Que este seja o último dia da guerra

imagemSecretariado Nacional das FARC-EP

Sexta-feira, 24 de junho de 2016

Alguém afirmou uma vez que os únicos sonhos que se consegue alcançar são aqueles que pelos quais se luta. Hoje mais que nunca sentimos que essa sentença contém uma verdade indiscutível. No ano de 1964, em meio ao fragor da luta armada desigual, a assembleia dos guerrilheiros de Marquetalia produziu seu programa agrário, em cuja parte introdutória deixou sentada a seguinte declaração que agora recordamos:

Nós somos revolucionários que lutamos por uma mudança de regime. Porém, queríamos e lutávamos por essa mudança usando a via menos dolorosa para nosso povo: a via pacífica, a via democrática de massas. Essa via nos foi fechada violentamente com o pretexto fascista oficial de combater supostas “Repúblicas Independentes”, e como somos revolucionários que de uma ou outra maneira jogaremos o papel histórico que nos corresponde, nos tocou buscar outra via: a via revolucionária armada para a luta pelo poder”.

Hoje, 52 anos depois, nós guerrilheiros das FARC-EP estamos selando com o governo Juan Manuel Santos um cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo, um acordo sobre garantias de segurança e combate ao paramilitarismo e outro sobre o abandono das armas, que nos deixam às portas de concretizar em um prazo relativamente breve o Acordo Final, que nos permitirá, por fim, retornar ao exercício político legal mediante as vias pacífica e democrática.

Propô-lo antes da Operação Marquetalia resultou absurdo para os poderes e partidos dominantes da época, que decidiram apelar à força e ao extermínio, animados pela convicção de que mediante as bombas e os fuzis podiam calar os clamores populares. Eram, também, os tempos de apogeu da Guerra Fria e da filosofia do inimigo interno, que convertiam a força pública em exército de ocupação de seu próprio país e contra seu próprio povo.

Os mortos, o sangue, a devastação e o horror que teriam sido evitados à Colômbia, se no lugar de atender as vozes fanáticas que chamavam irresponsavelmente a guerra, com apelação aos mais absurdos argumentos, tivessem escutado àqueles que chamavam ao diálogo, à solução que propunha acordos de presença econômica e social do Estado, ao tempo que democratizar o cenário político em um ambiente de tolerância e respeito pela diferença.

Os quarenta e oito campesinos marquetalianos se converteram com as décadas em milhares de mulheres e homens alçados em armas que chegaram a colocar em sérios apertos o Estado colombiano, mas que simultaneamente nunca deixaram de falar de um acordo de paz pela via das conversações civilizadas. Foram várias e dolorosamente frustradas as tentativas de consegui-lo. Porém, continuaram tentando sempre e hoje vemos os frutos de sua persistência.

Porque sobre algo dão fé os Presidentes dos países acompanhantes e garantidores hoje aqui presentes, assim como o conjunto das altas personalidades internacionais imersas no processo de paz em curso e que nos acompanham aqui, é que o que está a ponto de selar-se não é uma capitulação da insurgência, como queriam alguns obtusos, mas o produto de um diálogo sério entre duas forças que se enfrentaram por mais de meio século, sem que nenhuma pudesse derrotar a outra.

Nem as FARC nem o Estado são forças vencidas e, portanto, o pactuado não pode ser interpretado por ninguém como o produto de alguma imposição de uma parte à outra. Discutimos longamente, chegando inclusive a becos que pareciam sem saída, que somente puderam ser superados graças à desinteressada e eficaz intervenção dos países garantidores, Cuba e Noruega, e às oportunas e sábias fórmulas sugeridas pela criatividade dos porta-vozes de ambas as partes ou seus diligentes assessores.

Mais além de um pobre favor, causam um dano imenso à Colômbia, à vida e à esperança de seu povo, aqueles que insistem em negar a transcendental importância do acordado, que somente por seu conteúdo identifica as partes sentadas à Mesa, sem tê-las fundido ou entregue uma à outra. Estamos certos de que a nação colombiana, que sofreu a guerra e suas consequências, dará as costas àqueles que continuam convidando-a ao holocausto, sabe-se lá com qual obscuro propósito.

Estamos muito próximos da assinatura do Acordo Final que colocará fim ao conflito e iniciará a construção de uma paz estável e duradoura. Desde o princípio, defendemos que a assinatura deste acordo é a melhor oportunidade que terá nosso país para rumar à justiça social e ao progresso, sobre a base de que serão abertas as compotas da democracia verdadeira, para que os movimentos sociais e políticos de oposição gozem de plenas garantias.

E para que a voz das comunidades nos escalões local, regional e nacional adquira toda sua importância e possa desempenhar um papel determinante nas decisões públicas relacionadas com seu futuro. Estamos certos de que essa será uma realidade que abrirá caminho, pondo fim à tradição de impor a partir de cima, fazendo abstração dos interesses populares, as políticas que governantes eleitos com votos duvidosos consideram mais conveniente para eles.

Existem acordos selados sobre essa matéria e estão próximos de serem definidos alguns pontos pendentes. Como também em relação à Reforma Rural e Integral e cultivos de uso ilícito. Sobre este último, recentemente se colocou em prática um projeto-piloto de substituição em Briceño, Antioquia, que necessariamente terá que replicar em outras áreas que padecem o problema. Não será tudo cor de rosa e, certamente, será preciso lutar para que se cumpra integralmente o firmado.

Porque como dizia no título de uma de suas novelas o escritor colombiano Álvaro Salom Becerra, ao povo nunca lhe toca. O Acordo Final será a chave para dar a volta a essa fechadura, porém dependerá da organização e mobilização constante das pessoas o seu cumprimento.

O acordo sobre garantias de segurança e combate ao paramilitarismo tem que ser uma realidade com relação aos fatos, sob pena de conduzir o resultado final do processo ao fracasso histórico. Dói profundamente e já resulta intolerável que a esta altura tais estruturas continuem assassinando com plena liberdade, como ocorreu entre os dias 11 e 13 deste mês em Barrancabermeja com quatro jovens, que o ESMAD siga triturando colombianos que saem para protestar por justiça e que o aparato judicial continue ordenando privações abusivas da liberdade como a do companheiro Carlos Arturo Velandia.

Também se chegou ao acordo sobre o Abandono de Armas, que coloca em evidência a soma de invenções com as quais se pretende enganar o povo de nosso país, quando se afirma que após os acordos, as FARC pretendem continuar armadas e fazendo política. O país poderá conhecê-lo a partir de hoje. Claro que as FARC farão política, se essa é nossa razão de ser, porém por meios legais e pacíficos, com os mesmos direitos e garantias dos demais partidos.

O Estado colombiano terá que tornar efetivo que nenhum colombiano o perseguirá por razão de suas ideias ou práticas políticas, que o perverso costume de incluir nas ordens de batalha das forças armadas os nomes dos dirigentes de movimentos sociais e políticos de oposição, terá que desaparecer definitivamente do solo pátrio. Que uma vez assinado o acordo final, desaparecerão o dispositivo militar de guerra e sua antiquada doutrina de segurança.

As forças armadas colombianas, agigantadas no transcurso da guerra, especialmente em contrainsurgência e ações especiais, são convocadas de hoje em diante a desempenhar um importante papel no interesse da paz, da reconciliação e do desenvolvimento do país. Foram nossas adversárias, porém a partir de agora temos que ser forças aliadas pelo bem da Colômbia. Sua infraestrutura e recursos podem ser colocados a serviço das comunidades e suas necessidades, sem desmerecimento de suas capacidades para cumprir a função constitucional de guarnecer as fronteiras.

Por outro lado, o protagonismo das comunidades deve representar também a oportunidade para começar a solucionar o grave conflito que se vive nas cidades. Desocupação, insegurança, falta de serviços públicos, escravidões como o pagamento diário e a exploração sexual, microtráfico, crimes e grupos associados à máfia e o paramilitarismo, requerem atenção imediata. A paz rural deve significar uma transformação participativa das urbes.

Necessitamos que em nosso país se produza efetivamente uma definitiva reconciliação. Já basta de violência e dos delírios por ela. Ela requer um paciente e intenso trabalho de difusão, educação e conscientização do pactuado em Havana, para que ao povo da Colômbia fique claro seu valioso e positivo conteúdo. E para que saiba o que pode e deve reclamar do Estado. Para que se una e organize para consegui-lo. Só assim faremos uma Nova Colômbia.

As FARC-EP completaram no dia 27 de maio passado 52 anos de resistência guerrilheira e hoje vemos o sonho da paz muito mais próximo que nunca. Pensamos trabalhar pela unidade do movimento democrático e popular em nosso país, sem sectarismos nem posições hegemônicas, na procura da confluência de toda a inconformidade com o modelo atual das coisas, com o objetivo de gerar profundas mudanças na vida colombiana, pensando sempre no interesse das maiorias.

A guerra custou centenas de milhares de milhões de dólares a nosso país. De fato, a exagerada quantia do orçamento militar teve como justificação permanente a existência do conflito armado. Um país em paz já não precisará de tais argumentos e poderá destinar uma boa parte desses recursos a atividades mais saudáveis e produtivas. Não é certo que não exista dinheiro para a paz, nem que tudo tenha que ser ajuda internacional. Chega de mudar prioridades.

Sabemos que nada será conseguido de forma fácil ou rapidamente. Entendemos que os principais beneficiários de nosso esforço serão as gerações futuras. Por isso, estendemos nossa mão à juventude. Ela é chamada a construir o novo país e, portando, conclamada à defesa da paz e da reconciliação, à promoção de um novo tipo de atividade política, à consolidação da civilidade e da mais ampla democracia.

As FARC sempre foram otimistas. Ainda nos momentos mais difíceis, sempre acreditamos que a paz era possível. E decidimos tentar quantas vezes fosse necessário. E tivemos razão. O acordo de cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo é lido por todo o mundo como o fim da confrontação armada na Colômbia. Assim seja. Confiamos em celebrar em um prazo prudencial outro ato solene, a assinatura do Acordo Final. Que este seja o último dia da guerra.

Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP

Havana, 23 de junho de 2016.

Fonte: http://www.pazfarc-ep.org/comunicadosestadomayorfarc/item/3473-que-este-sea-el-ultimo-dia-de-la-guerra.html

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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