Privatizações aprofundam a dependência

imagemGabriel Magalhães Beltrão*

Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

As Privatizações e o Aprofundamento da Dependência

Nas últimas três décadas o Brasil vive um processo contínuo de reversão na sua estrutura econômico-produtiva e na sua relação com a economia mundial. Dos anos 90 em diante as classes dominantes brasileiras optaram por aderir ao projeto do imperialismo para a América Latina, executando o receituário neoliberal consagrado no Consenso de Washington e edulcorado pelo mito da globalização. A abertura comercial, financeira e produtiva, o consenso liberal em torno da criminalização da política fiscal do Estado, o abandono de políticas industriais e, por fim, mas não menos importante, as privatizações produziram um resultado nefasto: desindustrialização, reprimarização econômica e financeirização, cujo caldo é o aprofundamento da dependência do país em relação aos centros imperialistas.

O neoliberalismo produziu uma modificação no padrão de reprodução do capital no Brasil, fato este que traz implicações no seio das classes dominantes – modificações no bloco no poder – , na morfologia das classes trabalhadoras – ampliação do desemprego estrutural, da informalidade e da marginalidade – e na institucionalidade do Estado, que se refuncionalizou para atender à nova dinâmica de acumulação. As restrições burguesas à plena efetivação das políticas sociais progressistas inscritas na Constituição de 88 não decorrem apenas do caráter reacionário das nossas “elites”, mas têm sua raiz na infraestrutura econômica subdesenvolvida e dependente e que paulatinamente foi se depauperando nas últimas décadas. Se a industrialização e o aumento da produtividade do trabalho não são condições suficientes para a integração do povo à cidadania, contrariamente aos sonhos desenvolvimentistas mais pueris, também é verdade que elas se constituem enquanto condições necessárias para o bem estar social. No sentido inverso das necessidades históricas de um país de formação colonial, o neoliberalismo consubstanciou um Brasil no século XXI ainda mais subdesenvolvido, logo ainda mais distante das condições materiais necessárias para satisfazer as demandas populares, secularmente negadas pelo capitalismo.

As privatizações conformam um dos pilares do neoliberalismo e do aprofundamento da dependência. A venda de ativos públicos à iniciativa privada, em grande parte para capitais estrangeiros, traz consequências nefastas para o país: 1) desestrutura as cadeias produtivas internas constituídas ao longo de décadas no período de substituição de importações, inserindo a produção local nas cadeias globais de valor; 2) os novos proprietários-acionistas impõem à empresa a chamada “governança corporativa”, lógica de gestão típica do capitalismo financeirizado cuja meta prioritária é a maximização dos lucros no curtíssimo prazo, o que é obtido via downsizing – intensificação do trabalho, terceirização, subcontratação, numa palavra, superexploração da força de trabalho; 3) os lucros agora obtidos perdem qualquer conexão com um projeto de desenvolvimento, convertem-se em objeto de escrutínio privado dos investidores. Comumente, as empresas privatizadas têm como característica marcante vultosas distribuições de lucros e dividendos para seus acionistas, reduzindo os reinvestimentos produtivos até o limite, conforme ficou escancarado no caso da Vale nas tragédias de Mariana e Brumadinho; 4) a ampliação da propriedade acionária estrangeira é um fator que faz recrudescer a transferência de valor da economia brasileira para os centros imperialistas.

A desnacionalização – diretamente associada às privatizações – agudiza o problema estrutural da economia brasileira. Às perdas provenientes das trocas desiguais no mercado mundial capitalista se somam a sangria proveniente da propriedade do capital, que na forma de lucro e juro cruzam as fronteiras nacionais. O mantra neoliberal de atração de investimento externo (direto ou em carteira) oculta da população esse outro lado da moeda, afinal, o investimento de hoje é a descapitalização de amanhã. Os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), por sinal, não entram no país sob quaisquer circunstâncias, ao contrário, tais investidores fazem uma série de exigências como condicionalidade para efetivar o investimento, como condições tributárias especiais, modificações do arcabouço legal em prejuízo dos trabalhadores, dos consumidores e do meio ambiente, inovações institucionais como criação ou esvaziamento de órgãos do aparato de Estado e, pasmem, em certos casos por linhas de crédito subsidiado de longo prazo via bancos públicos, como o BNDES (recente venda da CEDAE/RJ contará com financiamento do banco da ordem de R$ 16 bi para investimentos).

O golpe de 2016 detonou um novo choque de aprofundamento do neoliberalismo no país, deflagrando um amplo processo de privatizações. De lá para cá, calcula-se R$ 135 bilhões (até fevereiro de 2020) em venda de ativos da União e de empresas públicas e sociedades de economia mistas como Petrobrás (BR Distribuidora, TAG, etc), Eletrobrás, Caixa, Banco do Brasil e BNDESPar. O modus operandi das privatizações no Brasil é o da pilhagem do patrimônio público, a lógica da expropriação, o que ficou explícito com a venda recente da Refinaria Landulpho Alves na Bahia: segundo o Ineep, a refinaria foi entregue pela metade do preço ao grupo de investimentos dos Emirados Árabes, Mubalada Capital. A insuspeita XP estimou em fevereiro a refinaria em U$$ 3,5 bi, contra U$$ 1,6 bi de venda. Consumada a pilhagem típica de um processo de acumulação primitiva, a refinaria estará na mão de investidores internacionais que sacrificarão os trabalhadores com “modernos” métodos de gestão, desindustrializarão os elos da cadeia produtiva que avaliarem mais rentável deslocar para outros países, imporão preços de monopólio aos consumidores e transferirão mais-valor extraído dos trabalhadores brasileiros para outras regiões, contribuindo ainda mais para deteriorar as contas externas do país. Neste ciclo vicioso, a iniciativa tomada pelas personificações do capital no aparato de Estado será dobrar a aposta, buscando atrair ainda mais capital estrangeiro na forma de IED ou de investimentos em carteira (ações, títulos de dívida), numa espiral ascendente que só radicaliza nossa dependência externa.

Na conjuntura atual, é mais do que necessária a conformação de uma frente política que reúna todos os segmentos da sociedade que estejam dispostos a travar esse processo de destruição do patrimônio público construído pelos trabalhadores e trabalhadoras. Mais do que colocar um basta às privatizações em marcha, é impreterível que se debata às claras um programa nacional de reestatização de empresas públicas que são alvo de pilhagem desde os anos 90. A retomada do controle estatal de empresas estratégicas é essencial para o país engatar um processo de reindustrialização, reabsorvendo total ou parcialmente elos da cadeia produtiva que foram internacionalizadas pelo imperialismo. O encadeamento dessas empresas estratégicas, como a Petrobrás, Eletrobrás, Vale, antiga Telebrás, é capaz de produzir um efeito multiplicador na economia de grande monta, contribuindo para reduzir o desemprego e a informalidade. Ademais tal retomada é essencial para uma maior retenção de valor internamente à economia nacional, criando condições mais propícias para se vislumbrar o fim de uma economia assentada na superexploração da força de trabalho.

Por óbvio, um projeto dessa envergadura não pode padecer de ilusões tipicamente desenvolvimentistas, como acreditar em aliança com frações burguesas supostamente progressistas ou achar que se trata de um mero projeto de política econômica a ser executado por economistas heterodoxos “de verdade”. Trata-se de um projeto político e estratégico que terá na classe trabalhadora a sua vanguarda, cuja condição para ser materializado reside no poder popular em contraposição aos desígnios do imperialismo, da burguesia interna e das instituições repressivas do Estado capitalista dependente. Trata-se da Revolução Brasileira.