O novelão da “Operação Sodoma”, que resultou na morte de Jorge Briceño

imagem24 de junho de 2016

Existe muita fantasia sobre o operativo que custou a vida de Jorge Briceño, conhecido como o “Mono Jojoy”, que morreu em bombardeio promovido pela Força Aérea a seu acampamento em La Macarena

Carlos A. Lozano Guillén

O assalto ao acampamento de Jorge Briceño Suárez, conhecido como o “Mono Jojoy”, membro do Secretariado das FARC-EP e comandante do Bloco Oriental, foi entre a noite de 22 e a madrugada de 23 de setembro de 2010. O chefe guerrilheiro foi abatido e, segundo se diz, sem certeza, também caíram mais 20 combatentes. A operação foi batizada pelos militares como “Sodoma”, o mesmo nome da célebre e libertina cidade bíblica.

A “Operação Sodoma”, definida pelo ministro de Defesa da época, Armando Rivera, como cirúrgica, foi elogiada pelas autoridades colombianas e pela “grande imprensa”. Não teve a longa e inteligente preparação que se assegura e transcorreu em Larandia, a base militar com forte presença militar estadunidense no departamento de Caquetá, ao sul da Colômbia. O presidente Álvaro Uribe Vélez e seu ministro de Defesa, Juan Manuel Santos, com persistente obsessão, perseguiram o comandante guerrilheiro e nunca conseguiram encontra-lo. Quanto mais próximo estiveram, rompeu o cerco com sua tropa apesar de suas limitações de saúde pela diabetes, que o sufocaram nos últimos anos.

Ainda não se conhece o balanço real da “Operação Sodoma”, mesmo que tenha sido troféu suficiente a exibição do cadáver do lendário e quase mítico chefe guerrilheiro. Em princípio, diziam que foram “dados de baixa” também o médico Mauricio Jaramillo, anos depois cabeça da delegação fariana que obteve o “Acordo Geral para colocar fim ao conflito e obter a paz estável e duradoura” na fase secreta dos diálogos de Havana, e Tanja, a holandesa internacionalista que, depois, também reapareceu em Havana.

Não houve combate

Na “Operação Sodoma” participaram 30 aviões de guerra e 27 helicópteros de artilharia. Não ocorreu nenhum combate, toneladas de bombas caíram do ar no acampamento, localizado na região de La Macarena, departamento de Meta. Na realidade, Briceño, desde o rompimento dos diálogos do Caguán, se moveu entre La Macarena, La Uribe e o Guayabero como peixe n’água, graças a sua agilidade, a seu olfato militar e ao apoio de centenas de camponeses que o apreciavam e respeitavam por sua retidão e personalidade amável. Para o intenso bombardeio, o Governo não teve necessidade de ter autorização especial como o faz agora, como forma de justificação, para não bombardear os locais de concentração dos grupos de paramilitares e criminosos.

Abateram o comandante guerrilheiro por um erro (n.t.: da guerrilha), porque foi interceptada uma comunicação em que se solicitava o envio de um par de sapatos especiais, devido a diabetes que o afetava. O pacote enviado foi interceptado pela inteligência do Exército e depois reenviado com um GPS decisivo para sua localização. Isso foi “Sodoma” sem as tantas voltas que agora contam os enganadores.

Suas convicções

Jorge Briceño (o “Mono Jojoy”) morreu com as botas postas. Em meio ao bombardeio, organizou a evacuação para evitar a morte da maioria dos combatentes. Até o último respiro, acreditou na possibilidade da vitória militar sem descartar o diálogo como alternativa de solução política do conflito. Aprendeu com seu professor, o comandante Manuel Marulanda Vélez, que a paz é uma bandeira dos revolucionários. Foi consequente com suas convicções.

Desde 1995, o encontrei em várias ocasiões. Sempre estava ao lado de Manuel Marulanda. Notava-se a influencia que exercia nele o lendário comandante das FARC-EP. Em 1995, os encontrei. O objetivo da visita era buscar aproximações da guerrilha com o governo de Ernesto Samper. O comandante Marulanda tinha feito pronunciamentos públicos nesse sentido e Alfonso Cano também. Estavam dadas as condições para um primeiro encontro em La Uribe (Meta), porém as FARC-EP exigiam a desocupação total do município, porque os militares planejavam um cerco em torno do mesmo. O general Harold Bedoya, ambientando o golpe contra Samper, se opôs à desocupação de La Uribe.

O “Mono Jojoy”, ao mesmo tempo em que reconhecia como inevitável o aumento da confrontação armada nestas circunstâncias, entendia que o diálogo podia acontecer, “algo que poderia sair dele”, disse. No entanto, a crise política se precipitou pelo “dinheiro quente” na campanha eleitoral e se recrudesceram os atos de guerra, o que não impediu que se desse a libertação unilateral de mais de uma centena de soldados que estavam em poder das FARC. Foi um ato humanitário e durante as gestões, voltamos a ver o comandante Briceño. Falava da guerra, assim como da necessidade de libertar os soldados que eram tratados com respeito e de deixar aberta a porta do diálogo, o que se devia continuar buscando.

Querido por sua tropa

Era querido por sua tropa, o apreciavam e celebravam cada apontamento seu. Era um contador de histórias. As mulheres cumpriam as mesmas tarefas que os homens, porém dizia para não perderam sua feminilidade e as estimulava a usarem brincos, colares e outros ornamentos, como dizia com graça. Apesar disso, era rigoroso com a disciplina e no cumprimento de deveres.

Durante os diálogos do Caguán, queria que deles saísse um acordo de paz. Porém, se mostrou cético depois do Plano Colômbia. “Pastrana acredita que somos idiotas. Disse que é um plano contra os narcotraficantes, mas é contra nós. Quer nos aniquilar ou, pelo menos, nos pressionar para nos entregarmos na mesa”. Não cabe a menor dúvida de que o Plano Colômbia enterrou as possibilidades que os diálogos do Caguán fossem exitosos. Desde então, desconfiou e primou o militar sobre o político. Foram palavras do chefe guerrilheiro: “Eles se preparam para a guerra… Nós também”.

Salvou a libertação de três centenas de soldados e policiais quando estava quase rompida a negociação porque Camilo Gómez e Joaquín Gómez não se entravam em consenso sobre as palavras exatas do conteúdo do documento. “Por conta de uns termos pendentes não se pode encerrar a possibilidade”, anotou. Com ele foi falado, sem muita dificuldade, de que fossem libertos todos e não uns poucos, como se pretendia no começo. Saíram todos, menos os oficiais e suboficiais. Foi um ato humanitário de reconhecimento nacional e internacional. Deu oxigênio à mesa do Caguán, que não avançava nos temas de fundo.

Então, já o ameaçava a diabetes. Sua alimentação era controlada. Porém, enganava as cozinheiras e comia de tudo. “Não posso fazer dietas nem essas coisas, porque se volta a guerra, me dano”, dizia. Era parte de sua personalidade, porque o tempo todo abrigava a esperança pela paz e em seus acampamentos orientava a criação de peixes e cultivo de alimentos. Era infatigável. Trabalhava com intensidade. Dormia pouco, diziam os guerrilheiros mais próximos.

A sorte estava lançada

A última vez que o vi foi no Caguán, em dezembro de 2001, quando agonizava o processo de diálogo com o governo de Pastrana. A mesa tinha dois meses de paralisação. Cheguei buscando o comandante Manuel Marulanda com uma mensagem de James Lemoyne, delegado da ONU, para que recebesse uma delegação dos Países Amigos e outra do monsenhor Castro, para que se reunisse com representantes da Igreja Católica. Jorge Briceño estava em La Macarena, onde o visitavam campesinos com todo tipo de solicitude e favores.

Quando comentei o objetivo da visita, me disse: “Você terá que convencê-lo a falar com essa gente. Ele não quer, está irado”. E me enviou a Iván Ríos para que me levasse até Losada em um acampamento onde se encontrava Marulanda. Me dei conta que já estavam em retirada. Cumpriu-se a advertência “Jojoy”: Marulanda aceitou que se fizessem as duas reuniões. Porém, a sorte estava lançada. Pastrana, muito só e fraco, não tinha jogo para manter os diálogos, esperava o pretexto que chegou em fevereiro de 2002.

Voltaram as nuvens negras da guerra. O “Mono Jojoy” nunca foi embora da área apesar da “segurança democrática”, como tampouco o fez Manuel Marulanda; resistiram nos embates do confronto. Em Havana, sem a presença física de Marulanda e Briceño, as FARC estão dialogando sem terem sido derrotadas.

O “Mono Jojoy” topou com a morte porque milhares de toneladas de bombas lhe caíram em cima. Viveu a guerra e acariciou a paz.

Fonte: http://www.semanariovoz.com/2016/06/24/el-novelon-de-la-operacion-sodoma/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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