O “desarmamento” nuclear na Europa

imagemManlio Dinucci

A ONU abriu em 15 de junho uma verdadeira negociação para proibir as armas nucleares. O Tratado de Não Proliferação foi até agora uma farsa. Tende a manter a vantagem militar que as potências nucleares atualmente têm sobre os demais países. O novo tratado será tanto mais viável quanto mais generalizada for a consciência de que se trata de uma questão de sobrevivência para a própria humanidade.

A cena de pânico que se produziu na Piazza San Carlo da cidade de Turim durante a final da taça de futebol europeia, com as suas dramáticas consequências, é emblemática da nossa situação. A psicose sobre os atentados terroristas, uma psicose que o aparelho político-mediático tem sabido alimentar sobre a base de um fenômeno real – cujos motivos e fins verdadeiros nos escondem – desencadeou ali o instinto primordial de sobrevivência sob a sua forma mais caótica.

Esse mesmo instinto de sobrevivência mantém-se todavia imerso em profundo letargo, anestesiado pela política e a imprensa, quando na realidade se deveria ativar de maneira racional ante algo que põe em perigo a sobrevivência de todo o género humano: a corrida armamentista nuclear.

A consequência é que a grande maioria dos povos não sabe que na ONU está a realizar-se – de 15 de junho a 7 de julho – a segunda fase das negociações a favor de um tratado para proibir as armas nucleares.

O esboço de Convenção Sobre as Armas Nucleares, redigido após a primeira fase das negociações em março, estipula que cada Estado subscritor se comprometeria a não produzir nem possuir armamento nuclear, nem a transferi-lo ou recebê-lo direta ou indiretamente. A abertura das negociações foi decidida mediante a adoção de uma resolução da Assembleia Geral da ONU votada por 113 Estados em dezembro de 2016 face a 35 votos contra e 13 abstenções. Os EUA as outras duas potências nucleares membros da OTAN – França e Reino Unido –, tal como os demais países membros da aliança atlântica e seus principais associados – Israel (única potência nuclear no Médio Oriente), Japão, Austrália e Ucrânia – votaram contra. Também votaram contra Rússia, India e Coreia do Norte, enquanto a China se absteve(1).

A Itália, tal como Espanha, está entre os países que votaram contra, seguindo os passos dos EUA. O governo do primeiro ministro italiano Gentiloni declarou em 2 de fevereiro, numa pirueta linguística, que «a convocatória de uma Conferência das Nações Unidas para negociar um instrumento juridicamente vinculante sobre a proibição das armas nucleares, constitui um forte elemento de divisão que pode comprometer os nossos esforços a favor do desarmamento nuclear».

A Itália, continua divagando o governo Gentiloni, está seguindo um «percurso gradual, realista e concreto capaz de conduzir a um processo de desarmamento nuclear irreversível, transparente e verificável», baseado na «plena aplicação do Tratado de Não Proliferação (TPN), pilar do desarmamento».

A maneira como a Itália aplica o TPN, ratificado em 1975, é evidente à luz dos fatos. Apesar de esse tratado comprometer os Estados militarmente não nucleares a «não receber de ninguém armamento nuclear nem o controle desse tipo de armamento, direta ou indiretamente», a Itália colocou o seu próprio solo à disposição dos EUA para a instalação de armas nucleares (pelo menos 50 bombas atômicas B-61 instaladas na base aérea de Aviano e outras 20 na de Ghedi-Torre), e pilotos italianos treinam-se na utilização desse armamento.

E a partir do ano 2020, os EUA instalarão em Itália a bomba atômica B61-12, uma nova arma destinada a assestar um primeiro golpe nuclear, dotada de capacidades penetrantes para a destruição dos bunqueres subterrâneos dos centros de comando. Quando começar em 2020 – embora nada exclua que não se verifique antes – essa instalação de bombas atómicas B61-12 estadunidenses, a Itália, que é formalmente um país não nuclear, ver-se-á convertida, ainda mais, em primeira linha de uma confrontação nuclear mais perigosa ainda entre, de um lado, a entidade EUA-OTAN e, do outro lado, a Rússia.

Em Espanha, embora oficialmente não haja armas nucleares na base estadunidense de Rota (Cádiz), sabe-se que aterram e descolam aviões com armamento nuclear, tal como atracam navios com essas armas. Em todo o caso não é permitida uma inspecção de nenhuma instituição oficial espanhola (no improvável caso de que a solicitasse) para comprovar se é certo que não se armazenam essas bombas. Assim, também essa zona, com mais de um milhão de habitantes, poderia ser objectivo de um ataque de represália por parte da Rússia.

E se o anteriormente dito fosse pouco, em Rota estão atracados 4 navios que fazem parte do inquietante escudo antimísseis da OTAN. De fato, segundo vários analistas, o que impediu a entrada direta dos EUA na guerra síria foi que a Rússia destruiu dois misseis, supostamente indetectáveis, lançados de um navio atracado em Rota.
Que fazer? Temos que impor que Itália (e Espanha, e outros países europeus) contribua para o lançamento do novo tratado que é proposto na ONU para a proibição das armas nucleares, que o assine e, ao mesmo tempo, temos que exigir também que os EUA, à luz do Tratado de Não Proliferação já atualmente em vigor, retire do nosso território nacional todo o armamento nuclear e que renuncie a instalar em Itália as suas novas bombas atômicas B61-12.

Para quase todo o «mundo político», trata-se de um argumento tabu. À falta de consciência política, apenas resta recorrer ao instinto primordial de sobrevivência.
Il Manifesto / Red Voltaire / La Haine

Texto completo em: http://www.lahaine.org/el-desarme-nuclear-en-europa

(1) A informação que Manlio Dinucci dá sobre as votações na ONU diverge da referida em artigo de Tony Robinson no artigo publicado por odiario.info em 5.04.2017: http://www.odiario.info/voto-historico-na-onu-aponta-para/ (NdT)

http://www.odiario.info/o-desarmamento-nuclear-na-europa/

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