PCB de Sergipe: A água não é mercadoria!

imagemÉ preciso defender a DESO da privatização

Lucas Gama – Doutor em Geografia e membro do PCB

As notícias recentemente veiculadas apontam para a privatização da água e do saneamento básico do país. Apesar de existirem 35 milhões de pessoas sem acesso à rede de água e 118 milhões sem coleta e tratamento de esgoto, o presidente ilegítimo Michel Temer (PMDB) deu carta branca para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) coordene, em âmbito nacional, um programa de privatização geral ou parcial (PPP), em consonância com as empresas públicas vinculadas aos estados. Nesse sentido, já é motivo de preocupação para os sergipanos a iminente possibilidade do governo Jackson Barreto (PMDB) conceder a DESO à iniciativa privada, uma vez que Sergipe é um dos seis estados que aderiram ao programa.

A DESO é uma empresa pública, de quase meio século de existência, responsável pelo abastecimento de 72 municípios sergipanos (mais de 90% da totalidade). A relevância social da DESO reside em dois predicativos: presença em todas as regiões sergipanas, inclusive, nos maiores aglomerados populacionais e infraestrutura instalada, requisitos que atraem o capital privado. Portanto, quais os perigos da privatização da DESO? O que está subjacente à privatização do saneamento básico (água e esgoto)?
A perene crise do capital impulsiona os arroubos capitalistas para a privatização e monopolização de serviços. Ocorre que essa incursão privatista tem se inclinado cada vez mais para o controle da distribuição da água e do saneamento básico, a despeito de serem direitos da humanidade, conforme consideração da ONU. Vários exemplos recentes ilustram a presente assertiva: no ano 2000, a cidade de Cochabamba na Bolívia foi palco de um confronto, nomeado como Guerra da Água, onde a população se insurgiu contra um acordo do presidente Hugo Banzer com a multinacional estadunidense Bechtel, que preconizava a privatização do sistema de distribuição de água. O contrato previa, pasmem, o absurdo de tornar ilegal a captação de água que cai do céu, prevendo, inclusive, a punição a quem ousasse colocar bacias no telhado de suas casas para a coleta de água da chuva[1]. Mais recentemente, à luz do que preconiza o Banco Mundial, alguns estados brasileiros, a exemplo de Goiás e Tocantins, passaram a adotar em caráter experimental, o sistema pré-pago de abastecimento de água, no qual o indivíduo só recebe a água em sua residência quando recarrega os créditos de seu cartão, tal como os créditos de um aparelho de celular pré-pago.

Todas essas iniciativas revelam o interesse das empresas privadas pelo controle do abastecimento de água. Condição elementar para a existência da vida e para a execução das atividades econômicas, a água é alvo de uma investida para torná-la um bem comercializável como qualquer outro. Em 2003, o presidente da Nestlé, uma das maiores produtoras de complexo industrial alimentar, afirmou que a água não é inviolável, estando sujeita às regras do mercado. Acrescente-se que a multinacional é uma das principais responsáveis pelo lobby da privatização dos sistemas de distribuição de água em vários países[2].

Caso a água se torne uma mercadoria convencional, seguramente, os níveis de assimetria social engrossarão, haja vista que a população mais pobre ficará privada de seu acesso. A respeito disso, em Sergipe, a DESO atende a mais de 600 povoados, onde muitos deles possuem irrisória aglomeração populacional e baixa renda per capita, a exemplo de Brejão dos Negros no Baixo São Francisco e os assentamentos de camponeses no Alto Sertão Sergipano, ou seja, localidades que não demandam o interesse da iniciativa privada, sendo cotados a amargarem desabastecimento ou cobrança de tarifas além da capacidade de pagamento de sua população.

Não é forçoso lembrar que a crise hídrica registrada no estado de São Paulo, há dois anos atrás, apenas atesta a incompatibilidade entre a gestão pública da água e o interesse privado do lucro: a Sabesp[3], empresa privatizada parcialmente pelo governo do PSDB, com títulos vendidos na Bolsa de Valores de São Paulo e Nova York, preocupou-se nos últimos anos em remunerar com assiduidade seus credores, em detrimento da dotação infraestrutura para uma reserva hídrica segura.

Assim, é preciso defender a DESO dessa incursão privatista do capital. Não se pode permitir que o abastecimento de água e a coleta de esgoto condicionem-se à capacidade de geração de lucros, pois os direitos da humanidade são inalienáveis.


[1] Essa esdrúxula cláusula contratual é um dos motes do filme “Até a chuva” (También la lluvia, no original) dirigido por Isían Bollaín e publicado em 2010.

[2] Os grandes monopólios do complexo agroindustrial alimentar estão de olho na água: além da Nestlé, Coca-Cola, Danone, Pepsico, etc.

[3] A Sabesp é uma empresa pública aberta, onde o governo de São Paulo detém apenas 50,3% das ações da empresa, sendo as demais negociadas com credores de seus títulos.