França: Macron declara guerra aos trabalhadores

Governo francês abusa de artigo antidemocrático para aprovar reforma da previdência e declara guerra contra seu povo

João Pedro Demambro – militante da UJC – UFF Niterói

Na tarde da última quinta-feira (16/03), a primeira-ministra francesa Élisabeth Borne anunciou que seu governo recorrerá ao artigo 49.3 da Constituição francesa para aprovar sem a apreciação parlamentar o projeto de reforma da previdência, o qual aumenta a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos. De acordo com a carta magna do país, a única forma de impedir a adoção automática do texto consiste na votação de uma moção de censura nas 24h seguintes, a qual levaria ao fim do governo de Borne se aprovada.

O artigo ferozmente antidemocrático virou marca registrada de Macron, que já o utilizou 12 vezes em seis anos de mandato para passar principalmente projetos orçamentários. Além dele, durante o trâmite da reforma, o presidente valeu-se do artigo 47.1 para limitar a discussão sobre o projeto em 50 dias. Se após esse período a Assembleia e o Senado não chegassem em um acordo, a reforma seria aprovada na forma de uma portaria.

Segundo pesquisa do jornal parisiense Le Point, 93% dos trabalhadores franceses rejeitam a reforma e 48% deles defendem que a idade atual (62 anos) para aposentadoria já é extremamente alta. Essa alta desaprovação ficou explicitada nos estrondosos protestos iniciados em 19 de janeiro – 9 dias após o anúncio do projeto de lei pela primeira-ministra – quando mais de 2 milhões de pessoas saíram às ruas segundo a Confederação Geral do Trabalho (CGT).

Desde então, a classe trabalhadora francesa, sob protagonismo das oito principais centrais sindicais, continuamente ocupa as ruas e realiza greves em setores relevantes da economia nacional – como o de energia – para impedir a aprovação desse retrocesso antidemocrático. Com a utilização do 49.1, o governo declarou guerra ao seu próprio povo.

Convém ressaltar que a reforma é baseada em uma mentira. O governo francês destaca economias exorbitantes com o aumento da idade, chegando a 18 bilhões de euros. Entretanto, desconsidera novos custos que virão da necessidade de trabalhar por mais tempo, como o seguro desemprego, assistência médica, queda de produtividade, queda no poder de compra etc. Ademais, a grande ‘’promessa social’’ do projeto de lei, a pensão de 85% do salário mínimo (aproximadamente 1200 euros), mostrou-se uma farsa. Foi divulgada como a pensão geral, mas para alcançá-la é necessário cumprir duros requisitos.

Nesse cenário, observa-se como agem Macron e seus aliados liberais, que se apresentaram como solução contra a extrema-direita de Marine Le Pen reforçam-na. Lembremos que nas últimas eleições a disputa se deu entre dois candidatos da extrema-direita e a direita ‘’civilizada’’ de Macron, que chantageou a esquerda mas encontrou resistência em Mélenchon e em seu partido LFI. A deputada e seu partido Rassemblement National (RN) já estão se aproveitando da falta de popularidade do governo para levar adiante sua agenda racista, islamofóbica e diretamente contrária aos interesses dos trabalhadores franceses.

Não deixa de ser irônico que Macron estava há poucas semanas no continente africano e adotou um tom colonial e imperialista, com seu nariz empinado para opinar sobre o que ex-colônias francesas deveriam fazer no que diz respeito à economia e política. Se Luís Filipe I foi o rei dos banqueiros, Macron é o representante perfeito da burguesia francesa imperialista em estado decadente.

É necessário que os trabalhadores se mobilizem por uma alternativa de esquerda, pois é a única capaz de frear as reformas neoliberais e a ascensão da política fascista da extrema-direita. Podemos esperar semanas de intensos protestos e a contínua articulação das centrais sindicais por greves nos setores vitais franceses. Espera-se que a NUPES, coalizão que reúne os partidos de esquerda do país, atue em conjunto aos sindicatos, evitando disputas mesquinhas por protagonismo como visto recentemente entre Mélenchon e dirigentes da CGT.

É necessário defender as vastas conquistas que foram obtidas por meio de duras lutas pela classe trabalhadora francesa desde o fim da guerra e ampliá-las com o intuito de superar a forma atual de organização social, colocando os interesses desses mesmos trabalhadores em primeiro plano.