Peru: o sangue flui na Amazônia

Alan García não é estranho ao massacre patrocinado pelo governo. Em junho de 1986, ordenou aos militares que bombardeassem os prisioneiros empilhados nos cárceres da capital, com centenas de presos políticos que protestavam contra as condições de seu confinamento, resultando em mais de 400 vítimas conhecidas. Mais tarde, a existência de sinistras valas revelou dezenas mais. Este notório massacre ocorreu enquanto Garcia era o anfitrião de uma reunião em Lima da denominada “Internacional Socialista”. Seu partido político, o APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), um membro da ‘Internacional’, se viu ante a vergonha da exibição pública de suas tendências “nacional-socialistas”, ante centenas de funcionários do Partido Social Democrata Europeu. Acusado em 1990 de apropriação indevida de fundos do governo e deixar seu cargo com uma taxa de inflação de quase 8.000%, concordou em apoiar o candidato presidencial Alberto Fujimori em troca de uma anistia. Quando Fujimori impôs uma ditadura em 1992, Garcia se auto-exilou na Colômbia e mais tarde na França. Retornou em 2001, quando as acusações contra ele haviam prescrito e Fujimori se viu forçado a renunciar em meio às acusações de criar esquadrões de morte e espionagem contra seus adversários. Garcia ganhou as eleições presidenciais de 2006, em um segundo turno contra o candidato nacionalista e ex-oficial do Exército Ollanta Humala (de origem indígena), graças ao apoio financeiro e os meios de comunicação da direita peruana, dos oligarcas decadentes europeus, e as agências de “ajuda” dos EUA.

Uma vez no poder, Garcia não deixou dúvidas sobre o seu programa político e econômico. Em Outubro de 2007, anunciou a sua estratégia para colocar as multinacionais de mineração no centro do seu programa econômico de “desenvolvimento”, enquanto justificava o brutal deslocamento dos pequenos agricultores das terras comunais e povos indígenas em nome da “modernização”.

Garcia pressionou o Congresso para aceitar a ALCA promovida pelos EUA. Peru foi um dos três países da América Latina a apoiar essa proposta dos EUA e se abriu ao saqueio sem precedentes de recursos, trabalho, terra e mercados pelas multinacionais. No final de 2007, Garcia começou a conceder enormes extensões de terras tradicionais dos povos indígenas na região amazônica para a exploração mineral e a energia às multinacionais estrangeiras. Esta foi uma violação da convenção da OIT em 1969, que obriga o governo peruano a consultar e negociar com os índios o que tem a ver com a exploração de suas terras e rios. No âmbito da sua política de “portas abertas”, o setor de mineração da economia cresceu rapidamente e ganhou enormes lucros a partir do recorde mundial de preços de commodities e maior demanda de matérias-primas por parte da Ásia (China).

As empresas multinacionais foram atraídas pelos baixos impostos e praticamente livre acesso à água, com tarifas baratas e subsídio governamental ao preço da eletricidade. A suspensão dos regulamentos ambientais nestas regiões ecologicamente frágeis aumenta a poluição dos rios, águas subterrâneas, ar e solo, no entorno das comunidades. O envenenamento causado pelas operações mineiras, levou à morte maciça de peixes e tornou a água imprópria para beber. O desmatamento das florestas tropicais está minando o sustento de milhares de pessoas envolvidas em trabalhos artesanais e tradicionais de subsistência, nas atividades coletoras e agrícolas.

O “boom” da mineração beneficia principalmente as empresas estrangeiras. O regime de Garcia distribui as receitas estatais aos seus apoiadores financeiros e especuladores imobiliários, os importadores de produtos de luxo e a camarilha política de Lima fortemente custodiada em bairros residenciais e clubes exclusivos. Embora as margens de lucro das multinacionais alcançem um incrível percentual de 50% e as receitas públicas superem um bilhão de dólares, as comunidades indígenas não têm estradas pavimentadas, água potável, serviços básicos de saúde e escolas. Pior ainda, têm experimentado uma rápida deterioração em sua vida cotidiana, pois o afluxo de capital mineiro provocou um aumento dos preços dos alimentos básicos e medicamentos. Mesmo o Banco Mundial, em seu Relatório Anual de 2008, e o Financial Times de Londres, instaram o regime de Garcia a enfrentar a crise e o crescente descontentamento entre as comunidades indígenas. Delegações das comunidades indígenas haviam viajado para Lima para tentar estabelecer um diálogo com o Presidente a fim de evitar a degradação de suas terras e comunidades. Os delegados se depararam com portas fechadas. Garcia sustentou que “o progresso e a modernidade são provenientes dos grandes investimentos feitos pelas multinacionais e não dos camponeses pobres, que não têm um centavo para investir.” Interpretou os chamamentos ao diálogo pacífico como um sinal de fraqueza dos habitantes indígenas da Amazônia e aumentou as concessões de exploração para multinacionais estrangeiras, inclusive mais profundas na Amazônia. Cortou praticamente toda possibilidade de diálogo e compromisso com as comunidades indígenas.

A resposta das comunidades indígenas da Amazônia foi a formação da Associação Inter-étnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESEP). Protestos públicos foram realizados há mais de 7 semanas que culminaram no bloqueio de duas estradas transnacionais. Este enfurecido Garcia se referiu aos manifestantes como “selvagens e bárbaros” e enviou as unidades militares e policiais para reprimir a ação de massas. O que Garcia não levou em conta foi o fato de que uma proporção significativa de homens nestas aldeias indígenas havia servido como recrutas do exército que lutou na guerra de 1995 contra o Equador, enquanto que outros haviam sido treinados para defender a autonomia local pelas organizações da comunidade. Estes combatentes veteranos não foram intimidados pelo terror do Estado e sua resistência aos primeiros ataques da polícia resultou em mortes de ambos os lados, a polícia e os índios. Garcia declarou “guerra aos selvagens” e enviou uma grande força militar com helicópteros, veículos blindados e tropas com ordens para “atirar para matar”. Os ativistas da AIDESEP somam mais de 100 mortos entre os manifestantes indígenas e suas famílias: os índios foram assassinados nas ruas, em suas casas e locais de trabalho. Acredita-se que os restos mortais de muitas vítimas foram despejados em córregos e rios.

Conclusão

Como era previsível, o regime de Obama não emitiu nem uma única palavra de preocupação ou de protesto ante um dos piores massacres de civis perpetrados nesta década por um dos seus aliados mais próximos na América Latina. García, proferindo seu discurso de uma conversa com embaixador dos EUA, acusou Venezuela e Bolívia de haver instigado o “o levante indígena”, citando como “provas” uma carta de apoio que o presidente da Bolívia , Evo Morales, enviou a uma conferência intercontinental dos povos indígenas, realizada em Lima, em maio. Decretou a lei marcial e toda a região amazônica do Peru está sendo militarizada. As reuniões são proibidas e os membros das famílias estão proibidos de procurar seus parentes desaparecidos.

Em toda a América Latina, as principais organizações indígenas manifestaram a sua solidariedade para com os movimentos indígenas do Peru. Neste país, os movimentos sociais, sindicatos e grupos de direitos humanos organizaram uma greve geral para 11 de junho. Temendo a propagação dos protestos de massa, El Comercio, o diário conservador em Lima, aconselhou Garcia a adotar algumas medidas de conciliação para evitar uma revolta urbana generalizada. Um dia antes, em 10 de junho, declarou-se uma trégua, mas as organizações indígenas se recusaram a pôr termo ao bloqueio das estradas, a menos que o governo revogue o seu decreto de concessão ilegal de terras.

Entretanto, um estranho silêncio paira sobre a Casa Branca. O nosso Presidente, normalmente falante Obama, um especialista em recitar sobre a diversidade e tolerância, falar da paz e justiça, não pode encontrar nas suas frases prontas, uma só para condenar a morte de dezenas de habitantes indígenas da Amazônia peruana. Quando se cometem graves violações dos direitos humanos na América Latina, os EUA respaldam um presidente-cliente que segue a fórmula de Washington de “livre comércio”, desregulamentação da proteção do meio ambiente e hostilidade contra os países antiimperialistas (Venezuela, Bolívia e Equador). Obama é a favor da cumplicidade, e não condenação.

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