A propósito da alegria de Santos com a OTAN
Por Timoleón Jiménez
Resumen latinoamericano/ 28 de dezembro de 2016
É claro que a oligarquia aspira converter o fim do confronto armado no cenário ideal para a entronização absoluta do neoliberalismo
Zbignenw Brzezinski, ex-conselheiro de segurança nacional do Presidente Jimmy Carter, qualificado como um dos mais duros falcões de Washington em seu interesse de impor e defender a hegemonia global dos Estados Unidos sobre qualquer outra consideração, professor de política exterior estadunidense na Escola Superior de Estudos Superiores Avançados, é um erudito no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais da Universidade John Hopkins, além de participar como membro de várias juntas e conselhos relacionados à estratégia de dominação mundial. Portanto, não deve se tratar de um charlatão cujas abordagens podem ser minimizadas, por mais que nos desgostem.
A seguir, alguns breves extratos de sua obra O Tabuleiro Mundial, publicada em fins do século XX:
À medida que a imitação dos modos de atuar estadunidenses vão se estendendo no mundo, criam condições mais apropriadas para o exercício da hegemonia indireta e aparentemente consensual dos Estados Unidos. Igualmente ocorre no sistema doméstico estadunidense. Essa hegemonia envolve uma complexa estrutura de instituições e procedimentos interrelacionados que foram elaborados para gerar um consenso e para obscurecer as assimetrias em termos de poder e influência. Portanto, a supremacia global estadunidense está escorada por um elaborado sistema de alianças e de coalizões que atravessam – literalmente – o globo.
A Aliança Atlântica, encarnada institucionalmente na OTAN, vincula a América aos Estados mais influentes da Europa, fazendo dos Estados Unidos um participante chave inclusive nos assuntos intraeuropeus. Os vínculos políticos e militares com o Japão ligam a mais poderosa economia asiática aos Estados Unidos, sendo o Japão (ao menos por agora) basicamente um protetorado estadunidense. Os Estados Unidos participam, também, das nascentes organizações multilaterais transpacíficas, como o Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), o que faz deles um participante chave nos assuntos da região. O continente americano geralmente é protegido das influências exteriores, o que permite que os Estados Unidos desempenhem o papel central nas organizações multilaterais existentes. Os acordos especiais sobre segurança no Golfo Pérsico, especialmente depois da breve missão punitiva contra o Iraque, converteram essa região – vital do ponto de vista econômico – em uma área restrita militar estadunidense. Inclusive o espaço ex-soviético está penetrado por diversos acordos patrocinados pelos Estados Unidos para uma cooperação mais estreita com a OTAN, tais como a Associação pela Paz.
Além disso, também deve incluir-se como parte do sistema estadunidense a rede global de organizações especializadas, particularmente as instituições financeiras “internacionais”. O Fundo Monetário (FMI) e o Banco Mundial se consideram representantes dos interesses “globais” e de circunscrição global. Na realidade, porém, são instituições fortemente dominadas pelos Estados Unidos e suas origens remontam a iniciativas estadunidenses, particularmente a Conferência de Bretton Woods, de 1944.
Diferentemente do que ocorria com os impérios anteriores, este vasto e complexo sistema global não é uma pirâmide hierárquica. Os Estados Unidos estão situados bem mais no centro de um universo interconectado, um universo no qual o poder se exerce através da negociação constante, do diálogo, da difusão e da busca do consenso formal, apesar de que o poder, no fundo, se origina em uma única fonte: em Washington D.C. E é ali onde deve jogar-se o jogo do poder, e jogar-se segundo as regras estadunidenses.
Em que pese a aparência complexa da terminologia acadêmica, é evidente que o senhor Brzezinski expõe sem o menor pudor uma situação objetiva, que em seu parecer obedece de maneira exclusiva as virtudes naturais dos Estados Unidos, destinados por sua supremacia econômica, militar, tecnológica e cultural a serem os guardiães do mundo moderno, impondo sua vontade de um ou outro modo a qualquer outro poder que tente operar de maneira distinta ou autônoma.
O anterior vem de encontro à raiz das declarações do Presidente colombiano Juan Manuel Santos, com as quais celebrou o anúncio do início das conversações com a OTAN, objetivando celebrar um tratado que permita o intercâmbio de informação, ao invés de aumentar a luta contra o crime transnacional, o terrorismo e o narcotráfico. Supostamente todos os colombianos deveriam se emocionar com a notícia, porém a verdade é que não vemos por quê.
O que salta à vista com a declaração presidencial é que nosso país dá outro passo para trás em matéria de soberania e independência. Já nos tempos em que ocupava o Ministério de Defesa, de ingrata recordação, foi o Presidente Uribe que viveu emocionado com o acordo que permitia a operação de sete bases norte-americanas em nosso território. Se a Corte Constitucional considerou oportuno derrubar semelhante absurdo, agora se trata de abrir de novo outro espaço à intervenção direta do poder global e à submissão a ele das forças armadas nacionais.
A OTAN não foi nada diferente do aparato de dominação europeia dos Estados Unidos, algo semelhante ao que pretendeu essa nação com a criação da OEA no continente americano. Embora esta última não tenha contado com a estrutura militar daquela, certamente como consequência de seu caráter abertamente intervencionista e pró-norte-americano, sim, contou com outras formas de acordo, como o TIAR, e de cooperação militar, que asseguraram a sujeição de nossos países à vontade de Washington, indignamente aplaudida pelas oligarquias nacionais que, como no caso da Colômbia aplaudiram estupidamente o envio de milhares dos nossos soldados para morrer na Coreia, em uma guerra que nenhuma relação tinha conosco, porém de onde trouxeram práticas de contrainsurgência e terror que tanto sangue fizeram derramar em nossa história recente.
O século XXI trouxe algumas realidades que os Estados Unidos, apesar de toda sua arrogância e brutalidade, não conseguiram evitar. A extinta União Soviética, que os estrategistas norte-americanos rapidamente se encarregaram de desprezar a fim de evitar a reedição de alguma aliança russa com seus antigos aliados, lentamente se vê substituída pela Rússia, que na era de Putin se negou a ser mais um peão dos interesses das transnacionais estadunidenses, conseguindo uma sobrevivência econômica em ascensão e uma reedição de seu poderio militar. Isso ao mesmo tempo em que a China começa a disputar com a América do Norte o primeiro lugar da economia mundial, enquanto nos campos da ciência e da tecnologia avança a passos largos. É possível ter a certeza, e isso o corrobora o senhor Brzezinski no livro comentado, que nenhum dos conflitos de importância no mundo atual é alheio à luta dos Estados Unidos por impedir uma mudança em sua hegemonia.
Na América Latina e no Caribe também ocorreram surpresas. Chávez, Lula, Kirchner, Evo, Correa, Ortega, os Castro, independente de seus avanços e retrocessos, se encarregaram de provar que os tempos da abjeção dos governos de seus países à Casa Branca eram coisa do passado. A OEA perdeu sua influência continental, a par que surgiram mecanismos distantes de Washington, como a UNASUL, a CELAC, a ALBA. O contragolpe do poder estadunidense estava em andamento. E tomou corpo nos golpes, desestabilizações ou viradas à direita levados a cabo em Honduras, Paraguai, Brasil, Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia. Nada está definido, a luta segue, a situação é complexa, porém também é certo que torna-se apressado cantar vitória.
Na Colômbia, a luta adotou a firmeza da solução política, obtida após uma longa luta de seis anos de discussões em Havana. Porém, é claro que a oligarquia aspira converter o fim do conflito armado no cenário ideal para a entronização absoluta do neoliberalismo, a entrega do Estado e de nossas riquezas naturais ao grande capital financeiro transnacional e nacional, incluída aqui a mão de obra colombiana. Para isso, solicitará o emprego de um aparato militar e policial de enorme significância, o que julga relegitimado com os Acordos de Havana. Por sua parte, as FARC aspiram converterem-se no grande detonador da luta e da mobilização popular contra os desígnios do grande capital e do poder hegemônico.
Então, adquire todo seu sentido o esforço da classe dominante colombiana por vincular de maneira direta a intervenção de poderes estrangeiros na Colômbia. A desculpa da luta contra o terrorismo, o crime internacional e o narcotráfico toma simplesmente o lugar que antes ocupou a segurança nacional contra a expansão comunista. A OTAN mostrou o que é realmente em suas intervenções no Afeganistão, Iugoslávia, Líbia, Iraque e agora na Síria. São suas tropas que levantam muros e alambrados para impedir que os povos superexplorados da África busquem um destino melhor na Europa. São elas que querem conduzir as tropas colombianas para combaterem em distantes lugares do mundo, para assegurar os lucros dos grandes consórcios internacionais que decidem sobre as ocupações militares de outras nações com qualquer pretexto.
E são elas que, na linguagem da cooperação, terão cada vez mais poder de ingerência nos assuntos nacionais e nossos americanos. O afã para assegurar a presença de bases norte-americanas no país, ou de permitir em nosso território a atuação da OTAN a qualquer custo, para assim garantir um modelo econômico criminoso que se mostra indolente ante o genocídio wayuu enquanto insiste em desviar rios para a proveitosa extração do carvão, também aponta desempenhar seu papel no tabuleiro continental. A oligarquia colombiana deu suficientes mostras de animosidade ante a experiência da revolução bolivariana na Venezuela, da revolução cidadã no Equador e da resistência indígena boliviana, se negando a fazer parte de um projeto transnacional que a derrubaria. Em definitivo, existem forças que lutam para colocar fim ao mundo desigual e injusto em que habitamos, porém o fazem contra poderes muito ricos que se alimentam do empobrecimento e da miséria de milhares de milhões de seres humanos. A luta será longa e difícil, porém não temos a menor duvida de que um dia venceremos.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)