo global financia o anti-capitalismo: uma relação absurda e contraditória
“É Possível um Outro Mundo”, mas este não pode ser alcançado de forma significativa com a actual situação.
É preciso um abanão no Fórum Social Mundial, na sua estrutura organizativa, nos seus financiamentos e na sua liderança.
Não pode haver um movimento de massas significativo quando a dissidência é tão generosamente financiada pelos mesmos interesses corporativos que são o alvo desse movimento de protesto. Nas palavras de McGeorge Bundy, presidente da Fundação Ford (1966-1979),”Tudo o que a Fundação [Ford] fez pode ser considerado no âmbito de ‘tornar o mundo seguro para o capitalismo”.
*Michel Chossudovsky não se deslocou a Portugal como estava previsto, mas enviou ao III Encontro Civilização ou Barbárie a comunicação que hoje publicamos.
Fonte: http://www.odiario.info/?p=1794