“Santos, não nos feche o espaço e não nos empurre outra vez à guerra”

imagem(Entrevista com Edison Romaña, das FARC-EP)

Dick Emanuelsson (Anncol)

Apenas diga “ROMAÑA” e para o oligarca medroso de Bogotá o estômago se solta e começa quase a suar. As mídias têm a culpa, dizem os guerrilheiros em Havana, “Romaña é um camarada de paz”.

Durante a década de 90 e a seguinte, a fama deste colombiano que com 15 anos ingressou nas FARC, subiu a tal grau que definitivamente o poder fático o temia.

Não era para menos. Romaña já era um comandante guerrilheiro experiente que liderava a construção do “Cadeado de Bogotá”, criando 10-12 frentes das FARC no departamento do Cundinamarca, rodeando a capital da república.

Sob o título “Bogotá sitiada” [1], a Revista Semana descreveu em uma de suas edições de 1996 que “mais de 1.200 guerrilheiros pertencentes a uma dúzia de frentes assomam pelas colinas da capital do país, em desenvolvimento de um aterrador plano estratégico”.

E continuou a revista Semana:

Em 40 anos de existência, a guerrilha na Colômbia nunca antes esteve tão próxima de Bogotá. Nos últimos dois meses, a subversão realizou, sem sofrer maiores baixas em suas fileiras, 18 ataques nas imediações (proximidades) da capital”.

Foi nesse ano quando o chefe do Comando Sul reportava ante uma comissão no congresso estrangeiro, que “se não fossem tomadas medidas drásticas na Colômbia, as FARC tomariam o poder em cinco anos”.

A batalha da Casa Verde

Encontramo-lo na Casa Verde o acampamento principal das FARC, em abril de 1988, durante a 2ª Cúpula da Coordenação Guerrilheira Simón Bolívar. Ele era um adolescente, guerrilheiro jovem, porém que cresceu com a defesa de Marulanda e o Secretariado quando a traição do ex-presidente Cesar Gaviria era um fato em 9 de dezembro de 1990, quando o mandatário liberal ordenou a “Operação Colômbia” com a meta de erradicar fisicamente o Secretariado das FARC com bombas de 250 libras e 7.000 unidades do Exército Nacional, desembarcados e transferidos à região. Porém, falhou como falhou cada vez que o Estado colombiano tentou derrotar a rebelião armada na Colômbia.

Emboscada para o Exército e milhões de pesos

Mais de uma vez emboscou o Exército. Uma das histórias é quando “El Mono”, o comandante Jorge Briceño, o comunicou dizendo que o Bloco Oriental estava sem recursos (dinheiro) e “que precisava fazer algo”.

Romaña estava em Sumapaz e se transferiu, encabeçando 40 guerrilheiros de uma unidade móvel à estrada entre Bogotá e Villavicencio, e emboscou um transporte do Exército com 20 militares. A comitiva militar do estado transportava os soldos para os profissionais do departamento de Meta, milhões de pesos. Assim, foram transformados em prisioneiros de guerra pela unidade guerrilheira, mas posteriormente liberados, sem um só peso.

Reportado como morto pelas mídias

A caça às bruxas e a obsessão das Forças Armadas colombianas era imensa contra este Comandante de Bloco. Em setembro de 2010, os meios de comunicação colombianos reportavam sua “ÚLTIMA NOTÍCIA”, transmitindo as informações do Exército de que Romaña estava morto em um bombardeio em Meta [https://youtu.be/pJVaMol65JA]. Porém, como tantas vezes, se “queimaram” por confiar mais na inteligência militar que em seu próprio instinto jornalístico. Parece que não aprenderam a lição dos informes sobre Manuel Marulanda que, segundo o Exército, tinha sido dado como morto 1.200 vezes. E morreu em 2008 de uma morte natural.

E nos encontramos novamente em fins do ano passado, em Havana, 27 anos depois de Casa Verde E como qualquer guerrilheiro simples, é humilde. Não se expressa com palavras rebuscadas da Academia Real Espanhola, mas com a linguagem que é a mesma quando fala com os camponeses em Sumapaz, departamento de Meta ou em Cundinamarca, regiões que são parte do Bloco Guerrilheiro Jorge Briceño, antigamente o Bloco Oriental, o maior e mais forte bloco das FARC.

Temos um inimigo muito traiçoeiro”

Três dias antes de o entrevistarmos, voltou de uma visita à Colômbia. Apresentava um olhar de preocupação porque a delegação integrada por representantes dos militares, do governo de Santos, pessoas de organismos internacionais especialistas em retirada de minas, nos conta que a delegação e os camponeses da região foram hostilizados e ameaçados pelas Forças Armadas na zona.

– Temos um inimigo muito traiçoeiro, que nos enganou muitas vezes. O que eles querem é que nos concentremos em currais vigiados por guardas.

Por que a guerrilha aceita desminar o campo quando nem sequer existe um cessar-fogo bilateral?

– É a pergunta dos guerrilheiros, de amigos e de organizações. Porque é a tática da guerrilha. Não temos aviões ou bombas de 500 libras. Nos defendemos com as minas. E é preciso explicar isso para buscar a diminuição do conflito e temos que começar por algo. E sentamos, militares e guerrilheiros, para debater.

– Para nós, as armas, neste momento, são as minas. Também porque estamos defensivos, não estamos atacando a força pública, não estamos atacando delegacias de polícia ou bases militares. Se existisse vontade de Paz do governo colombiano, já teríamos decretado um cessar-fogo bilateral. Como cessamos o fogo? Como paramos a guerra? Começamos por isso (desminando). Não é que uma desminagem em toda Colômbia, mas em dois departamentos (de 32): Antioquía e Meta.

Na Colômbia existem minas por todas as partes”

Disse que duraram três meses para escolher os departamentos e duraram três meses para escolher os dois municípios que foram: Briceños, em Antioquía, e Meseta, em Meta. Porém, a tarefa não terminava aí. Foram outros dois meses para escolher dois caminhos.

– Em Briceños, concordamos que fosse Oregón. Em Meseta concordamos que fosse Santa Elena. Na Colômbia existem minas por todas as partes, porque é uma guerra de décadas. Isto pode se estender se o governo tem vontade de paz e disser ‘vamos fazer um cessar às hostilidades bilateral e para sempre’.

Helicópteros sobrevoando a comissão

Acrescenta que as FARC estão “garantindo um cessar-fogo unilateral para mostrar à Colômbia e ao mundo que sim, queremos a paz. E o que estamos descontaminando são dois caminhos na Colômbia, nem municípios nem departamentos”.

– No terreno (leia-se no campo, terra adentro) não existe uma vontade de paz (do Exército). Porque existiam helicópteros sobrevoando onde nós estávamos (em Santa Elena). Montaram (o Exército) um posto de controle, onde tiraram fotos da população civil e registraram seus nomes. As pessoas estão ansiosas.

– Esse dia, quando estávamos reunidos, capturaram dez camponeses da região. E hoje, 20 de dezembro de 2015, o acusam de rebelião, narcotráfico e terrorismo. Isso não ajuda de nenhuma maneira a diminuição do conflito social e armado na Colômbia. Porém, tampouco, ajuda a começar esse Plano Piloto (de desminagem) nesse caminho. É preocupante.

Hostilidades e ameaças de morte

Cada guerrilheiro e comandante em Havana ou na Colômbia destaca que “isto não é uma coisa isolada, é em todo território nacional que existe a captura e a estigmatização de camponeses em toda a Colômbia, condenando-os por rebelião e terrorismo”.

– Enquanto estivemos reunidos dez dias em Santa Elena ocorriam hostilidades pelas patrulhas da Brigada Móvel 10, 1 e 2 do Exército que opera em La Uribe. Foram realizados operativos e ameaças pelos caminhos (descendo) onde estávamos. Iam nos matar.

População pedindo explicações sobre o processo de paz

Ao contrario do que dizem os meios corporativos de Bogotá, a população civil de Santa Elena os recebeu muito bem, defende Romaña.

– Muita gente chegou a nos procurar e que explicássemos o que estamos acordando em Havana, principalmente no que se refere à Reforma Agrária Intergral, Participação Política, cultivos ilícitos ou à questão das vítimas.

Porém, existe ansiedade no campo colombiano. Sobram os “falsos positivos”.

–Existem 36 famílias e dez delas tiveram que cumprir prisão. Bombardeiam as fazendas. Existe muito nervosismo e vai ocorrer o mesmo como quando se desocupou (o município) Caguán (1999-2012), onde a população foi catalogada como “auxiliadora da guerrilheirada”. O único “delito” é que é uma zona onde a guerrilha e a população convivem historicamente. Porém, não tem relação com o fato de serem guerrilheiros ou “terroristas” como o governo trata.

Paz não a qualquer preço

Durante a entrevista que durou mais de uma hora, o comandante guerrilheiro destacou repetidamente que o caminho da Colômbia é o da paz. Porém, não a qualquer preço. Assegura que não vão aceitar ser concentrados em currais como gado, entregando suas armas, sem contato e sem poder fazer trabalho político com o povo.

– O movimento guerrilheiro não vai concentrar-se se não existem garantias. Não vai deixar as armas se não existem garantias. A ultradireita da Colômbia quer que nos concentremos em currais vigiados por guardas, para fazer o que vem fazendo historicamente no país. Por isso, não pode acontecer. Porque não está dentro da concepção política e militar do movimento guerrilheiro e, tampouco, da tática de uma força que está falando de igual para igual com o Estado.

Luta política desarmada

Defende o que se decidiu na Mesa do Diálogo sobre uma cessar social de armas que envolva toda a sociedade colombiana, desde os guerrilheiros até os fazendeiros-paramilitares para que exista um monopólio das armas sob o controle do Estado.

¿Como será a luta política desarmada do Bloco Guerrilheiro Jorge Briceño, que aglutina até oito departamentos, que é mais ou menos a metade do país, caso se assine um acordo de paz?

– É disso que o Estado tem medo: de fazer política. As FARC, desde 24 de maio de 1964, são uma organização político-militar. Primeiro está o político e, depois, o militar. Como não existe esse espaço político, de exercer as ideias e o pensamento de um grupo de campesinos, buscamos o outro espaço, o militar, que acreditamos nos abre neste momento. Portanto, não nos fechem esse espaço e nos empurrem novamente à guerra. Não o queremos.

– O poder oligárquico na Colômbia tem medo que nós revolucionários difundamos e batalhamos nossas ideias. O que queremos fazer é política com relação a todos os setores sociais das áreas que operamos. Porque é aí onde vamos ficar. Por isso, explicamos muito bem o “Terrepaz”, ou seja, território de paz. Não vamos deixar o fuzil e ficarmos inutilizados, ou varrer calçadas, o parque ou as ruas como pensa a oligarquia ou os grupos econômicos, como fizeram com o M19, EPL ou com os paramilitares. Não, somos um Estado dentro de outro Estado e assim mesmo pensamos.

Ante o ultimato dos generais: É melhor continuar na guerra”

Como membro de uma subcomissão de “Segurança”, debate com os militares colombianos e, logicamente, nem sempre coincidem as conclusões.

– Os generais dizem “vocês que se concentrem aí em um curral e nós fazemos a guarda. Não entra nenhum civil. Porque aí, vocês chegam de helicópteros com as remessas, com medicamentos e coisas que necessitam, porém vocês não precisam ter relações com a população civil”.

– “Me dá muita pena, general, mas é melhor continuar na guerra. Na guerra, eu me relaciono todos os dias com a população civil, onde dou ideias, instruções, iniciativas de desenvolvimento, como podem viver em convivência, em paz, em harmonia ou fraternidade. Aí, se nota que têm medo que falemos com os civis. Porque nos estigmatizaram e fazem nos ver como assassinos e terroristas da Colômbia. Porém, quando o povo fala conosco e diz que ‘Vocês são outro tipo de pessoas, que pensam e que querem o desenvolvimento do país’.

Terminamos a extensa entrevista e Romaña explica que é muito difícil resumir três anos de negociações e trabalho em uma entrevista de uma hora.

– Não podemos deixar detalhes soltos ou ambiguidades, ou deixar o caminho minado para que estoure uma nova guerra. Por isso, temos que ser muito talentosos e saber que passos ir dando para garantir uma paz estável e duradoura na Colômbia.

Vídeo-entrevista Romaña: https://youtu.be/xTFnMWZERE0

[1] Bogotá Sitiada.

Revista Semana. http://www.semana.com/nacion/articulo/bogota-sitiada/30364-3

1. Ver a entrevista com as guerrilheiras sobreviventes relata do bombardeio do acampamento de Raúl Reyes

Por Dick-Miriam Emanuelsson

https://youtu.be/Bjievps84FM

2. Ver a entrevista com Lucero Palmera, em abril 2005. Lucero era coordenadora da emisora Voz de la Resistencia do Bloco Sul das FARC-EP. Em setembro de 2010 foi morta em um bombardeio do Exército Colombiano

https://youtu.be/sCfhGrP8R9M

Fonte: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=207751

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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